Quando o presidente americano Donald Trump voltou de sua primeira cúpula com o ditador norte-coreano Kim Jong-un em Cingapura em junho de 2018, sua confiança estava altíssima. Trump afirmou que sabia "de fato" que Kim voltaria ao seu país para iniciar um processo que deixaria "muitas pessoas muito felizes e muito seguras".
Desde então, a Coreia do Norte realizou mais de uma dúzia de testes de mísseis e foguetes, diz que a desnuclearização não está mais na mesa de negociações, chamou Trump de "velho errático" e ameaçou entregar um "presente de Natal" indesejado.
Muitos culparam os norte-coreanos, argumentando que o regime nunca foi sério quanto ao desmantelamento de seu arsenal nuclear e apresentou um conjunto pouco realista de exigências quando Trump encontrou Kim pela segunda vez em Hanói, em fevereiro.
Mas há muitas evidências de que Trump e sua equipe também são responsáveis pelo fracasso das negociações - por transmitir mensagens contraditórias, não conseguir entender seus interlocutores, exigir demais e fazer promessas que não podem cumprir.
Então, o que deu errado?
Trump convenceu a China e a Rússia a impor algumas das mais pesadas sanções já impostas à Coreia do Norte. Mas ainda mais importante, de acordo com Andrei Lankov, professor da Universidade Kookmin em Seul, a estratégia de "fogo e fúria" de Trump realmente abalou o regime.
Mesmo que tenha sido um blefe, Trump deixou os norte-coreanos acreditando que ele poderia optar por uma ação militar contra a Coreia do Norte. E então ele fez o que nenhum outro presidente dos EUA ousou fazer: ele abriu as portas para negociações em nível de cúpula. Muitos analistas de questões norte-coreanas dizem que Kim foi a Cingapura preparado para falar seriamente sobre um acordo, para reduzir seu arsenal nuclear em troca da paz e de um melhor relacionamento com os Estados Unidos.
Mas Trump cometeu pelo menos dois erros graves em Cingapura, dizem analistas. Primeiro, ele não conseguiu que Kim definisse o que queria dizer com "desnuclearização completa da península coreana". Desde então, Washington e Pyongyang mantêm uma conversa com interesses contrários. O lado dos EUA interpretou a frase como a desnuclearização unilateral pela Coreia do Norte. Os norte-coreanos insistem que o termo se refere à eliminação das "ameaças nucleares" dos EUA ao seu país para depois eliminar seu sistema de dissuasão. Os Estados Unidos têm um "entendimento equivocado" da frase, disse a Coreia do Norte em dezembro de 2018.
Trump também prometeu encerrar exercícios militares conjuntos entre EUA e Coreia do Sul, que ele descreveu como "jogos de guerra" provocativos e caros. Essa foi uma promessa que seus militares não estavam preparados para cumprir. Os exercícios foram reduzidos, mas não paralisados completamente, para manter um grau de prontidão de combate. A Coreia do Norte diz que se sente "traída" por essa promessa quebrada e que não é mais obrigada a cumprir a sua parte.
Isso causou grandes problemas para o processo de diálogo.
A Coreia do Norte acredita que merece algo (por exemplo, o fim dos exercícios militares) em troca da interrupção de seus testes de mísseis nucleares e de longo alcance. Os Estados Unidos acreditam que o diálogo é uma recompensa suficiente para o encerramento dos testes e quer que os dois lados comecem do zero em relação às concessões comerciais.
Mas os erros são anteriores ao governo Trump, diz Robert Carlin, pesquisador visitante do Centro de Segurança e Cooperação Internacional da Universidade de Stanford, que esteve envolvido nas negociações entre EUA e Coreia do Norte entre 1992 e 2000. Ele culpou o governo George W. Bush pelo fracasso de um potencial acordo em 2002 para que a Coreia do Norte encerrasse seu programa de enriquecimento de plutônio e permitisse a vistoria de inspetores internacionais.
Ele disse que o governo Obama também se apressou em 2012 ao abandonar um acordo sob o qual a Coreia do Norte prometia decretar moratória aos testes nucleares e de mísseis de longo alcance e se abrir para novas inspeções internacionais.
Enquanto Trump conversava com Kim, ele estava envolvido em uma disputa com a China, impondo tarifas em uma crescente guerra comercial. Isso prejudicou a cooperação entre EUA e China em relação à Coreia do Norte e deu a Kim uma abertura para retomar o seu relacionamento com o presidente chinês Xi Jinping. Hoje, dizem analistas, a China está enviando um grande número de turistas para a Coreia do Norte e amenizou significativamente a imposição de sanções ao país. A guerra comercial de Trump com a China de fato prejudicou a sua própria campanha de "pressão máxima" contra a Coreia do Norte.
Na sexta-feira, Trump disse pelo Twitter que teve uma "conversa muito boa" com Xi sobre os esforços para aliviar as tensões comerciais. "Também conversamos sobre a Coreia do Norte, onde estamos trabalhando com a China", escreveu Trump, sem dar mais detalhes.
Os sinais de que o processo estava se deteriorando vieram menos de um mês após a cúpula de Cingapura, quando o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, visitou Pyongyang. Seu apelo à Coreia do Norte para cumprir o que ele acreditava ter sido prometido em Cingapura provocou uma resposta furiosa: Pyongyang condenou a sua "demanda unilateral de uma gangue por desnuclearização". Este foi o primeiro sinal de que os lados tinham opiniões completamente diferentes sobre o que havia sido acordado em Cingapura. Ainda assim, Pompeo insistiu que as negociações foram "produtivas".
Em Hanói, Trump revelou uma aparente falta de entendimento sobre as reais motivações de Kim. Trump ofereceu um "futuro brilhante" para a Coreia do Norte se o país abandonasse seu arsenal nuclear. Esse "grande negócio" nunca interessou aos norte-coreanos. De fato, Pyongyang estava sendo solicitada a renunciar à segurança do regime em troca de uma vaga promessa de investimento. Essa nunca foi uma aposta atraente para Kim.
Ao pedir tudo, dizem analistas, Washington se arriscou a não conseguir nada. Metas mais realistas, dizem eles, poderiam ter buscado conter e reduzir o arsenal nuclear da Coreia do Norte em troca de melhores relações.
Mas o maior erro em Hanói pode ter sido a maneira como Trump menosprezou Kim ao cancelar o almoço e encerrar a reunião mais cedo. Esse é o tipo de tática que pode funcionar bem quando se tenta fechar um acordo imobiliário, mas pode não ser tão eficaz ao se lidar com um ditador orgulhoso e instável. A desfeita pode ter aumentado a pressão sobre Kim internamente para que ele tomasse uma posição mais dura, ou pode simplesmente ter ferido o seu orgulho. De qualquer maneira, ele parecia visivelmente aborrecido após a cúpula, e as relações desde então colapsaram.
As perspectivas para 2020 parecem terríveis. As ameaças militares de Trump não parecem mais tão convincentes quanto eram em 2017, dizem analistas. A decisão de Trump de retirar as tropas americanas da Síria, por exemplo, fez com que ele fosse visto como um "tigre de papel". Sua disputa com a China faz com que seja quase impossível reconstruir o regime de sanções nos níveis de antes. Enquanto isso, a Coreia do Norte parece estar voltando ao caminho de testes de armas e agressividade.
- Coreia do Norte reativa base de lançamento de foguetes e chama Trump de “velho errático”
- 10 fatos que o vereador Leonel Brizola deveria saber antes de homenagear Kim Jong-un
- Kim cavalga em monte sagrado: um grande anúncio da Coreia do Norte está por vir
- Coreia do Norte inaugura cidade criada para ser “utopia socialista”
Não é só “adeus, Disney”: como o dólar alto afeta sua vida e a economia
Alexandre de Moraes transforma liberdade de Daniel Silveira em nova punição; acompanhe o Sem Rodeios
PEC de deputados que corta o triplo de gastos ainda busca assinaturas para tramitar
Preço da carne deve subir de novo, e por um bom tempo