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VENEZUELA

Como o socialismo levou o país de maior renda per capita da América Latina à ruína

Casal caminha ao lado de muro grafitado com as inscrições “Temos fome” e “Maduro ditador”, em Caracas, na Venezuela | RONALDO SCHEMIDT/
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Casal caminha ao lado de muro grafitado com as inscrições “Temos fome” e “Maduro ditador”, em Caracas, na Venezuela (Foto: RONALDO SCHEMIDT/ AFP)

A crise venezuelana parece longe de seu fim. Uma mescla de erros econômicos e eternização do poder político fez o país de Nicolás Maduro encerrar 2017 com uma inflação superior a 2.800%, enquanto o PIB despencou quase 14%. O salário mínimo precisou ser aumentado várias vezes em um ano, na tentativa de amenizar a subida dos preços, mas a pobreza da população atingiu níveis recordes e beira a catástrofe humanitária.

Segundo dados da Encovi (Enquete sobre Condições de Vida), pesquisa realizada por um consórcio de universidades venezuelanas em 2017, quase 64,7% da população perdeu uma média de 11,4 quilos no ano passado por conta da desnutrição.

A crise recente chama a atenção quando se considera a evolução da economia sul-americana nos últimos 20 anos. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1998 (um ano antes da chegada de Hugo Chávez ao poder) a Venezuela sustentava o segundo maior PIB per capita do subcontinente, atrás apenas da Argentina, cerca de US$ 15,6 mil. Gradativamente, o país passou a ser alcançado pelos vizinhos: a estimativa para 2018, 20 anos depois, é que o valor da Venezuela bata em apenas US$ 9,3 mil dólares ao final do ano – atual primeiro colocado na região, o Chile deverá registrar um PIB per capita 145% maior (US$ 22,8 mil).

A expectativa para 2018, ainda de acordo com dados do FMI, é que o Brasil ocupe a 4º posição na América Latina, com PIB per capita estimado em US$ 14,4 mil. O país está atrás de Chile, Uruguai e Argentina.

No ranking mundial, com estimativas para este ano, o Brasil ocupa a 84ª posição, enquanto o Chile fica no 62º lugar e a Venezuela em 109°. São 193 países considerados nessa lista.

O que aconteceu com o país de Maduro?

Riqueza enganosa

Desde meados do século XX, a história da Venezuela tem sido marcada por esperanças e erros na tentativa de aproveitar o petróleo para elevar o país a outros patamares de qualidade de vida. A boa colocação do país nos rankings dos anos 1990 não era uma novidade: já em 1950, graças à exploração dos combustíveis fósseis, os venezuelanos chegaram a ter o quarto maior PIB per capita do mundo na época, atrás apenas de Estados Unidos, Suíça e Nova Zelândia.

Essa medida, porém, é enganosa: muitos países exportadores de hidrocarbonetos costumam aparecer entre os mais ricos, mas a concentração de riquezas e a má distribuição de renda fazem com que os proveitos do petróleo não cheguem à maioria da população. Embora a crise recente seja considerada a pior da história, ela está longe de ser a primeira vivida pelos venezuelanos – as dificuldades já apareciam mesmo quando o PIB ainda era proporcionalmente elevado. Em 1995, mesma época em que tinha o PIB per capita mais alto da América Latina, a Venezuela também contava com dois terços da sua população vivendo em níveis de pobreza.

Atualmente, outras nações exportadoras de hidrocarbonetos aparecem bem ranqueadas em termos de PIB por habitante, mesmo sem que isso se reflita na qualidade de vida ou no avanço de ideais democráticos: em 2018, segundo o FMI, o Catar possui o maior PIB per capita do mundo (114,6 mil dólares. Os EUA, atualmente 12º colocados, tiveram seu valor estimado em 55,4 mil). Nações como Emirados Árabes, Arábia Saudita e Bahrein também aparecem entre os quinze maiores.

O paradoxo da abundância

O fenômeno pelo qual a riqueza proporcional de um país pode não se refletir em qualidade de vida ou instituições democráticas modernas é conhecido como “paradoxo da abundância”: uma teoria na economia segundo a qual uma grande quantidade de algum recurso natural (no caso, o petróleo) pode levar o país a uma excessiva dependência daquela riqueza, não conseguindo diversificar suas indústrias e redundando em governos autoritários e ineficientes.

Um dos primeiros a identificar essa questão foi justamente um venezuelano. Juan Pablo Pérez Alfonzo, ministro de Minas e Hidrocarbonetos da Venezuela na década de 1960, e considerado um dos pais da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), havia feito uma previsão sombria em 1976, pouco após o país estatizar a exploração do ouro negro: “daqui a dez ou vinte anos, o petróleo nos trará a ruína. É o excremento do diabo”, escreveu.

A ruína prevista por Pérez Alfonzo chegou mais rápido do que o imaginado: já nos anos 1980, a Venezuela viveu uma grande crise econômica que trouxe pobreza generalizada e ajudou a impulsionar, na década de 90, o discurso populista de Hugo Chávez. Em seus primeiros tempos, o governo chavista gozou de um período de fartura com o barril de petróleo atingindo valores recordes – apesar das críticas da oposição e da comunidade internacional quanto aos aspectos antidemocráticos de Chávez, a crise econômica só chegaria aos patamares atuais quando o petróleo se desvalorizasse abruptamente e os erros econômicos ficassem evidentes.

“Democracia é uma coisa boa, mas os países podem obter uma boa performance econômica mesmo sem democracia”, disse, em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Jeffrey Frankel, professor da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard. “Um bom exemplo disso é a Coreia do Sul, que alcançou seu milagre de crescimento primeiro, e só depois decidiu adotar um sistema democrático”. É por isso, interpreta, que a situação venezuelana precisou de mais do que um governo questionado como ditatorial para atingir o drama atual: foi preciso que a economia chegasse a um ponto de colapso. “Uma das propriedades mais importantes que as instituições precisam oferecer é uma política fiscal anticíclica: economizar quando os preços das commodities estão altos, o que permite manter mais investimentos quando eles baixam”, entende Frankel.

Hoje, a Venezuela não sofre apenas com os preços baixos do petróleo: a quebra do país, que vê 96% da sua receita de exportações vir do óleo, impede a própria indústria petrolífera de funcionar. A PDVSA, estatal venezuelana de hidrocarbonetos, em 2017, não tinha recursos sequer para transportar combustíveis em águas internacionais.

Os erros do chavismo

Com uma plataforma autoproclamada socialista, desde o início Hugo Chávez – e, mais tarde, Maduro – investiu maciçamente em programas estatais, ao mesmo tempo em que não criava condições para enfrentar uma crise futura. Esse é, segundo muitos analistas, o principal aspecto que costuma levar os países dependentes de recursos naturais a um estado de dificuldades: a riqueza natural não é uma maldição em si mesma, mas pode se tornar devido aos erros estratégicos do governo. O caso venezuelano não seria, assim, tão comparável ao do socialismo cubano, por exemplo, mas ao de outros países com recursos naturais abundantes que não foram capazes de fortalecer leis e instituições capazes de gerenciar essa riqueza.

Com um Estado inchado e sustentado quase que exclusivamente pelo petróleo, a Venezuela caminhava para a quebra no momento em que os preços caíssem no mercado internacional, como ocorreu a partir de 2008. “A questão não é tanto que países com a ‘maldição dos recursos’ tenham instituições anormalmente fracas, mas principalmente que eles não têm instituições particularmente fortes. A riqueza advinda dos recursos traz fardos para o governo que outros países não precisam enfrentar, como a necessidade de guardar uma ‘herança’ para a estabilização futura”, argumentou em entrevista à Gazeta do Povo o cientista político Michael Ross, professor da Universidade da Califórnia (UCLA), e autor do livro The Oil Curse: how petroleum wealth shapes the development of nations (“A Maldição do Óleo: como a riqueza do petróleo molda o desenvolvimento das nações”, sem edição no Brasil).

Para Ross, a receita é afastar a utilização dos recursos da vontade suprema do governo – algo difícil em um país onde, na prática, o governo permanece o mesmo há quase duas décadas. O pesquisador cita o caso da Noruega, rica em petróleo, e do Chile, cuja economia foi historicamente dependente da mineração de cobre: “os dois países fizeram um excelente trabalho em remover os recursos naturais da política, em parte porque amarraram as mãos do governo e limitaram sua possibilidade de usar esse lucro para ganhos políticos no curto prazo”, entende.

De acordo com Ross, “Chile e Noruega souberam criar instituições para proteger suas economias – e os recursos governamentais – dos ciclos de boom e quebra, de modo que a população não sofra quando os preços caiam”. Na Venezuela, o populismo levou a um caminho diferente – e a conta, para o governo e para a população, continua a ser cobrada.

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