O ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, que ficou no comando do país de 2013 a 2018, foi denunciado por autoridades do país por lavagem de dinheiro, contrabando de cigarros e tráfico de drogas.
O tabaco é um dos principais motores da economia paraguaia, mas quem consome seu cigarro é, na maioria, o brasileiro. O Paraguai produz em média 71 bilhões de cigarros por ano e só consome 2,3 bilhões. A maior parte do restante entra no Brasil por meio do contrabando.
Um levantamento feito pelo Instituto Ipec Inteligência apontou que, no ano passado, a ilegalidade correspondeu a quase metade (48%) de todos os cigarros consumidos no Brasil – sendo que 39% foram contrabandeados, principalmente do Paraguai. No total, estima-se que 53,1 bilhões de cigarros ilegais circularam no território brasileiro em 2021.
Os riscos são altos. Para o consumidor, o produto, por ser isento de impostos e custar mais barato, pode gerar um maior consumo. O cigarro contrabandeado também não tem aprovação da Anvisa e pode conter uma quantidade superior e mais nociva de nicotina.
Além disso, esse crime afeta a economia em grandes proporções. De acordo com Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra à Pirataria e Ilegalidade (FNCP), para o tesouro brasileiro o contrabando gera uma evasão fiscal que representa R$ 10,2 bilhões. Já para a estrutura produtiva no Brasil, são menos 173 mil empregos.
"Por fim, o dinheiro do contrabando é utilizado para financiar organizações criminosas e milícias, afetando diretamente a nossa segurança pública, especialmente nos estados fronteiriços, como é o Paraná, que tem 60% do mercado de cigarros dominado pelo contrabando", explica Vismona.
Principais brasileiros envolvidos
O brasileiro Luiz Henrique Boscatto, considerado o maior contrabandista brasileiro é mencionado na denúncia. Considerado um dos aliados de Cartes, Boscatto foi preso no Paraguai e extraditado ao Brasil em 2020.
Cartes já foi processado no Brasil pela Operação Câmbio Desligo, em 2019, que mirou o esquema de movimentação de 1,6 bilhão de dólares de recursos ilícitos no país e no exterior por meio de dólar cabo, operação que burla mecanismos de fiscalização financeira. Segundo as investigações, nesse esquema Cartes teria se envolvido também com os doleiros Vinícius Claret (Juca Bala), Cláudio de Souza (Tony) e o “doleiro dos doleiros” Dario Messer.
De acordo com a denúncia em tramitação no Paraguai, o Brasil é o país de destino da maior transferência em dinheiro feita por uma empresa de Cartes. São 1,3 bilhão de guaranis, que equivalem a R$995 mil na cotação atual). De 2015 a 2021, perto de 40 bilhões de guaranis, equivalentes a 30 milhões de reais, foram enviados ao Brasil a partir do banco do grupo do ex-presidente paraguaio.
“Pode-se observar que a maior quantidade de remessas vai para o Brasil, que é extraoficialmente o principal mercado (via operações de contrabando). No entanto, não há registros de exportações ao país, segundo dados oficiais da Aduana”, destaca o documento.
O esquema
A denúncia contra Cartes foi feita a partir da análise da Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro ou de Ativos (Seprelad) e entregue à Procuradoria Geral do Estado do Paraguai. De acordo com o documento, o ex-presidente aplicava o capital do contrabando em empréstimos ou pagamentos a outras empresas relacionadas a seus filhos, irmã e outros parentes.
"Os valores eram depositados em contas offshore localizadas em paraísos fiscais", conta Edson Vismona. "O levantamento dos dados fiscais de importação e exportação de Horacio Cartes, feito pelas autoridades paraguaias, apontam que o ex-presidente do país e líder do partido Honor Colorado opera a comercialização de cigarros contrabandeados na fronteira com o Brasil, Caribe e outros países do mundo", completa.
Segundo as denúncias, Cartes recebia o dinheiro em casas de câmbio brasileiras e paraguaias, através de pagamentos no exterior por contas bancárias que estariam operando nos Estados Unidos. O documento que fundamenta a denúncia também apresenta em detalhes as vendas e o destino da produção da Tabacalera del Este, também conhecida como Tabesa.
A maior fabricante de cigarros do Paraguai foi comprada por Horacio Cartes e faz parte do império de negócios do ex-presidente, dentro do esquema que envolvia simulação de vendas. Cerca de 73% das negociações da Tabesa foram feitas com uma empresa do mesmo grupo de Cartes, a Palermo SA.
Além disso, são citadas outras empresas de fachada ou ligadas à sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crime organizado transnacional. A maioria sob o registro de parentes de Cartes.
Dinheiro é lavado no Brasil
Segundo descreve a denúncia, o dinheiro saía do banco do grupo de Cartes e era enviado para dois bancos brasileiros. Daqui, eram feitas transferências para a Espanha e de lá para China e Estados Unidos. De um dos bancos americanos, o dinheiro era devolvido para Cartes. Parte do dinheiro da Tabesa também passava pela Argentina e pelo México.
Na semana passada, Os Estados Unidos proibiram Cartes de entrar no país, devido aos casos de corrupção. Além de fazer milhões de dólares circularem entre empresas de fachada registradas com nomes de pessoas próximas, Cartes tem, de acordo com as investigações, uma lista de falsos clientes espalhados pelo mundo – entre eles, pessoas mortas.
O ex-presidente negou participação nos crimes citados pelas denúncias. "Rejeito o conteúdo das acusações, as quais considero infundadas e injustas", disse no comunicado, em que oferece "todo o apoio e informação de primeira fonte de que as autoridades precisarem" para esclarecer a situação.
Conforme disse o advogado de Cartes, Pedro Ovelar, em entrevista coletiva, o ex-presidente "sofre perseguição do governo" do atual presidente Mario Abdo Benítez, seu rival pela liderança do Partido Colorado nas eleições internas marcadas para 18 de dezembro.
Durante os cinco anos de governo de Horacio Cartes, sua fortuna declarada triplicou de 1,3 bilhões de guaranis para 3,3 bilhões, segundo as autoridades paraguaias. Já sua empresa Tabesa declarou a venda de 1,1 bilhão de dólares de cigarros somente no Paraguai, de 2013 a 2018. Isso seria o equivalente a cada cidadão paraguaio – inclusive crianças - fumar mais de 90 cigarros por dia. A conta não fecha, mais uma vez.
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