Em seu discurso de despedida como chefe de Estado na última quinta (19), Raúl Castro, que mantém a palavra final na política de Cuba, achou espaço para condenar o que chama de golpe parlamentar no Brasil (o impeachment de 2016) e a recente prisão do ex-presidente Lula.
O recado confirma expectativas de integrantes do governo brasileiro: a relação política estremecida desde a queda de Dilma Rousseff não deve melhorar com Michel Temer no poder. O sucessor de Castro, Miguel Díaz-Canel afirma que a política exterior cubana “se manterá inalterável”.
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Se no campo político a expectativa é manter as relações bilaterais geladas até o próximo governo no Brasil, no comércio não há sinal de tensão. Prevalece o pragmatismo: impelidas por frango, óleo e farelo de soja, saltaram 48% as importações cubanas do Brasil no primeiro trimestre, após aumento de 7,7% em 2017.
Para interlocutores do governo brasileiro, a crise da Venezuela, parceiro essencial de Cuba, fará a ilha se abrir ao capital estrangeiro, e o Brasil pode se beneficiar.
Os dois países continuam sem embaixadores em Brasília e em Havana. O governo cubano nunca respondeu ao pedido de agrément feito no início de 2017 pelo Brasil para o embaixador Frederico Meyer e retirou sua embaixadora de Brasília no fim de 2016.
A elevação do tom do governo Temer com Caracas também afasta Cuba e Brasil, mas é o corte nas linhas de crédito concedidas à ilha nos anos de governo do PT que deixaram o regime mais contrariado.
Além dos US$ 682 milhões (R$ 2,3 bilhões no câmbio atual) financiados pelo BNDES para ampliar e modernizar o porto de Mariel pela Odebrecht nos governos de Lula e Dilma, o Brasil mantinha acordo para emprestar 56,3 milhões (R$ 235,7 milhões) a Cuba pelo programa Mais Alimentos Internacional. A linha servia para que Havana adquirisse maquinário e implementos agrícolas brasileiros.
No governo Temer e em meio aos escândalos da Lava Jato, porém, a torneira do BNDES fechou. O Brasil não entregou a última das três parcelas do pacote, de 18,5 milhões (R$ 77,5 milhões).
Mais Médicos
O Mais Médicos também se sobrepõe aos princípios ideológicos do regime. Desde 2013, o Brasil pagou mais de R$ 7,5 bilhões a Havana pelo programa. Hoje, porém, dos 17 mil médicos participantes, 8.500 são cubanos -- o número chegara a 11,4 mil sob Dilma.
Segundo funcionários do governo brasileiro, havia receio do regime cubano de que, com o impeachment, o acordo fosse cancelado. O Ministério da Saúde diz que pretende reduzir os cubanos para 7.400 até 2019 com substituição por profissionais brasileiros.
Com o turismo, a exportação de serviços médicos é a mais importante fonte de divisas para Cuba hoje. Por cada médico cubano, o governo brasileiro paga R$ 11,8 mil, mas o regime só repassa aos profissionais US$ 1.000 (R$ 3.400).
Diante dessas condições, 218 médicos cubanos entraram com ações na Justiça brasileira pedindo para receber o valor integral pago pelo governo brasileiro a cada médicos do programa. Muitos pedem ainda para ter direito de ser recontratado para o programa, como outros estrangeiros.
Alguns conseguiram ambos, como Arnulfo Batista e Mairelys Rodriguez, que após decisão favorável em primeira instância recebem o valor integral. “Todo médico cubano é considerado, pela lei, um intercambista, mas eles não puderam renovar o contrato como os demais. O edital [para recontratação] feriu o princípio da isonomia constitucional”, diz André Corrêa, advogado dos dois médicos cubanos.
Há ainda 1.500 médicos cubanos que prorrogaram a permanência no país por se casarem com brasileiros, e uma parcela que pediu refúgio.
Um deles é Alioski Ramirez Reyes, 36, que chegou a Valparaíso de Goiás em 2014 e solicitou refúgio em outubro de 2016, meses antes de vencer seu contrato. Hoje ele trabalha em farmácias e estuda para revalidar o diploma.
Em Cuba, ficaram suas filhas de 8 e 4 anos. “Aqui tenho esperança de liberdade, de conseguir falar o que penso sem me reprimirem, de conseguir independência financeira e bem estar para minha família”, disse. “Aqui há coisas ruins, mas há oportunidade.”
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