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Um homem de 70 anos, morador do Brooklyn, se tornou uma das figuras-chave de influência política do regime chinês em Nova York. O mais inusitado é que ele é um ex-gângster, condenado por tráfico de pessoas e de drogas.
John Chan foi o único representante da diáspora chinesa nos EUA convidado a participar da reunião anual do Partido Comunista chinês, em março. O encontro contou com cerca de 2 mil delegados, incluindo oficiais de alto escalão do regime, generais e executivos empresariais, além do ditador Xi Jinping.
Essa notória relevância política chamou a atenção de analistas e das agências de segurança americanas, visto que a participação de Chan mostrou proximidade com os mais altos níveis de poder em Pequim. Mas essa presença não foi observada apenas em seu país de origem.
De acordo com o jornal The New York Times, o ex-gângster exerceu durante muitos anos influência sobre as comunidades étnicas chinesas de Nova York, o que possibilitou acesso aos bastidores políticos da cidade americana, sem quase ser percebido.
Autoridades dos EUA abriram investigações recentes sobre a presença de agentes estrangeiros ilegais no país, ocasião na qual o nome de Chan foi citado, apesar de nenhuma acusação nova ter sido aberta contra ele.
No entanto, antigas conexões com o regime chinês e riscos identificados por Washington do homem ter alguma influência sobre as eleições locais ligaram um alerta de Washington, incluindo no FBI.
De acordo com a revista conservadora National Review, John Chan apareceu em público com diplomatas chineses nos EUA inúmeras vezes e participou de diversas manifestações apoiando os objetivos de Pequim no exterior.
Chan já havia participado de outros eventos do Partido Comunista da China, alguns que inclusive contaram com apoio financeiro de Pequim, por meio do Consulado chinês. Apesar das viagens não serem ilegais, elas chamam a atenção e deixam as autoridades em alerta devido à exclusividade de participação de Chan nos encontros.
Seu ativismo pró-China também lhe rendeu boas relações com figuras dos diferentes espectros políticos em Nova York, incluindo o prefeito democrata Eric Adams, a deputada democrata Grace Meng e autoridades republicanas locais. Em fevereiro, Adams e Chan participaram juntos de um festival na cidade.
Segundo o Times, há apenas algumas semanas, John Chan ajudou a destituir uma titular democrata nascida em Taiwan, Iwen Chu, de uma corrida para o Senado Estadual no Brooklyn. Foi a única cadeira no Senado que os democratas perderam neste ciclo, segundo o jornal.
Ainda de acordo com o Times, em 2022, o apoio do ex-gângster a um candidato pouco conhecido ao Congresso na cidade de Nova York provavelmente influenciou o resultado das primárias democratas na disputa, levando à derrota de uma deputada estadual também nascida em Taiwan - a China não defende a independência de Taipei e fez inúmeras ameaças de tomar a ilha com o uso da força.
O homem de 70 anos fundou uma associação empresarial sem fins lucrativos sediada no Brooklyn, visando "defender os direitos dos asiáticos americanos" em Nova York. Por meio dela, promoveu eventos que contaram com a presença de autoridades chinesas na cidade, o que o ajudou a melhorar sua influência política.
Mas, apesar dos laços estreitos com Pequim serem motivo de uma vigilância maior, um histórico pessoal pouco comentado é outro fator a ser levado em conta ao acompanhar John Chan: ele é um criminoso condenado por tráfico de pessoas e de drogas.
Segundo o Times, quando pisou em Nova York pela primeira vez, há mais de 30 anos, John Chan já era membro de uma gangue criminosa chinesa, da qual passou a fazer parte em Hong Kong, na década de 1970, quando fugiu da China, que vivia um momento frágil na economia e na política.
Ao chegar em Nova York, entrou em um lucrativo negócio de contrabando de cidadãos chineses para os EUA, segundo revelaram documentos judiciais. Conhecidos como “snakeheads” (cabeças de cobra, em tradução livre), esses traficantes cobravam na época cerca de US$ 40 mil por pessoa pela viagem de entrada ilegal para os EUA. Chan também esteve envolvido no tráfico de heroína para o país.
Enquanto atuava às sombras no negócio criminoso, mantinha um restaurante e outras empresas na cidade de Nova York. Em 2000, segundo o Times, uma das empresas de Chan contratou Winnie Greco, a ex-assessora de Assuntos Asiáticos do prefeito Eric Adams, que agora está sendo investigado por corrupção pelo governo federal.
A ascensão do ex-gângster logo foi interrompida com a abertura de uma investigação criminal contra ele e outros três homens por tráfico de pessoas dentro de contêineres em portos do estado de Washington.
O então acusado, no entanto, conseguiu escapar da prisão perpétua após fechar um acordo de delação que resultou na prisão do "chefe do crime" em Chinatown chamado Frank Ma.
Em janeiro de 2008, depois de auxiliar investigadores, Chan compareceu novamente perante o mesmo juiz, ocasião na qual se declarou culpado de uma acusação de extorsão que incluía contrabando de pessoas e tráfico de mais de três quilos de heroína, e outra acusação de operar casas de jogo ilegais.
Ele, então, foi sentenciado a cumprir pena e liberado. O "chefão" do crime, no entanto, foi preso e, em 2010, condenado e sentenciado à prisão perpétua.