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Interferência

Como o peronismo manobra para tentar aparelhar o Judiciário da Argentina

Vice Cristina Kirchner, presidente do Senado, manobrou este mês para colocar aliado no Conselho da Magistratura, cuja composição havia modificado com contestada reforma em 2006 (Foto: EFE/Demian Alday Estévez)

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O peronismo tem uma verdadeira obsessão por controlar o Poder Judiciário na Argentina, e a mais recente tentativa nesse sentido foi manchete na imprensa local este mês.

Na indicação de quatro senadores para o Conselho da Magistratura, a vice-presidente do país e presidente do Senado, Cristina Kirchner, efetuou uma manobra política para desmembrar o bloco governista, para que este ficasse com três das quatro cadeiras da casa no colegiado. Dessa forma, o governista Martín Doñate ficaria com o assento da segunda minoria.

Mesmo com a Corte Suprema da Argentina entendendo que tal vaga deveria ficar com o oposicionista Luis Juez, o bloco peronista levou a indicação adiante e a discussão segue na Justiça.

Curiosamente, nesta segunda-feira (28), um juiz que havia exercido cargo no Executivo durante a presidência de Cristina Kirchner (2007-2015) barrou a nomeação de uma deputada da oposição para o conselho citando como argumento a posição da Corte Suprema sobre Doñate.

Cristina já havia atuado contra o equilíbrio do Conselho da Magistratura, que nomeia e pode destituir juízes, quando era senadora: ela promoveu em 2006 uma reforma que reduziu o número de membros do colegiado de 20 para 13, com o objetivo de desequilibrar a composição do grupo e aumentar a proporção dos indicados políticos. Essa mudança foi contestada na Justiça e no final de 2021 a Corte Suprema a declarou inconstitucional.

Outras tentativas de minar a independência do Judiciário ocorreram nos últimos anos. Há dois meses, o Senado da Argentina aprovou a ampliação do número de juízes do Supremo de cinco para 15, para que o peronismo aparelhe a corte com apadrinhados – repetindo uma fórmula chavista. A questão agora deve ser votada pela Câmara dos Deputados.

Além disso, em 2020 o Senado aprovou uma reforma judicial que criaria dezenas de novas varas federais, com o objetivo principal de diluir o poder dos juízes sediados na avenida Comodoro Py, em Buenos Aires, responsáveis por casos de corrupção. Apenas na capital, seriam 23 novas varas federais. Porém, o projeto não avançou na Câmara.

Em março deste ano, o presidente Alberto Fernández voltou a defender a necessidade dessa reforma. “Infelizmente, o projeto de reforma do Judiciário que enviei em 2020 e que foi aprovado pelo Senado já perdeu o status parlamentar. O que está acontecendo com o Judiciário na Argentina é grave”, criticou. “Aquela reforma que promovi encontrou resistência da oposição, que buscava beneficiar alguns funcionários do governo anterior que devem ser responsabilizados.”

Enquanto o peronismo alega perseguição judicial, analistas políticos destacam que o objetivo é livrar Cristina Kirchner dos processos de corrupção dos quais é alvo.

Em agosto, o Ministério Público federal da Argentina pediu uma sentença de 12 anos de prisão e inabilitação perpétua para cargos públicos para a vice-presidente, no âmbito de um julgamento por supostas irregularidades na concessão de obras públicas quando era presidente. O veredito será anunciado na próxima terça-feira (6).

No ano passado, outros três processos contra Kirchner foram arquivados, mas o Ministério Público recorreu e eles estão em análise nas instâncias superiores.

“Na verdade, essa agenda fundamentalmente é de Cristina Kirchner, nem diria que é uma agenda de Alberto Fernández. O presidente não está muito interessado, durante todo o seu governo ele defendeu a necessidade da reforma judicial, mas seus atos nunca foram muito incisivos nesse sentido. É Cristina Kirchner que tem uma obsessão pelo tema, para basicamente sair impune e também seus familiares, seus filhos”, afirmou o advogado e professor da Universidade de Buenos Aires Flavio Gonzalez.

“E além de tentar controlar esses tribunais, agora, por exemplo, tentaram criar uma câmara federal de apelações em uma comunidade de 6 mil habitantes na província de Santa Cruz, perto de El Calafate, com o objetivo de que essa câmara, que teria juízes kirchneristas, ajudasse a haver impunidade para Cristina Kirchner em alguns processos”, acrescentou o professor.

Obsessão histórica

Gonzalez destacou, porém, que a ideia fixa do peronismo de controlar o Judiciário não começou com o kirchnerismo. “Na época de Carlos Menem [peronista que foi presidente argentino entre 1989 e 99], o ministro do Interior, Carlos Corach, disse ao ministro [da Economia, Domingo] Cavallo que controlava uma determinada quantidade de juízes na Justiça Federal de Comodoro Py. Ele havia escrito num guardanapo os nomes de todos esses juízes, por isso, o episódio ficou conhecido como Juízes do Guardanapo”, lembrou.

Também no período Menem, a Corte Suprema foi ampliada de cinco para nove juízes. Depois, durante o governo de Néstor Kirchner (2003-2007), o tribunal voltou para o número original. “Mas, agora, com os processos que enfrentam Cristina Kirchner e sua família, estão buscando voltar a ampliar a Corte Suprema para controlá-la”, pontuou Gonzalez.

Ele destacou, entretanto, que a Argentina tem demonstrado maturidade institucional para frear essas tentativas. “O kirchnerismo sempre quis controlar a Justiça e nunca conseguiu, de certo modo porque os juízes não foram receptivos a essas tentativas, se mantiveram firmes contra elas, e eles também sabem que a sociedade, especificamente a classe média, que está mais preocupada com essas questões relacionadas à qualidade institucional e à independência do Poder Judiciário, eles sabem que ela os sustentam”, ressaltou o professor.

“Há todo um aparato de meios de comunicação que também pedem que se mantenha a independência do Judiciário, então, creio, que isso será impedido, como tudo tem sido impedido porque [os peronistas] não têm maioria [no Legislativo argentino] para poder avançar”, justificou.

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