Mais votado nas eleições primárias da Argentina no domingo (13), o candidato à presidência libertário, Javier Milei, tem como principais bandeiras na área econômica a dolarização da economia do país vizinho e o fim do Banco Central.
Em entrevista ao jornal El País durante a pré-campanha, Milei justificou que, para frear a inflação, é necessário “tirar a máquina de impressão de dinheiro dos políticos” e que a Argentina era “o país mais rico do mundo quando não tinha um Banco Central”.
“De 1880 a 1935, a inflação média foi de 0,9% ao ano. Em 1935, o Banco Central foi criado como forma de enganar as pessoas e salvar os amigos do poder: a inflação salta para 6% ao ano em média. Mais tarde, no ano de 1946, a Argentina o nacionalizou e até o ano de 1991 a inflação média foi de 250% ao ano. Tiramos 13 zeros da moeda, tivemos duas hiperinflações sem guerra. Um desastre total”, alegou o candidato libertário.
“Em 1991 foi adotada a conversibilidade, que era um sistema de câmbio fixo, mas fixado em lei, que tinha mais credibilidade. A partir de 1993, a Argentina foi o país com menos inflação do mundo. Foi o programa de maior sucesso da história argentina”, acrescentou Milei, que argumentou que no Equador, que acabou com a moeda local, o sucre, e adotou o dólar na virada do milênio, “a renda foi multiplicada por dez e a inflação foi pulverizada”.
No seu livro “O Fim da Inflação: Eliminar o Banco Central, Acabar com o Golpe do Imposto Inflacionário e Voltar a Ser um País Sério”, Milei, que é economista, afirmou que o processo de dolarização “purista” na Argentina seria realizado em dois anos e meio.
Uma primeira etapa seria a transformação do sistema bancário no chamado “banco Simons”, modelo baseado nas ideias do economista Henry Calvert Simons, que propôs um sistema bancário com 100% de reservas — ou seja, os bancos não poderiam conceder empréstimos com base nos depósitos dos correntistas.
A segunda etapa seria uma “competição cambial” e, após os argentinos escolherem entre pesos e dólares, o Banco Central seria eliminado.
Em entrevista ao jornal Clarín, o economista Emilio Ocampo, uma das referências de Milei, defendeu que o peso e o dólar “coexistam por um tempo”, mas que não competiriam “porque o peso nunca pode competir com o dólar”, e explicou como pode se dar o processo de dolarização.
“A base monetária é congelada no primeiro dia. Uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado é fixada e por um tempo, que é impossível determinar hoje, as duas moedas coexistem. Foi o que aconteceu em El Salvador, por exemplo. No Equador, ao contrário, foi fixada uma data até a qual o sucre poderia circular e então o dólar começou. Todo o processo é feito através do sistema bancário. O Banco Central trabalha com a Reserva Federal”, afirmou Ocampo.
Ele alertou, entretanto, que na prática não seria um processo fácil. “A economia argentina já está dolarizada, os argentinos têm cinco vezes mais notas de dólar do que pesos. A implementação prática não é fácil, as dívidas são dolarizadas, por exemplo, você tem que ver a dívida do Banco Central, por exemplo”, justificou.
Cotado para chefia de Governo diz que processo será “voluntário”
Nesta segunda-feira (14), em declarações ao site Todo Noticias, o nome indicado por Milei para a chefia de Governo caso seja eleito em outubro, Ramiro Marra, disse que o processo de dolarização será “voluntário” e que as mudanças não vão ocorrer já a partir do “primeiro dia” da nova administração.
“Que cada um entregue seus pesos quando tiver vontade”, afirmou. “Se há alguém que adora o peso porque tem um problema mental ou porque é meio maluco, pode continuar a usá-lo até quando quiser. Em um determinado momento, [o comércio] não os receberá mais.”
Em entrevista à Gazeta do Povo, Rodolfo Coelho Prates, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), comentou que a proposta de dolarização de Milei se assemelha, na prática, à conversibilidade do governo Menem, nos anos 1990.
“Na época do ministro Domingo Cavallo, foi adotada essa plena conversão do peso: para manter equilibrado o valor da moeda, se saía um dólar da economia, também tiravam um peso. Isso chegou ao ponto de as províncias imprimirem a própria moeda porque não havia moeda suficiente para conseguirem fazer a economia fluir normalmente, o lado real da economia, não estamos falando apenas do lado financeiro”, argumentou Prates.
“Então, essa proposta do Milei pode agravar a situação, porque a economia está com problemas, em crise. Se você dolarizar a economia, perde-se qualquer instrumento de política monetária”, alegou o professor.
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