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O Ártico contém cerca de 90 bilhões de barris de petróleo, o que representa 13% das reservas do planeta, e em torno de 44 bilhões de barris de gás natural - quase um quarto dos recursos mundiais de gás, segundo estimativas do US Geological Survey, o serviço geológico do governo americano.
A região que fica no Círculo Polar Ártico sofreu disputas históricas pelo seu domínio, que hoje tem diferentes territórios ou águas territoriais pertencentes a oito países: Estados Unidos, Rússia, Canadá, Noruega, Islândia, Suécia, Finlândia e Dinamarca. Desde a invasão russa à Ucrânia, a crise energética tem gerado um interesse ainda maior nessa área de 16,5 milhões de km2, o equivalente a dois Brasis.
O fenômeno climático também intensificou as disputas. De acordo com um estudo norueguês publicado em agosto na Communications Earth & Environment, do grupo Nature, "nos últimos 43 anos, o Ártico aqueceu quase quatro vezes mais rápido do que o planeta". O progressivo derretimento do gelo acelera a acessibilidade aos recursos naturais, levando os Estados presentes nas terras polares a uma batalha estratégica para afirmar seu domínio energético no cenário mundial. As nações têm o direito de extraí-los e explorá-los em suas zonas econômicas exclusivas (ZEE).
O Kremlin, motivado pela oportunidade que o Ártico oferece, saiu à frente. Em julho deste ano, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou um reforço da frota no Ártico. O país implantou 18 bases militares na região, posicionando navios de exploração de recursos naturais e submarinos de ataque nuclear.
Antes, em abril de 2021, o mandatário russo já tinha entrado com um pedido na comissão da ONU, reivindicando uma ampliação da área russa no Ártico em 705 mil km2. Moscou argumenta que a grande cordilheira oceânica de Lomonosov faz parte de sua ZEE.
“Nunca vimos um país que se estende sobre seus vizinhos dessa maneira, reivindicando toda a parte canadense e dinamarquesa como parte de sua plataforma continental”, escreveu Robert Huebert, da Universidade de Calgary, no Canadá, especialista em questões de segurança no Extremo Norte, no site canadense Eye on the Arctic.
A Rússia também está investindo em infraestrutura para que o Ártico se transforme em uma zona de trânsito global. Existem 25 portos ao longo da costa, tornando o comércio com a Europa e a Ásia mais acessível. Além disso, a Rússia quer construir um terminal petrolífero de Mourmansk, o maior da Sibéria.
Interesse chinês
A Rússia não é a única ameaça imperialista na região. A China se posicionou internacionalmente "como um estado próximo ao Ártico" e como "uma importante parte interessada nos assuntos do Ártico" desde o lançamento em 2018 do livro branco – um documento oficial publicado pelo governo - "Política do Ártico da China". As movimentações chinesas na região, no entanto, começaram muito antes, nos anos 2000. Além das expedições, cujo objetivo, segundo o gigante asiático, é tanto científico quanto militar, os chineses estão cada vez mais interessados nessa região rica em recursos naturais como parte das Rotas da Seda Polar, uma série de rotas interconectadas através do sul da Ásia e usadas no comércio da seda entre o Oriente e a Europa.
Pequim já comprou minas em Nunavut, parcela canadense do Ártico, e tentou adquirir em 2020 um território de 1.100 km2 com infraestrutura portuária e um aeródromo na parte canadense da região polar. A China chegou ainda a fazer parte do Conselho do Ártico como observadora, de olho na apropriação de uma antiga base americana entre a Groenlândia (da Dinamarca) e o Alasca (dos EUA).
EUA e a busca por hegemonia no Ártico
Do outro lado do mapa, os investimentos militares no Ártico não são uma prioridade para os Estados Unidos, mas reforçam as disputas históricas entre os americanos e os russos. Sendo um Estado costeiro, os EUA mantêm uma grande influência sobre o Ártico, especialmente desde que comprou o Alasca da Rússia em 1867.
O governo americano está investindo centenas de milhões de dólares na costa oeste para ampliar os portos que atendem às embarcações da Marinha e da Guarda Costeira americanas.
A Força Aérea do país também transferiu dezenas de caças F-35 para o Alasca, anunciando que o estado vai abrigar "mais caças avançados que qualquer outro lugar no mundo". Em 2021, ainda antes da nova configuração geopolítica resultante da guerra no Leste Europeu, o Exército americano divulgou seu primeiro plano estratégico para "recuperar a hegemonia no Ártico".
Logo que estourou a Guerra na Ucrânia, os EUA, temendo uma tentativa de expansão russa no Círculo Polar, anunciou que colocaria no Oceano Ártico três novos navios quebra-gelo. A Rússia, no entanto, já tinha mais de 50 em operação.
Pouco mais de um mês após a invasão russa ao país vizinho, a Marinha americana ainda conduziu exercícios acima e abaixo da calota de gelo polar ao norte do Círculo Ártico, também traçou um plano para proteger os interesses do país na região, alertando, em nota, que uma presença fraca ali significaria que "a paz e a prosperidade serão cada vez mais desafiadas pela Rússia e China, cujos interesses e valores diferem profundamente dos nossos".