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Os protestos no Equador quase tiraram do cargo na semana passada o presidente de centro-direita Guillermo Lasso, que foi salvo de um processo de impeachment convocado por parlamentares aliados do ex-presidente Rafael Correa e ligados aos movimentos indígenas porque faltaram apenas 12 votos.
Embora também tenham sido registrados protestos no Peru e na Argentina, onde há governos de esquerda, a direita parece mais acuada na América do Sul, com as recentes vitórias eleitorais de esquerdistas no Chile e na Colômbia, o cerco a Lasso no Equador e a Bolsonaro no Brasil.
O governo do Equador e o movimento indígena chegaram a um acordo na quinta-feira (30) para encerrar os protestos que já duravam 18 dias, mas num país em que outras grandes manifestações foram realizadas recentemente, essa trégua está longe de representar alívio para a gestão Lasso.
Para o venezuelano José Gustavo Arocha, especialista em segurança nacional e mestre em administração pública pela Universidade de Harvard, o modus operandi dos protestos do Equador foi o mesmo de manifestações realizadas nos últimos anos no próprio país e também no Chile e na Colômbia: usar reivindicações legítimas, como perda da renda e da qualidade de vida (nos últimos dois anos, em um contexto de pandemia), para emplacar narrativas ilegítimas.
“Há nesses protestos uma violência sistemática, para fazer com que a força pública cometa excessos e, se houver pessoas feridas ou mortas, tomá-las como mártires e usar isso para dizer que as instituições de Estado não funcionam, não servem, o que gera novas ondas de protestos que têm a função de deslegitimar o governo do momento”, explicou o especialista, em entrevista à Gazeta do Povo.
Arocha acredita que, assim como ocorreu na Venezuela, o objetivo é implantar um modelo que ele chama de paz criminal, em que instituições paraestatais assumem o poder no vácuo do Estado e controlam populações em todas as frentes, da segurança à distribuição de alimentos.
“É uma paz criminal porque é uma paz que advém do controle social, não há a quem reclamar, porque não há instituições. É como fazem os coletivos, organizações paramilitares, guerrilhas, narcotraficantes”, descreveu o especialista. “Os mais pobres seguem pobres e não são capacitados para sair dessa situação.”
Guillermo Lasso acusou diretamente o correísmo pela tentativa de destituí-lo com base nos protestos das últimas semanas.
“Todos somos testemunhas da tentativa da Unes [União para a Esperança] de atacar a democracia, de aproveitar o caos para destruir a institucionalidade no Equador”, disse Lasso, em mensagem de vídeo postada nas redes sociais.
Venezuela impõe narrativas
José Gustavo Arocha conhece a realidade venezuelana não só por ser do país, mas porque sentiu na pele o peso do autoritarismo chavista: tenente-coronel reformado do Exército, fugiu do país em 2015 para se estabelecer nos Estados Unidos, após enfrentar o regime chavista e ser preso e torturado.
O especialista descreveu a Venezuela como “um ponto crítico na desestabilização da região”, não só por oferecer recursos humanos e materiais para a esquerda radical da América do Sul, mas também por meio de narrativas.
“A Venezuela ofereceu uma grande plataforma ao ex-presidente Rafael Correa, que era um grande aliado do regime chavista e juntos eles fizeram a Alba [Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América]. Nessa associação, eles oferecem todas as plataformas de um estado legítimo e pressionam a ONU, a OEA [Organização dos Estados Americanos] e outros organismos internacionais para que enxerguem o que acontece na região sob sua ótica, ou, através das redes sociais, geram tendências e narrativas”, detalhou.
“O ex-presidente Lenín [Moreno, que governou o Equador entre 2017 e 2021] acusou a presença da Venezuela nos protestos que enfrentou [em 2019], e esta começou a ficar na clandestinidade e a prestar outro tipo de apoio.”
Na semana passada, o vice-presidente do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, criticou o que chamou de “silêncio” das Nações Unidas e da OEA sobre a resposta do governo equatoriano aos protestos no país.
“Queremos expressar a nossa preocupação com o silêncio escandaloso da OEA, do que resta do Grupo de Lima, de alguns governos que gostam de criticar, da ONU, com a sua Comissão de Direitos Humanos, de todo o mundo, que hoje permanecem em silêncio sobre o que está acontecendo no Equador e o massacre que estão fazendo contra os nossos irmãos indígenas”, disse o número 2 do chavismo.
Em entrevista à TV equatoriana, o coronel reformado Mario Pazmiño, ex-diretor de Inteligência do Exército do país e analista de segurança e defesa, apontou o envolvimento de quatro grupos locais em ações de desestabilização do governo Lasso: Comitê de Defesa da Revolução (que opera nacionalmente, mas em especial em Quito), Coletivo Insurgente (que atua em áreas de fronteira), Grupo Guevarista (com vinculações com facções de guerrilhas colombianas) e Grupo Mariateguista.
Entretanto, Pazmiño também apontou a atuação de grupos estrangeiros, como o venezuelano Tren de Aragua, o colombiano Comandos da Fronteira e até o brasileiro Comando Vermelho, que opera na província amazônica de Sucumbíos.
Esquerda “light”: mesmos objetivos dos bolivarianos?
José Gustavo Arocha desconfia da chegada ao poder de presidentes sul-americanos de esquerda que se dizem mais moderados, como o chileno Gabriel Boric e o colombiano Gustavo Petro, a quem chama de “títeres” adeptos da mesma estratégia de outrora de “gerar mal estar e deslegitimar as instituições” para depois colher vitórias eleitorais.
“No fundo, eles têm os mesmos objetivos: controle social, enfraquecimento das instituições, fim do Estado de Direito, aumento das migrações, cerco à propriedade privada”, acusou.
Preocupado com as ameaças de destituição de Guillermo Lasso e crítico de Lula, Arocha apontou que a direita e a centro-direita precisam aprender a vender melhor suas propostas.
“O objetivo deles [esquerda] é criar uma sociedade dependente do Estado, enquanto queremos o contrário. Mas como podemos vender melhor essa narrativa? Porque ao final, o que a outra narrativa gera é mais pobreza, mais caos, decepção, migrações, mas não estamos sabendo divulgar isso de maneira mais eficiente. Abandonamos as escolas, as universidades, os espaços públicos. Precisamos seguir edificando os valores da propriedade privada, liberdade, esforço, trabalho, ao invés dos que querem vender uma ideia de vida fácil”, concluiu.