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Os Estados Unidos são considerados o maior exemplo de defesa da liberdade de expressão no mundo atual, amparados na Primeira Emenda, a mais ampla proteção jurídica que há nesse sentido. No entanto, o discurso livre tem se deteriorado com o passar dos anos, principalmente nas redes sociais, ambiente que virou alvo de interferência política, gerando preocupações sobre como práticas censórias podem influenciar as eleições presidenciais de novembro.
Com a consolidação das plataformas como um novo espaço de debate, os candidatos políticos migraram grande parte de sua estratégia de engajamento para a internet, hoje um dos principais canais de campanha e propagação de ideias. Um exemplo disso é a próprio governo de Joe Biden, que ampliou nos últimos anos sua presença digital.
Na semana passada, sua campanha de reeleição afirmou que planeja continuar usando o TikTok, apesar da possível proibição do aplicativo chinês no território americano. Segundo os assessores de Biden, “um ambiente de mídia fragmentado exige que apareçamos e encontremos os eleitores onde eles estão, e isso inclui a internet. O TikTok é um dos muitos lugares em que estamos garantindo que nosso conteúdo seja visto pelos eleitores”, disse um funcionário sem se identificar à emissora CNN.
Tamanha a relevância das redes sociais para a política que esse movimento tem sido observado de perto pela Câmara dos Representantes, por meio de uma comissão liderada pelo deputado republicano Jim Jordan, que analisa uma série de relatórios identificando ações de censura e cerceamento da liberdade de expressão no país, inclusive com denúncias de que os democratas se beneficiaram de acordos com as plataformas para limitar certos conteúdos dos usuários antes das eleições de 2020.
Esse estudo foi revisitado neste mês pela comissão judiciária após novas denúncias do empresário Elon Musk de que o Brasil, considerado um país democrático, também tem sofrido atos de censura do discurso digital ligado à política.
Essa investigação ganhou fôlego em 2022 nos Estados Unidos, logo após Musk adquirir o Twitter (atual X). Na ocasião, ele afirmou que tinha provas de que a liberdade de manifestação estava sendo suprimida no país. Tempos depois, o jornalista independente Matt Taibbi publicou um conjunto de arquivos que revelaram interações entre antigos representantes da plataforma e funcionários do governo Biden para censurar conteúdos noticiosos na rede que poderiam prejudicar sua campanha.
As revelações apontaram para um acordo com os democratas que beneficiou o então vencedor das eleições em 2020 ao omitir denúncias de crimes expostas em uma reportagem do jornal New York Post ligada ao advogado Robert Hunter Biden, filho de Biden. O caso segue sob investigação na justiça americana e na Câmara, com forte pressão dos republicanos, que defendem que houve prática de censura e interferência política pelo governo democrata para vencer o pleito.
A matéria jornalística revelava irregularidades encontradas em um laptop de Hunter, indicando que seu pai foi apresentado na época em que era vice-presidente de Barack Obama a um alto executivo de uma empresa de energia ucraniana com a qual o filho tinha vínculos O escândalo então teria sido omitido para muitos internautas que utilizavam o Twitter por meio de uma ação direta da Casa Branca na plataforma.
Taibbi afirmou na época em que divulgou os Twitter Files que os gestores do Twitter tomaram "medidas extraordinárias" para suprimir a história, através da remoção de links e da publicação de avisos para os usuários de que aquele conteúdo poderia ser "perigoso", incentivando-os a não abrir os links. "Eles até bloquearam sua transmissão por mensagem direta, uma ferramenta até então reservada para casos extremos, como, por exemplo, pornografia infantil”, afirmou o jornalista naquela ocasião.
Apesar das revelações chocantes, os arquivos liberados por Musk não impediram a ascensão do democrata Joe Biden à Casa Branca, algo que foi bastante criticado por Trump e seus apoiadores naquela época, que classificaram a família do concorrente eleitoral como uma "empresa criminosa".
Outro episódio marcante envolvendo a supressão da liberdade de expressão ocorreu com o então presidente Donald Trump, após os resultados eleitorais de 2020 que deram vitória a Biden. O republicano foi banido permanentemente do Twitter por manifestações sobre o pleito. Em um dos tweets censurados, Trump afirmou que não iria à posse do democrata em 20 de janeiro.
Como resposta, a plataforma disse que a publicação poderia ser vista como uma declaração de que a eleição não foi legítima e o tweet poderia ser interpretado como Trump dizendo que a posse seria um alvo “seguro” para a violência, porque ele não estaria presente.
Banido das principais redes sociais do mundo após o motim de 6 de janeiro no Capitólio, o republicano então criou sua própria plataforma, a Truth Social, que funciona de forma semelhante ao Twitter. Apesar de ter sua conta novamente ativada após a chegada de Musk no Twitter, o ex-presidente segue utilizando sua rede social.
Nos últimos dias, durante o julgamento criminal em Nova York, ele tem sido acusado de desobedecer uma ordem de silêncio imposta pelo juiz do caso, Juan Merchan, de não se manifestar contra possíveis testemunhas da ação. No entanto, o republicano continua com suas publicações no Truth Social e diz que sua liberdade está sendo cerceada, visto que possui direito garantido pela Primeira Emenda de se manifestar, positiva ou negativamente.
A menos de um ano das eleições presidenciais nos Estados Unidos, o retorno do debate sobre censura na internet pode influenciar o pleito de novembro a depender das novas mobilizações nesse sentido no Congresso americano, com forte pressão dos republicanos para evitar o cerceamento da liberdade de expressão a partir da interferência governamental. O ex-presidente Donald Trump, que deve concorrer à reeleição, não se manifestou sobre as novas denúncias de prática censórias no Brasil, analisadas de perto pela comissão judiciária na Câmara americana.