O ditador venezuelano Nicolás Maduro assumiu, no começo do mês, o fracasso do modelo econômico da Venezuela. Não bastasse a forte hiperinflação, projetada em 1.000.000% para este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2018, a economia irá encolher pelo quinto ano seguido. O órgão projeta uma retração de 18% no PIB, acumulando uma queda de 47% desde 2013, quando Maduro chegou ao poder.
Um dos principais fatores que contribuiu para que a Venezuela chegasse a essa situação foi a desestruturação do setor produtivo. “Nos últimos 18 anos, o Estado venezuelano se dedicou a adquirir, por diferentes métodos, um importante número de empresas. A expropriação foi um desses métodos de aquisição usado em empresas de setores como cimento e café, de onde se chegou ao monopólio”, aponta a ONG Transparencia Venezuela.
Atualmente, 526 empresas estão sob o controle do governo da Venezuela, quatro vezes mais do que o Brasil, que conta com 130, e dez vezes mais do que a Argentina, que tem 52. No ano passado, elas empregavam 440,7 mil pessoas ou 5,6% da população ocupada formalmente.
Três em cada quatro empresas estatais foram criadas, expropriadas ou confiscadas durante os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
Nenhum benefício
A política de estatização dos meios de produção foi apresentada no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2007-2013, também conhecido como Primeiro Plano Socialista da Nação. Pretendeu-se dar uma base jurídica a este modelo, mas a proposta foi rejeitada em um referendo nacional em 2007. A prática acabou sendo imposta por leis, decretos e ações por parte do governo venezuelano.
“A maioria destas empresas não trouxe benefícios para o país, nem em forma de dividendos, royalties ou impostos para o Tesouro Nacional, nem bens e serviços para a sociedade.” Em 2016, segundo a ONG, as empresas tiveram um orçamento de 6,04 bilhões de bolívares. As perdas foram de 1,29 bilhão.
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Dados públicos mostram o impacto da desestruturação do setor produtivo. Segundo o Ministério da Alimentação, em 2005, 63,9% dos alimentos comprados pelo governo venezuelano eram de origem interna. Dez anos depois – último dado disponível – esse percentual tinha caído para 9,97%. Desde 2016, o aparato de produção e distribuição de alimentos está nas mãos do Ministério da Defesa.
Segundo a Transparencia Venezuela,
“É um negócio mais atraente importar qualquer bem a taxas preferenciais de câmbio do que produzir, comercializar, distribuir e cobrar.
É praticamente impossível avaliar o desempenho das empresas públicas por causa da falta de transparência por parte do governo venezuelano. Das 526 empresas não se sabe a localização de 31%. Só um quinto delas tem a estrutura acionária conhecida. E só se sabe o nome dos diretores de 6% delas.
Petrolífera controla mais de cem empresas
Parte dessas empresas está sob o controle da PDVSA, a petrolífera venezuelana. Em 2000, ela tinha participação acionária em 17 empresas, não incluindo associações estratégicas. Quinze anos depois eram 114, das quais 42 se dedicam a atividades não petrolíferas. Além do petróleo, a empresa atua nos setores agroalimentar, transporte, comércio, construção e indústria.
À medida que a PDVSA passou a se dedicar também a outros setores, a produção de petróleo caiu. No ano passado, segundo a petrolífera britânica BP, a produção foi a menor desde 1989. Segundo o Petroguia, um site venezuelano em temas energéticos, a expectativa para este ano é de que a produção de petróleo caia para 800 mil barris diários, dos quais 300 mil são consumidos internamente e outros 500 mil são exportados para Rússia e China.
Em 2008, a PDVSA adquiriu a Lácteos Los Andes, que se dedicava à produção de leite e seus derivados, sucos e gelatinas. Desde a aquisição, esteve vinculada a três ministérios. A alta direção foi trocada cinco vezes e, entre 2008 e 2016, mais do que duplicou o número de funcionários, passando de 3.144 a 6.735. A produção caiu 48% entre 2007 e 2015.
O governo investiu US$ 227,5 milhões para aumentar a produção entre 2011 e 2015. Um dos maiores investimentos era o de uma unidade para pasteurizar leite, localizada em Zaraza. Foram aplicados US$ 50 milhões no empreendimento, que deveria estar pronto em 2013, mas não foi concluída.
Segundo a Transparencia Venezuela, a empresa sofre uma série de problemas: falta de matéria-prima, manutenção deficiente dos equipamentos e das unidades industriais, paralisação da produção e da distribuição, descumprimento das metas, conflitos de interesse de seus executivos e problemas com os trabalhadores.
Sem aço
Outro exemplo da má gestão é a Sidor, uma siderúrgica que nasceu como empresa estatal em 1964 para produzir aço e derivados e teve 70% das ações vendidas para a iniciativa privada em 1997. O controle era do grupo argentino Techint.
Mesmo antes de 1997, a companhia era lucrativa e atendia à demanda do mercado interno. Sob o controle da Techint, foram realizados investimentos para aumentar a produção e os lucros.
Os problemas começaram após a estatização, promovida por Hugo Chávez em 2008: de 2006 a 2016, a produção de aço despencou 93% e a de tubos, 100%. O número de empregados aumentou 281%. A empresa vem tendo prejuízos desde 2014 e a situação patrimonial desde 2014 a coloca em situação falimentar.
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“A gestão ineficiente vai além da empresa, já que tem afetado à indústria e à economia venezuelana em conjunto. Desde 2012 tem sido necessário importar produtos acabados e semiacabados em aço, antes produzidos pela Sidor, para abastecer a indústria nacional. É uma situação que tem piorado o déficit da balança comercial do país”, informa a Transparencia Venezuela.
Outra siderúrgica estatizada, a Sidetur, está com as atividades paralisadas há mais de um ano, informa o jornal El Nacional. Ela foi assumida pelo governo em 2010.
Direitos de propriedade
A pesquisadora Ana Carrasquero, do Observatório de Direitos de Propriedade do Centro de Divulgação do Conhecimento Econômico para a Liberdade (Cedice), disse ao jornal El Nacional que a queda na produção não se deve ao fato de que o governo não sabe administrar, mas sim é parte de uma política de ataque sistemático contra o direito produtivo.
Um levantamento realizado pela Aliança Internacional de Direitos de Propriedade mostra que, entre 125 países, a Venezuela é o que tem a terceira pior garantia e proteção aos direitos de propriedade. Atrás dela estão o Haiti e Bangladesh. E, em termos de liberdade econômica, segundo a Heritage Foundation, tem o segundo pior indicador mundial, à frente da Coreia do Norte. Mesmo Cuba, que está lentamente implantando reformas para dar mais vigor à iniciativa privada, está à frente.
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