A escassez de fórmulas para bebês nos Estados Unidos provocou indignação com a administração do presidente americano, Joe Biden e, particularmente, com a Food and Drug Administration (FDA) [agência governamental que fiscaliza alimentos e medicamentos nos EUA], que fechou uma grande fábrica recentemente. Por sua vez, a população americana quer comprar fórmulas infantis de alta qualidade, como espera que sejam todos os outros produtos regulamentados pela FDA.
Ironicamente, é provável que a contaminação e outras falhas de controle de qualidade sejam muito mais comuns com outros produtos regulamentados pela FDA que vêm do exterior do que com os que desencadearam as ações da agência dentro do país, mas simplesmente não sabemos nada sobre eles. Isso porque ninguém — incluindo a FDA — está fazendo qualquer esforço para testar produtos de outros países antes que eles cheguem ao consumidor americano.
Nem sempre foi assim. Há menos de duas décadas, a América do Norte e a Europa fabricavam de forma muito confiável praticamente todos os produtos regulamentados pela FDA, incluindo medicamentos genéricos. Mas então a dinâmica da economia de produtos de saúde mudou. Tal como acontece com muitos outros itens de consumo, primeiro a Índia e depois a China minaram a fabricação farmacêutica americana, oferecendo mão de obra e fabricação de baixo custo com o benefício adicional de uma quase total ausência de supervisão da FDA.
Vamos ao exemplo: em 2004, a última fábrica nos Estados Unidos a produzir os principais ingredientes da penicilina foi fechada, transferindo a produção para o exterior para economizar custos e trabalhar em um ambiente menos regulamentado pela FDA. É inconcebível que os Estados Unidos não possam mais fabricar independentemente sua própria penicilina. Vamos torcer para que o mesmo não seja verdade para a fórmula infantil.
A Abbott, maior fabricante de fórmulas infantis nos EUA, cooperou com a FDA e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) na condução de uma investigação completa. Todas as partes investigadoras concluíram que nenhum dos produtos que estava contaminado com bactérias foi produzido nas instalações da Abbott.
Em uma longa série de onze tuítes, a fabricante americana afirma que: “uma investigação abrangente da Abbott, FDA e CDC não encontrou evidências de que nossas fórmulas causassem doenças infantis”. Apesar dessas descobertas conclusivas, a empresa ainda permanece fechada por ordem da FDA.
A Abbott parece ser outra vítima do direcionamento desproporcional da agência aos poucos fabricantes nacionais restantes de produtos regulamentados. Desde a pandemia de Covid-19, a FDA ainda não retomou totalmente as inspeções de fábricas de medicamentos na China e na Índia. Em vez disso, os muitos inspetores ociosos concentraram sua ira nas poucas fábricas nacionais. Fechar instalações regulamentadas pela FDA sempre parece acontecer muito mais rápido do que reabri-las, mesmo que as acusações sejam infundadas – como a Abbott deixou bem claro.
Padrões desiguais de inspeção
Há décadas, o tratamento desigual das instalações americanas em favor das instalações estrangeiras é evidente para os especialistas em regulamentação. As sedes fiscalizadas pela FDA nos EUA podem ser inspecionadas a qualquer momento e por qualquer motivo, enquanto as instalações localizadas no exterior são vistoriadas com muito menos frequência, às vezes com até sete anos entre as vistorias de rotina.
Além disso, as regras do Departamento de Estado forçam a FDA a anunciar viagens oficiais de negócios ao exterior, dando às fábricas estrangeiras um aviso de inspeções “surpresas” e tempo suficiente para se preparar. Outros países podem atrasar os vistos dos inspetores da FDA por meses ou anos a seu critério ou até que as instalações atendam aos padrões de inspeção.
Mesmo com a vantagem do aviso prévio, os fabricantes chineses e indianos continuaram acumulando violações por incompetência, negligência e desrespeito geral aos padrões sanitários mais básicos de fabricação e de controle de qualidade dos EUA.
Em vez de realizar testes independentes desses medicamentos importados, a FDA confia nos fabricantes chineses e indianos. Análises independentes descobriram que os medicamentos fabricados no exterior mostram um padrão de rotulagem incorreta, imprecisão de potência e contaminação com fatores de risco para câncer em medicamentos, mas devido a barreiras linguísticas e legais, é difícil identificar quem é o responsável. Além disso, as empresas controladoras enfrentam poucas ou nenhuma consequência.
Com esse tratamento injusto por parte da FDA, a Abbott tem um incentivo para demitir funcionários americanos e levar suas fábricas para o exterior, onde eles se beneficiarão do tratamento favorável da agência, custos mais baixos e margens mais gordas.
O que poderia ser feito?
Embora o sistema atual seja injusto e favoreça os fabricantes estrangeiros, há uma solução simples. A FDA poderia realizar verificações independentes de controle de qualidade em todos os produtos regulamentados, estrangeiros e nacionais, antes de chegarem às farmácias, garantindo a conformidade com a qualidade. A FDA deveria, também, exigir testes em todos os itens regulamentados que chegam às estantes americanas.
Como consultor sênior sobre segurança de medicamentos do ex-comissário da FDA (2019–2021), Stephen Hahn, defendi fortemente o avanço de medidas de controle de qualidade, para todos os produtos regulamentados pela FDA, nacionais e estrangeiros.
Na verdade, a agência já tem uma equipe totalmente equipada para fazer isso. Especificamente, Michael Kopcha, farmacêutico que dirige o Escritório de Qualidade Farmacêutica da FDA, supervisiona mais de 1.300 funcionários e é responsável por cerca de uma dúzia de instalações em todo o país que já são totalmente capazes de realizar testes de produtos finais em todos os itens regulamentados pela FDA.
Mas Kopcha e outros burocratas da carreira da FDA lutaram veementemente contra meus esforços de implantação de testes de qualidade. Para proteger a saúde pública de produtos regulamentados pela FDA no exterior (e domésticos), a FDA deve começar imediatamente a realizar testes de liberação em todos os produtos antes que cheguem aos consumidores.
Se o teste de liberação RTRT plus, que é referência, já tivesse sido implementado, ele poderia ter descartado a culpa da Abbott em primeiro lugar e impedido que o fechamento da fábrica ocorresse.
Agora, o presidente Biden ativou a Lei de Produção de Defesa e instruiu os militares a importar 32 mil quilos de fórmula de outros países — mas não sabemos se a FDA já inspecionou essas instalações no exterior ou se a FDA tem planos de realizar “testes de liberação” antes dos produtos serem consumidos por bebês americanos.
Mesmo saudando a chegada de mais fórmulas, os americanos estão certos em se preocupar com sua segurança. A forma de trabalho da FDA está muito desatualizada e provou ser politicamente inviável, não confiável e insegura. Por causa disso, os bebês americanos não podem obter a comida de que precisam. O que a FDA de Biden sob a liderança do comissário Robert Califf vai fazer sobre isso? Infelizmente, acho que todos nós sabemos a resposta para isso.
* DAVID GORTLER é farmacologista, farmacêutico, estudioso da FDA e de políticas de saúde no ETHICS AND PUBLIC POLICY CENTER em Washington, D.C.
©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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