Nesta terça-feira (25), a Colômbia vai sediar uma conferência internacional sobre a crise na Venezuela. No evento, organizado pelo presidente Gustavo Petro, serão discutidas as sanções contra o país governado pelo ditador Nicolás Maduro e as tentativas de diálogo entre o chavismo e a oposição, para que sejam realizadas eleições no país em 2024.
Independentemente do resultado dessa conferência, ela deixa clara uma contradição: desafeto de Maduro antes de assumir a presidência colombiana, em agosto do ano passado, Petro, primeiro presidente de esquerda da história do seu país, vem adotando um tom extremamente conciliador com a ditadura chavista e defendendo os interesses da Venezuela, de forma a retirá-la do seu isolamento internacional.
Esse comportamento já lhe rendeu o nada lisonjeiro apelido de “novo ministro das Relações Exteriores de Maduro”.
Nem sempre foi assim. Gustavo Petro era amigo de Hugo Chávez, e em 2013, quando era prefeito de Bogotá, esteve em Caracas para o velório do ditador. Porém, não foi estabelecida a mesma amizade com o sucessor de Chávez.
Em 2018, o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, acusou Petro de ter ido à Venezuela para pedir “apoio” para campanhas eleitorais, embora sem especificar quando.
“[...] o senhor Petro veio aqui uma vez pedir apoio para sua campanha, para cá, para a Venezuela, e agora os chavistas estão com nojo dele. Por isso ele perdeu [a eleição presidencial de 2018] e nunca vai ganhar, porque o povo despreza os covardes, os guabinosos [expressão venezuelana para quem não tem coragem de sustentar uma posição], aqueles que não assumem responsabilidades”, disse Cabello.
Petro alegou que nunca pediu qualquer ajuda ao governo venezuelano e que o regime de Maduro é “completamente diferente” da gestão Chávez.
“Não respondemos à linha política que eles exercem, que na minha opinião é errada, profundamente errada em relação à sua sociedade”, afirmou o colombiano. “Eles não gostam de discussão, não gostam que as pessoas tenham opiniões diferentes. Isso não nos parece uma conduta progressista e democrática.”
No ano passado, antes da eleição presidencial colombiana, o próprio Maduro criticou em um programa de televisão os novos líderes de esquerda latino-americanos.
“É uma esquerda covarde contra o imperialismo, contra as oligarquias. Querem passar verniz para que as oligarquias os perdoem e o pior de tudo é que não vão perdoá-los, nenhum deles”, criticou.
No Twitter, Petro rebateu. “Sugiro que Maduro pare com seus insultos. Covardes são aqueles que não abraçam a democracia. Tire a Venezuela [da dependência] do petróleo, leve-a à democracia mais profunda, se tiver que se afastar, faça-o”, escreveu.
Pouco meses depois, com a chegada de Petro à presidência, o tom mudou. Uma das suas primeiras medidas na área de relações exteriores foi a retomada dos laços diplomáticos com Caracas. Em setembro, ele esteve no departamento de Norte de Santander para a reabertura formal da fronteira com a Venezuela, fechada para o tráfego de veículos sete anos antes.
No mesmo mês, o governo Petro devolveu à ditadura chavista a gestão da Monómeros, empresa de fertilizantes com sede em Barranquilla que é de propriedade de uma estatal venezuelana, mas desde 2019 era administrada por diretores nomeados pelo opositor Juan Guaidó.
A Colômbia se tornou um intermediário nas tentativas de diálogo entre o chavismo e a oposição venezuelana, e a ditadura de Nicolás Maduro é um dos países garantidores (os outros são Cuba e Noruega) para as negociações de paz entre o governo colombiano e o grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN), retomadas oficialmente em novembro.
Após encontro com Petro em Caracas naquele mês, Maduro anunciou a volta da Venezuela à Comunidade Andina de Nações (CAN), da qual havia se retirado em 2006, e o colombiano também quer que o país vizinho retorne ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Os dois governos estabeleceram ainda uma parceria para “revitalizar” as regiões da Amazônia localizadas no território dos dois países.
O presidente colombiano chegou a pregar a necessidade de “uma anistia geral” na Venezuela para que haja eleições em 2024, o que gerou preocupações de organizações de direitos humanos de que os responsáveis por crimes contra a humanidade do regime chavista fiquem impunes.
Por fim, na semana passada, Petro propôs em Washington ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, uma estratégia que consistiria em revogar progressivamente as sanções contra a Venezuela à medida em que o país avançasse no sentido de realização de eleições transparentes em 2024.
Reação
Essa mudança de atitude de Petro em relação à ditadura chavista gera constrangimento e preocupação. Em outubro, a ONG Human Rights Watch alertou que “o relacionamento da Colômbia com a Venezuela não deve ser visto como razão para silenciar sobre as violações dos direitos humanos e a crise humanitária do país”.
Na semana passada, em artigo para o site argentino Infobae, o jornalista e ex-vice-presidente colombiano Francisco Santos chamou Petro de “ministro das Relações Exteriores de Maduro”.
“O grande presidente da mudança, Gustavo Petro, que supostamente lutou por décadas pelos oprimidos e pelos direitos humanos, agora é o ministro das Relações Exteriores do brutal ditador Nicolás Maduro, que oprime e reprime 30 milhões de irmãos venezuelanos e que é o violador de direitos humanos mais brutal do continente, investigado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes contra a humanidade”, disparou.
“Mas era óbvio que seria assim. Aqueles que tinham um pingo de esperança de que Gustavo Petro iria interceder pelas centenas de presos políticos, antes tão queridos a seu coração, que apodrecem nas prisões venezuelanas há anos, desconhecem a estreita relação histórica de Petro e sua comitiva próxima com Chávez e com Maduro”, afirmou Santos.
Nesta segunda-feira, Juan Guaidó chegou à Colômbia para participar da conferência de Petro sobre a Venezuela. O líder opositor havia criticado o presidente colombiano e o embaixador de Bogotá em Caracas, Armando Benedetti, por suposta complacência com o chavismo.
“O presidente Petro decide visitar o ditador Maduro e chamá-lo de ‘presidente’, uma ação que poderia normalizar perigosamente violações de direitos humanos que apontam Maduro como responsável pela cadeia de comando e pela pior crise migratória do mundo”, escreveu Guaidó no Twitter em novembro, antes da destituição do seu governo paralelo pela oposição venezuelana.
Antes da conferência desta terça-feira, Petro se reuniu com representantes de partidos da oposição venezuelana. Porém, o Ministério das Relações Exteriores colombiano se apressou a informar que Guaidó não foi convidado para a conferência.