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Crise no Sri Lanka

Como um experimento ambiental agravou a crise alimentar no Sri Lanka

Pessoas esperam para comprar querosene em um posto de gasolina em meio à escassez de combustível em Colombo, Sri Lanka, em maio de 2022. (Foto: EFE/EPA/CHAMILA KARUNARATHNE)

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O Sri Lanka, país situado ao sul da Índia, vive a pior crise econômica da história do país e, em maio, registrou inflação recorde pelo oitavo mês consecutivo, segundo dados oficiais publicados nesta quarta-feira (01). O índice de preços de consumo da capital do país (CCPI, na sigla em inglês) aumentou 39,1% no mês passado, contra 29,8% em abril. E a inflação dos alimentos atingiu 57,4%.

Especialistas apontam o principal erro na gestão da ilha de 22 milhões de habitantes: em abril do ano passado, o governo de Gotabaya Rajapaksa proibiu a importação e o uso de fertilizantes e pesticidas sintéticos e ordenou que a produção nacional seja feita exclusivamente de produtos orgânicos no prazo máximo de 10 anos. O experimento foi cancelado em algumas culturas, mas as consequências dele se manifestam na pior crise desde a independência da Grã-Bretanha, em 1948.

Crise econômica, alimentar e política 

Desde o começo do ano, há cortes de eletricidade no país, que duram até 13 horas por dia, além de filas de espera nos postos de gasolina, que não têm mais combustíveis disponíveis. De acordo com uma publicação da BBC, pelo menos oito pessoas que passaram dias nessas filas morreram enquanto esperavam combustível. A última morte confirmada foi um ataque cardíaco.

De acordo com o ministro da Segurança Pública do país, Tiran Allles, não é possível confirmar que a única causa das mortes tenha sido a longa espera em filas, já que algumas pessoas poderiam ter doenças pré-existentes.

O motivo da escassez dos combustíveis é a alta inflação e o derretimento das reservas internacionais do país, situação que leva também à falta de outros produtos essenciais como medicamentos e comida.

Além disso, na terça-feira (31), o governo aumentou as taxas e impostos em todas as áreas. A iniciativa reforçou as manifestações pedindo a demissão do presidente do Sri Lanka. Em maio, protestos com incêndio e troca de tiros fizeram dezenas de vítimas na cidade histórica de Colombo.

Na ocasião, o presidente decretou estado de emergência no país, permitindo que militares usassem a força para conter as manifestações. Em entrevista coletiva, a embaixadora americana para o país, Julie Chung, anunciou preocupação em relação ao decreto, afirmando que o Sri Lanka precisa de ações a longo prazo para controlar a crise. A União Europeia também se pronunciou, opinando que o posicionamento do presidente poderia ser “contraprodutivo”. Sob pressão popular, no dia 9 de maio, o primeiro-ministro cingalês, Mahinda Rajapaksa, também irmão do atual presidente, renunciou ao cargo

Experimento utópico em um país pobre 

A ideia de tornar o Sri Lanka o primeiro país do mundo a ter uma agricultura totalmente orgânica fez parte da campanha eleitoral do agora presidente Rajapaksa, em 2019. Quando assumiu a presidência, ele nomeou vários membros desse projeto para seu gabinete, até mesmo no Ministério da Agricultura, excluindo a maioria dos agrônomos e cientistas agrícolas do país.

Em 2021, Rajapaksa colocou o projeto em prática: de um dia para o outro, o governo proibiu a importação de fertilizantes. De acordo com a analista de mercado da AgRural, Daniele Siqueira, o experimento reduziu a produção agrícola, obrigando o país a importar alimentos que antes não importava e a reduzir as exportações de produtos agrícolas que até então garantiam a entrada de divisas. “O experimento reduziu a atividade econômica e criou despesas extras, reforçando problemas econômicos e, de quebra, aumentando a insegurança alimentar”, explica.

Para Siqueira, a imposição do novo modelo a um país inteiro de forma repentina é ilógica e irresponsável, porque reduz a produtividade drasticamente e eleva os preços. A transição para práticas ambientais é mais lenta e complexa, de acordo com a especialista.

Ela ainda ressalta que, diante da elevação geral dos preços dos alimentos que vivemos no momento, mesmo os países europeus têm flexibilizado as exigências em relação ao uso de agrotóxicos. Como exemplo, Siqueira cita a Espanha, que está importando milho da Argentina, país ao qual costumava impor restrições devido a traços de herbicida. A flexibilização ocorre porque, no momento, está difícil importar milho da Ucrânia. “Quando o preço sobe, quando a fome aperta, todo o mundo tende a deixar de lado essas preocupações”, destaca.

“A agricultura orgânica é ótima, mas exige conhecimento, recursos, tecnologia e mão-de-obra especializada, e ainda não está pronta para atender a populações inteiras, especialmente em países mais pobres como o Sri Lanka”, reforça Siqueira.

Dívida mantém Sri Lanka preso à China 

O experimento agravou a crise no país, que, com a pandemia de coronavírus, teve o setor turístico devastado. Em 2019, o turismo representava quase metade das divisas do Sri Lanka. Com o aumento da inflação e a rápida desvalorização da moeda, meio milhão de pessoas voltaram à pobreza no país.

Por isso, em 2022, a dívida pública deve passar dos 107% do PIB, cerca de 87 bilhões de dólares, conforme aponta a seguradora de crédito Coface. Isso torna o país ainda mais dependente da China, que detém cerca de 10% da dívida externa do Sri Lanka. O país também espera empréstimos da Índia e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para dar conta do prejuízo bilionário.

Apesar das dívidas aumentarem, especialistas do país acreditam que a prioridade do Sri Lanka deve ser a crise econômica e alimentar. “O país deveria negociar uma pausa sobre esses pagamentos para focar nas necessidades econômicas críticas do país”, disse Nishan de Mel, economista do escritório cingalês Verité Research ao jornal francês Le Figaro.

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