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Um dos maiores traficantes de drogas do Afeganistão é considerado responsável pela aproximação da China com o regime do Talibã, que retornou ao poder no país asiático em 2021, após a saída de tropas americanas e da fuga do ex-presidente Ashraf Ghani para os Emirados Árabes Unidos.
Bashir Noorzai, também conhecido como o "Pablo Escobar afegão", por seu envolvimento com o comércio internacional de heroína, possui uma relação próxima com o líder supremo do grupo fundamentalista islâmico, Hibatullah Akhundzada, e tem atuado em negociações indiretas com o regime de Xi Jinping.
O criminoso, que já cumpriu pena de prisão perpétua nos Estados Unidos, mas foi liberado pela gestão de Joe Biden em uma troca de prisioneiros em 2022, tornou-se agora o principal "canal" para o crescimento dos laços entre Pequim e os talibãs, no controle de Cabul.
Tamanha a sua importância no país asiático que, quando retornou para casa, ele foi recebido pela população nas ruas de sua cidade natal, em Kandahar. Noorzai foi trocado pelo ex-mergulhador da Marinha dos EUA Mark Frerichs, mantido como refém por uma ramificação do Talibã, chamada rede Haqqani, por dois anos e meio.
Segundo uma investigação da revista Foreign Police, assim que Noorzai pisou novamente no país como um "herói", voltou aos negócios das drogas e começou a atuar em colaboração com o Talibã para conseguir contratos nas minas de ouro, bem como para exploração de petróleo e gás no norte do Afeganistão. Nesse período, fechou pelo menos dois contratos nas áreas de exportação de minerais e petróleo com empresas chinesas.
Os acordos intermediados pelo traficante incluem a mina de cobre Mes Aynak, situada na província de Logar, localizada a aproximadamente 30 quilômetros a sudeste de Cabul, onde foi fechada negociação envolvendo cerca de US$ 3 milhões (R$ 14,8 milhões), e um negócio de US$ 500 milhões (R$ 2,4 bilhões) para um projeto de gás natural.
Segundo as investigações, a Xinjiang Central Asia Petroleum and Gas Co da China, ou CAPEIC, assinou um importante contrato de extração de petróleo de 25 anos com as autoridades talibãs no Afeganistão no ano passado, com investimentos que chegam a US$ 150 milhões (R$ 743 milhões) somente no primeiro ano.
Uma das fontes consultadas pela revista americana, que preferiu manter o anonimato, detalhou que o traficante também mantém relações próximas com o ministro das Relações Exteriores em exercício do Talibã, Amir Khan Muttaqi, que controla os contratos petroquímicos do país e facilita a ação de Noorzai em sua empresa, a Afg-Chin Oil and Gas Ltd, criada em parceria com empresários de Pequim. A empresa de Noorzai tem um contrato de exploração para estudar o potencial de hidrocarbonetos perto do Amu Darya, a fronteira fluvial com os estados da Ásia Central do Uzbequistão e do Tajiquistão.
Um relatório elaborado pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos, em 2011, já revelava o interesse dos chineses em cavar 22 poços adicionais na bacia do Amu Darya, a fronteira fluvial com os estados da Ásia Central do Uzbequistão e do Tajiquistão, que se estima conter mais de 900 milhões de barris de petróleo bruto e gás natural.
As novas negociações entre o regime comunista chinês e o Talibã surgem em meio a suspeitas de que Pequim reconheceu o governo extremista de Cabul, tornando-se o primeiro país a credenciar oficialmente um embaixador afegão, em dezembro do ano passado: Bilal Karimi, que foi porta-voz adjunto do regime dos talibãs nos últimos dois anos.
As Nações Unidas já catalogaram extensas denúncias de violações dos direitos humanos cometidas pelo governo de Cabul, além do Conselho de Segurança da ONU ter acusado repetidamente o regime de manter laços com organizações terroristas, como a Al Qaeda.
A China, que já fazia comércio com o Afeganistão, intensificou os negócios a partir de seu interesse em explorar a riqueza mineral do país, encaixando-se à necessidade de legitimidade internacional do grupo fundamentalista no governo de Cabul.
Além disso, desde que retomou o controle político do Afeganistão, o talibã enfrenta uma série de desafios financeiros. Segundo um relatório do Inspetor Geral Especial dos EUA para o Afeganistão (SIGAR, na sigla do inglês), órgão do governo americano que supervisiona o país asiático, o grupo já desviou milhões de dólares em recursos de ajuda humanitária enviados ao país, que enfrenta uma devastadora crise.
Mas, desde que iniciou as operações rentáveis com Pequim, o regime já gerou um caixa substancial com valores aproximados de US$ 30 milhões (R$ 148,6 milhões).
Segundo a Foreign Police, a motivação chinesa vai além do acesso a minerais estratégicos, como o lítio e o cobre: o Afeganistão integra o programa de infraestruturas globais do megaprojeto de Xi Jinping na Nova Rota de Seda. O objetivo de Pequim é de construir estradas e caminhos-de-ferro planeados para transportar produtos chineses por meio da Ásia Central para os mercados europeus.
Em troca, o regime comunista chinês também fornece tecnologia e equipamentos de vigilância para o grupo afegão no poder que permite localizar seus inimigos de forma mais eficiente.
O regresso de Noorzai aos negócios do país promete dar uma guinada na política agressiva empreendida pelo Talibã, enquanto a China segue avançando com sua influência na política e nos negócios externos.