Os abrigos em que estão as 49 crianças brasileiras separadas dos pais nos EUA ainda estão sob avaliação, com visitas in loco, dos consulados do Brasil - que se preocupam, em especial, com as crianças menores, sozinhas ou em instituições recentemente adicionadas à rede de proteção americana.
"É um trauma terrível, uma situação que nos dá muita angústia", afirmou à reportagem a diretora do departamento consular e de brasileiros no exterior do Itamaraty, a embaixadora Luiza Lopes, nesta quinta (21).
As crianças têm entre 6 e 17 anos, e estão em 15 abrigos espalhados pelo país. Pelo menos 11 estão sozinhas, sem outros brasileiros, num local onde a maioria das pessoas fala apenas espanhol ou inglês. "Daí vem um pouco o trauma dessas crianças", comentou Lopes.
Até agora, nos abrigos visitados pela equipe, não foi encontrada "nenhuma situação limite", como o uso de grades, colchonetes pelo chão ou crianças espalhadas em grandes galpões - como reportado pela imprensa americana.
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A embaixadora destaca que os dois abrigos de Chicago, onde está a maior parte dos brasileiros (são 29 crianças), são considerados referência e têm atividades de ensino e recreativas, incluindo passeios a locais como zoológico, shoppings e parques.
"Nesses abrigos, os relatos é que as crianças estavam bem física e emocionalmente. Elas ficam ocupadas o tempo todo", comentou Lopes. Segundo ela, as próprias instituições avisam o consulado para intermediar contatos com as famílias.
A comunicação com o governo americano, que fiscaliza e supervisiona os abrigos, é fluida, e há um acordo para que, a cada criança brasileira que entre no sistema, o Itamaraty seja avisado.
Mas nem todos os locais foram visitados até aqui: parte das visitas deve ocorrer entre esta quinta e sexta-feira (22), em especial aos abrigos novos, que estão na fronteira com o México - e que não necessariamente comunicam os casos ao governo brasileiro.
O papel dos funcionários é visitar as crianças, verificar as condições dos menores e auxiliar para que a reintegração com a família se dê o mais rápido possível. "A gente faz a ponte para minorar esse trauma", afirmou Lopes.
Reintegração
Em média, as crianças costumam ficar entre um mês e meio a três meses nos abrigos, maior tempo de espera registrado desde 2013. O destino das crianças é definido por um juiz: o objetivo principal é reintegrá-las às famílias. Na maioria dos casos, elas são entregues a familiares ou amigos próximos nos EUA.
"É isso que alimenta a esperança dos pais", afirmou Lopes. Mas a maioria dos pais detidos na fronteira acaba sendo deportado. Um percentual menor de crianças é deportado junto com eles, ou volta ao Brasil antes disso, para se reintegrar à família.
Um dos casos mais preocupantes no momento é de um menino de seis anos, de Minas Gerais, que atravessou a fronteira com o pai, atualmente prestes a ser deportado. A criança está no abrigo desde o início de junho, sozinha. A mãe, no Brasil, tenta conseguir a autorização para que ela volte ao país - mas a Justiça americana exige algumas condições, como um relato detalhado das autoridades brasileiras sobre a aptidão do lar para receber o menor.
O caso do adolescente de 16 anos, autista e com crises de epilepsia, relatado pela Folha de S.Paulo nesta quarta (20), foi resolvido: ele foi reintegrado à mãe, que mora em Connecticut. A expectativa do Itamaraty é que a ordem executiva de Trump ajude a reunir as famílias com mais rapidez.
Temer e Pence
A detenção de 49 crianças brasileiras em abrigos nos EUA, separadas de seus pais, será tema prioritário no encontro entre o vice-presidente americano, Mike Pence, e o presidente Michel Temer, que ocorrerá terça-feira (26) em Brasília.
O governo brasileiro espera que a questão esteja resolvida até lá, mas acha improvável. Segundo a reportagem apurou, Temer deve manifestar profunda preocupação e pressionar pela rápida liberação das crianças, cujos pais foram mandados para prisões federais após tentarem entrar com as famílias ilegalmente no país.
"Recebemos com alívio a decisão do governo Trump de reverter a política de separar famílias, mas isso não basta, precisamos ver quanto tempo vai levar para essas crianças reencontrarem seus pais", diz o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral.
Em nota, o Itamaraty classificou a política de "cruel".
Apesar da pauta delicada, o governo brasileiro afirma que a conversa será produtiva, sobretudo porque Pence e Temer têm "química" - um interesse comum por responsabilidade fiscal e personalidades mais compatíveis do que a do brasileiro, circunspecto, com o efusivo Donald Trump.
Segundo relatos, Pence se interessou pelo corte de gastos implementado pelo governo brasileiro e abordou o assunto em telefonema com Temer. Quando era governador de Indiana, Pence fez do corte de gastos sua principal bandeira.
Já o governo americano deve abordar a crise na Venezuela e o êxodo de venezuelanos. Washington calcula que cerca de 1 milhão de venezuelanos deverão deixar seu país em 2018 - de 2015 a 2018, foi 1,5 milhão, segundo a ONU.
A possibilidade de acirramento das tensões na fronteira da Colômbia, que recebe a imensa maioria dos refugiados, e o consequente aumento do fluxo venezuelano para o Brasil preocupa os EUA. Os americanos devem voltar a pedir que o governo brasileiro eleve a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro, talvez com sanções à cúpula. Mas o Brasil deve reafirmar a oposição a sanções unilaterais e lembrar que exerce pressão com a suspensão do país do Mercosul, cancelamento de créditos, condenação das eleições e gestões na Organização dos Estados Americanos, mas que precisa manter o canal de interlocução dados os interesses no país vizinho.
Pence se reúne terça no Planalto com Temer e os ministros Aloysio Nunes (Relações Exteriores), Eliseu Padilha (Casa Civil) e Sergio Etchegoyen (Segurança Institucional). No mesmo dia, almoça no Itamaraty, e na quarta (27), vai a Manaus, onde visita um abrigo para venezuelanos.
O governo brasileiro quer abrir um canal de comunicação de alto nível com o governo Trump. Desde a posse do republicano, em janeiro de 2017, o Brasil foi preterido nas visitas do presidente e seu primeiro escalão à região, e o Planalto se ressente.
O governo brasileiro também tratará na reunião da negociação do acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA, exigência dos americanos para alugar a base de lançamento de foguetes em Alcântara (MA), negócio cuja receita anual pode chegar a US$ 1,5 bilhão (R$5,8 bilhões).