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Demografia

Como pequenas cidades estão resolvendo os problemas causados pela migração

Aula de inglês na escola de Pyramid Hill, uma pequena cidade na Austrália. A migração de filipinos faz com que o local se tornasse um modelo de integração | ADAM FERGUSON/NYT
Aula de inglês na escola de Pyramid Hill, uma pequena cidade na Austrália. A migração de filipinos faz com que o local se tornasse um modelo de integração (Foto: ADAM FERGUSON/NYT)

Uma garota filipina magricela com longos cabelos negros se posicionou no wicket, atrás da Escola St. Patrick, esperando o arremesso de um pai corpulento com uma barba avermelhada. A bola de críquete veio devagar. O suingue da menina foi rápido como uma asa de abelha e mandou a bola para o céu enquanto um bando de garotos – a maioria filipinos, alguns brancos – aplaudia e se acotovelava para ver quem seria o próximo a bater. 

O jogo, disputado em uma tarde recente, foi uma típica reunião de Pyramid Hill, uma cidade com um só pub e cerca de 500 pessoas, na região central de Victoria (Sul da Austrália), que se tornou em um modelo de revitalização rural e integração multicultural. "Eu ainda estou surpresa porque eles são muito abertos a nós", disse Abigail Umali, de 39 anos, veterinária de Manila que trabalha em uma fazenda de porcos da região, e cuja filha, Maria, era a garota do jogo. 

"Esta escola não estaria aqui se não fosse por eles", afirmou Kelvin Matthews, de 36 anos, o arremessador, enquanto observava a interação das crianças. Hoje, os filipinos compõem quase um quarto da população crescente de Pyramid Hill. Novas casas estão sendo construídas pela primeira vez em uma geração – e tanto os recém-chegados quanto os moradores que sempre viveram aqui dizem que encontraram a resposta para quem se preocupa com o fato de os imigrantes usarem grande parte dos recursos das cidades australianas. 

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Essa resposta é a vida nas cidades pequenas. "As pessoas do campo se misturam e precisam se misturar", diz Tom Smith, criador de porcos que, sem querer, começou a revitalização da cidade em 2008 quando patrocinou vistos para quatro trabalhadores das Filipinas. "Aqui é diferente; é a única maneira de sobreviver". 

 O colapso do meio rural é uma história conhecida, vista por todo o centro-oeste norte-americano e em várias regiões da Europa, onde pequenas comunidades vêm sendo espremidas pela globalização. Não é diferente na Austrália: um país cada vez mais urbano, em que cidades de poucas centenas de pessoas estão sumindo como poças de água ao sol. 

Mas o sucesso de Pyramid Hill – e vários outros vilarejos da Austrália – sugere que há oportunidades perdidas e lições a serem aprendidas. Em uma época em que os políticos australianos, e de todo o mundo, estão pedindo restrições às imigrações, as cidadezinhas australianas estão querendo mais imigrantes. 

"Há toda uma rede de pessoas que sabe como fazer isso funcionar, que faz isso funcionar em suas comunidades e que pode compartilhar com os outros", conta Jack Archer, executivo chefe do Instituto Regional da Austrália, uma organização governamental de pesquisa. "Isso é algo que realmente precisamos pensar em ampliar". 

Marcos do desespero 

Pyramid Hill fica a uma viagem tranquila de 240 quilômetros de Melbourne, que termina com um trecho de terra praticamente vazio a não ser por campos dourados de trigo e carneiros de pelos cinzentos. Em 1836, a comunidade pegou emprestado o nome de um afloramento de granito ali perto. Do pico, é fácil ver marcos mais novos, que se erguem acima dos campos e dão ideia do antigo desespero local: silos de grãos abandonados; uma fábrica de alimentos para animais fechada desde 2008. 

Os moradores ainda falam da época antes da chegada dos filipinos como uma era de desespero silencioso. Ruas sem crianças. Casas em decadência. A população da cidade foi de 699 nos anos 1960 para 419 em 2011. "Estávamos em apuros", diz Cheryl McKinnon, prefeita do condado de Loddon, a municipalidade que inclui Pyramid Hill. "Precisávamos fazer a população crescer." 

Os economistas com frequência discutem imigração em termos de efeito multiplicador. Os recém-chegados não apenas preenchem os empregos, eles também os criam, trazendo demandas por novos produtos e serviços. Isso é especialmente verdadeiro na Austrália, onde o salário mínimo é 18,29 dólares australianos  por hora (R$ 50,84), e a maioria dos migrantes é composta de trabalhadores qualificados ou estudantes. 

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"O foco da Austrália em migrantes qualificados tem demonstrado efeitos positivos para o crescimento econômico. Porque nossos migrantes em média aumentam o PIB potencial e o PIB per capita", afirmou um relatório do governo sobre crescimento populacional recentemente publicado.

Porém, em várias cidades e subúrbios, o crescimento populacional trouxe frustração. Melbourne adicionou 125 mil pessoas durante o último ano fiscal, seu maior aumento registrado, e Sydney, 102 mil. Nas duas, a imigração foi o principal motivo do aumento, causando reclamações a respeito de moradia, escolas lotadas e trânsito. O governo do primeiro-ministro Malcolm Turnbull respondeu a essas preocupações restringindo a imigração, mantendo centros de detenção costeiros severos para quem procura asilo e limitando o número de vistos para trabalhadores qualificados. 

No entanto, lugares como Pyramid Hill oferecem uma alternativa. "Só tem que haver alguma oportunidade de emprego. E há mais do que as pessoas pensam", diz Archer, do Instituto Regional da Austrália. 

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As estatísticas do instituto sugerem que muitas comunidades rurais não sofrem com a falta de emprego, mas com a ausência de funcionários. A participação no mercado de trabalho na Austrália regional – as regiões fora das grandes cidades – é muito maior do que a média nacional. E já que as populações rurais tendem a ser mais velhas, isso significa que várias pessoas vão continuar a trabalhar mesmo depois que chegar a hora em que querem se aposentar. 

Smith, o criador de porcos, rejeitou esse padrão. Ele voou para Manila em 2008 para entrevistar os candidatos a emprego em sua fazenda Kia-Ora depois de colocar um anúncio oferecendo vagas em um jornal local. Duas de suas quatro contratações originais ainda trabalham na Kia-Ora. Smith, de 66 anos, se aposentou do manejo da fazenda. 

Eles aprenderam a se adaptar 

A Kia-Ora se ajustou e se expandiu lentamente, trazendo novos funcionários (e suas famílias) ao longo de vários anos. Muitos dos novos contratados eram velhos amigos dos primeiros ou haviam frequentado a mesma universidade nas Filipinas, estudando medicina veterinária ou criação de animais. 

Alguns já estavam na Austrália, como a veterinária Umali, que se mudou para Pyramid Hill há quatro anos, vinda de Sydney, com o marido e dois filhos. "Foi uma grande mudança", diz ela. 

O trabalho é duro e malcheiroso, do tipo que poucos australianos querem fazer. Mas também é mais sofisticado do que muitas pessoas pensam. Gráficos sobre nascimentos, ganho de peso e outras métricas revestem as paredes da sala de descanso, e a Kia-Ora vem se expandindo para produzir energia a partir do biogás. 

Apesar do trabalho duro, há pouca rotatividade entre os funcionários. "Você não imagina como as pessoas são calorosas aqui. Eles aprenderam a se adaptar", disse Umali com a voz entrecortada de emoção. 

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Pesquisas do Instituto Regional da Austrália mostram que as áreas que estão se recuperando mais rapidamente tendem a oferecer aos recém-chegados não apenas empregos bem remunerados, mas também um senso de comunidade. 

No Condado de Dalwallinu, cidade no cinturão do trigo da Austrália Ocidental  (Oeste do País) que está voltando à vida graças aos migrantes das Filipinas e de outros lugares, os moradores ajudaram os trabalhadores a trazer suas famílias do exterior. 

Na pequena cidade de Nhill, no noroeste de Victoria, os locais lidaram com a chegada de refugiados da etnia karen, de Mianmar, desde 2010 ajudando-os a encontrar casas e a aprender inglês e convidando-os para participar de atividades sociais. 

A evolução de Pyramid Hill também foi personalizada. Os vizinhos se encontram regularmente para compartilhar comida e aprender sobre a cultura uns dos outros. "Todo mês um australiano e um filipino discursam, e cozinhamos uns para os outros. Explicamos a importância da comida e conversamos", conta Helen Garchitorena, de 47 anos, líder do intercâmbio. 

A cidade acolheu os filipinos em parte porque as famílias trazem energia. Mas também ajudou o fato de que, como os locais, muitos são católicos e chegaram à Austrália falando um pouco de inglês. 

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Programas para instalar migrantes menos educados (ou negros, ou muçulmanos) em cidades pequenas algumas vezes se mostraram difíceis. Mesmo em Pyramid Hill, a estranheza e a falta de respeito acontecem. "Estamos tentando nos unir", disse a filha de Garchitorena, Fionne, de 15 anos. "Acho que em geral funciona". Ainda assim, há chateações. "Quando como arroz no almoço meus colegas dizem, 'Você é tão asiática' – e eu, bem, claro, estou bastante ciente disso". 

Duke Caburnay, de 16 anos, cujo pai trabalha na Kia-Ora, conta que enfrenta racismo quando seu time joga futebol australiano em outras cidades pequenas. Às vezes, os jogadores brancos o insultam racialmente. 

Alguns dos moradores filipinos adultos de Pyramid Hill também afirmam que espera-se que eles superem os colegas brancos apenas para serem considerados iguais. "Eles generalizam muito – os asiáticos são assim, os australianos são assim", explica Fritzie Caburnay, de 46 anos, mãe de Duke, que tem mestrado em Administração Pública. "Algumas pessoas dizem que os filipinos são invasores"; 

Mesmo com isso, ela afirma: "Nós nos sentimos em casa aqui".

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