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Uma reportagem publicada este mês pelo Wall Street Journal descreve um fenômeno que é a ponta do iceberg de uma das várias consequências da invasão russa à Ucrânia, deflagrada em 24 de fevereiro.
Segundo o jornal americano, mais de cem jatos particulares que pertencem a oligarcas russos estão em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para que não sejam apreendidos por países que impuseram sanções desde o início da guerra – o que já aconteceu com iates de alguns milionários (por isso, essas embarcações também estão sendo deslocadas para o emirado: uma delas, avaliada em US$ 156 milhões e de propriedade do oligarca e parlamentar russo Andrei Skoch, alvo de sanções, foi vista em Dubai).
Embora, na prática, o uso dessas aeronaves fique bastante restrito justamente devido às sanções, o deslocamento dos jatinhos para Dubai protege o patrimônio desses oligarcas e revela uma tendência: como os Emirados Árabes Unidos não estão sancionando a Rússia e nem perseguindo os oligarcas ligados ao presidente Vladimir Putin, o país, e especialmente seu emirado mais famoso, tem se transformado num refúgio para eles.
Recentemente, o New York Times, citando dados compilados pelo Centro de Estudos Avançados de Defesa, informou que ao menos 38 empresários ou altos funcionários ligados a Putin, vários deles alvos de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, possuem propriedades em Dubai cujos valores somam mais de US$ 314 milhões.
O interesse pelo emirado vem crescendo desde que começou a guerra na Ucrânia: Abdullah Alajaji, CEO de uma corretora imobiliária de Dubai, relatou à revista Forbes que sua empresa registrou um aumento de 71% no valor de propriedades compradas por russos no primeiro trimestre de 2022, em comparação com o mesmo período no ano passado.
Além do objetivo de proteger seu patrimônio de sanções – o bilionário Roman Abramovich, ex-dono do Chelsea, esteve procurando uma casa em Palm Jumeirah, a famosa ilha artificial em forma de palmeira em Dubai, nas últimas semanas -, outro interesse dos oligarcas são as vantagens oferecidas pelo governo local.
Um programa de “visto dourado” dos Emirados Árabes Unidos oferece residência de longo prazo para estrangeiros que aplicam ao menos 10 milhões de dirhams (cerca de US$ 2,7 milhões) em empresas ou fundos de investimento locais. O governo também permite que estrangeiros obtenham cidadania local por meio de investimento em propriedades.
“É efetivamente uma residência vitalícia que você recebe do governo de Dubai e é muito acessível para muitos desses russos abastados”, disse Alajaji à Forbes. “Muitas pessoas com quem trabalhamos estavam morando em Londres, Luxemburgo, Suíça e Israel, e agora estão querendo se estabelecer em Dubai, seja devido aos seus negócios, ou trazendo suas famílias e tomando a decisão de residir em Dubai.”
“Os investidores estão procurando tanto proteção de capital quanto a oportunidade de receber um visto residencial nos Emirados Árabes Unidos para realocação temporária”, confirmou à agência Reuters a corretora imobiliária Elena Milishenkova, que tem como foco russos que compram imóveis no exterior.
Ela relatou à agência que sua empresa recebeu quase três vezes mais pedidos por apartamentos em Dubai nos primeiros três meses de 2022 na comparação com o primeiro trimestre de 2021.
A capacidade de Dubai de obter ganhos quando há problemas em outras partes do mundo é ironizada por quem conhece a realidade do emirado.
“Em Dubai, há um velho ditado que diz: ‘Quando a região vai bem, nós nos saímos bem, mas quando há uma crise, nós nos saímos muito bem’”, disse Chirag Shah, fundador da consultoria 1 International FinCentre Associates, em entrevista à Bloomberg.
Há riscos, porém: no início de março, a Força-Tarefa de Ação Financeira, órgão de fiscalização global de crimes financeiros, colocou os Emirados Árabes Unidos na chamada lista cinza, o que indica que estão sujeitos a um monitoramento mais rigoroso contra lavagem de dinheiro. O governo local alega que tem evoluído na regulamentação do fluxo de capitais direcionado ao país.