Aquela foi uma das primeiras ações do presidente Donald Trump: retirar os EUA da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), um acordo comercial entre 12 países, que foi a peça central da estratégia de Barack Obama para o “reequilíbrio” da Ásia.
Trump havia dito que o acordo prejudicou a indústria norte-americana e, em 23 de janeiro de 2017, no Salão Oval, assinou a ordem para retirar os EUA do TPP. “Acabamos de fazer uma grande coisa para o trabalhador americano”, disse o líder. Com isso, o presidente dos EUA iniciou uma tempestade política e econômica que ainda repercute no Vietnã.
Livre das condições impostas pelo governo Obama para se juntar ao pacto comercial, o governo comunista do Vietnã descartou planos para permitir sindicatos independentes e eclodiu a mais severa repressão a grupos opositores em décadas. Autoridades prenderam dezenas de ativistas sociais, blogueiros e defensores da democracia, condenando muitos deles a penas de 10 a 20 anos de prisão.
NOSSAS CONVICÇÕES: O valor da democracia
O Vietnã é um exemplo das consequências - pouco percebidas - de algumas das primeiras decisões de Donald Trump. O TPP desapareceu rapidamente das manchetes americanas quando o líder norte-americano iniciou batalhas de alto risco com a China, Europa, México e Canadá. Mas, segundo diplomatas e ativistas, a brusca mudança teve efeitos de longo alcance.
"Logo que os EUA se retiraram do acordo, foi possível ver uma mudança radical na maneira como o governo vietnamita tratava trabalhadores, ativistas sindicais e outros grupos. Muitas pessoas foram perseguidas, presas e ameaçadas”, disse a ativista e trabalhadora Do Thi Minh Hanh, de 33 anos, em um café na cidade de Ho Chi Minh.
A decisão política de Trump não foi o único fator que influenciou a repressão vietnamita - os linha-dura se tornaram dominantes no Partido Comunista e começaram a se preocupar com o aumento do ativismo social e dos protestos. Ele também não é o único responsável pelo destino do TPP.
Antes de deixar a presidência, Obama falhou em tentar persuadir o Congresso e o público sobre os méritos do acordo e, com isso, sua iniciativa de política externa asiática foi fortemente difamada. Na verdade, tal era o sarcasmo que a candidata Hillary Clinton sinalizou sua intenção de sair de um acordo que havia classificado como o "padrão ouro" dos acordos comerciais.
Questionado sobre a decisão de Trump em relação ao TPP e a repressão no Vietnã, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, Garrett Marquis, disse que tratados de comércio não são necessariamente eficazes para alcançar a reforma democrática. Ele apontou a adesão da China à Organização Mundial do Comércio em 2001, e disse que "provou, sem sombra de dúvida, que o aumento do comércio internacional nem sempre melhora a democracia em estados autoritários. Pode, ao invés disso, atrasar a democracia e tornar partidos dominantes ainda mais fortes".
Os prós e contras do pacto comercial são discutíveis, mas algumas coisas são certas. A decisão dos Estados Unidos de participar e depois sair do TPP foi como um tiro no próprio pé, um golpe à sua própria credibilidade na Ásia - algo que a China não tinha vergonha de explorar.
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Ativistas dizem que a decisão também exigiu um custo humano no Vietnã. À medida que o acordo estava sendo negociado, um grupo de ativistas vietnamitas usava as mídias sociais para divulgar ideias sobre os direitos dos trabalhadores, sobre transparência, responsabilidade e, até mesmo, democracia.
O governo dos EUA havia arquitetado o acordo comercial para também garantir promessas da liderança do Vietnã, como a permissão de sindicatos independentes, reforço aos controles ambientais e a permissão de Internet livre e aberta. Quando o país deixou o TPP, porém, essa dinâmica retrocedeu.
Minh Hanh tem visto trabalhadores ativistas sendo presos e condenados a longas penas de prisão. Ela enfrentou constante assédio e também foi atacada por homens mascarados que atiraram pedras e explosivos contra ela enquanto estava na casa de seu pai.
Outro ativista, o ambientalista Le Dinh Luong, foi acusado de subversão e condenado a 20 anos de prisão. Ele não foi autorizado a entrar em contato com sua esposa, que se preocupa com a saúde frágil do marido e que ele possa morrer na prisão.
"O TPP poderia ter acabado com o movimento sindicalista e ambiental no Vietnã. Sair do acordo foi um grande revés", disse Brad Adams, diretor executivo da Human Rights Watch na Ásia.
'Força motriz para reformas 2.0'
Obama havia anunciado o TPP como uma chance para os EUA escreverem as regras de comércio na região de crescimento mais rápido do mundo. Além disso, para elevar os padrões trabalhistas e ambientais para que as empresas do país não fossem prejudicadas. O acordo também foi uma tentativa mal disfarçada de conter a ascensão da China para formar uma ordem regional baseada em regras que excluíam Pequim.
Os ativistas do Partido Comunista do Vietnã viram o TPP como o incentivo que o governo precisava para promover a mudança, com sua oferta de maior acesso a um dos maiores mercados de exportação do país: os Estados Unidos. "O TPP é a força motriz para reformas 2.0. O ambiente de negócios, anticorrupção, reformas trabalhistas", disse Tran Viet Thai, diretor-geral adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos Estrangeiros da Academia Diplomática do Vietnã, um think tank do Ministério das Relações Exteriores.
O Vietnã prometeu não apenas permitir sindicatos independentes, mas também proibir o trabalho infantil e aumentar a chance de empresas privadas de competir com o setor estatal, controlado pelos comunistas. Aos cidadãos também foi prometida uma "Internet livre e aberta".
Em fevereiro de 2016, os Estados Unidos e outros 11 países assinaram o tratado. Ainda havia a necessidade de ser ratificado internamente nessas nações. Mas, pela primeira vez desde a Guerra do Vietnã, os Estados Unidos tiveram uma influência real para forçar o Partido Comunista a dar maior liberdade política ao povo.
Foi aí que o governo Trump decidiu se retirar. "Ele puxou o tapete dos reformadores", disse Ted Osius, então embaixador dos EUA no Vietnã.
Prisões de ativistas
Durante as negociações do TPP, Osius enfatizava constantemente a necessidade de ratificar o pacto comercial. Ele levaria cartas de membros do Congresso ao governo vietnamita, ressaltando a atenção dada aos direitos humanos. "Foi uma mensagem muito, muito poderosa. Isso não significa que eles abriram todas as portas da prisão, mas passaram a considerar a perspectiva americana. Eu não acho que seja o caso desde que nós saímos do TPP”, disse Osius, diplomata de carreira nomeado embaixador por Obama.
Mas, no Vietnã, outras forças estavam em ação.
Os protestos eclodiram na primavera de 2016, depois que um vazamento tóxico causou o pior desastre ambiental do país, matando grande parte da vida marinha da região. O vazamento veio de uma usina operada por uma empresa de Taiwan, mas a culpa foi dirigida ao governo vietnamita por sua resposta lenta, pela falta de transparência e corrupção. Foi a maior manifestação de raiva em quatro décadas de governo do Partido Comunista.
No Politburo do Vietnã – comitê executivo de numerosos partidos políticos - os conservadores linha-dura ganharam vantagem durante uma transição de liderança, em janeiro de 2016, enquanto Obama ainda estava na Casa Branca. Eles não iriam tolerar revoltas.
O primeiro indício de uma repressão veio antes mesmo de Trump vencer a corrida presidencial: a prisão da blogueira conhecida como Mother Mushroom, em outubro de 2016. Mas apenas no verão de 2017 as prisões de ativistas começaram a acontecer em massa e de forma rápida.
Mother Mushroom, cujo nome verdadeiro é Nguyen Ngoc Nhu Quynh, havia sido presa no passado, mas desta última vez foi diferente. Em junho de 2017, ela recebeu uma sentença de dez anos de prisão por "realizar propaganda contra o Estado socialista". Segundo a Anistia Internacional, Mother foi uma das 29 ativistas vietnamitas presas em 2017 por escrever textos que defendiam os direitos humanos, o meio ambiente e a democracia.
Um mês depois, na noite de 24 de julho de 2017, o ativista ambiental Luong estava a caminho de casa quando doze seguranças o pararam, espancaram ele e o levaram embora, disse sua esposa. Luong é um executivo de negócios que se tornou organizador de comunidades e blogueiro. "Ele quer ajudar os outros, os fracos e os pobres, a combater a injustiça", disse sua mulher, Nguyen Thi Quy, de 53 anos. O filho e a nora do casal foram espancados quando perguntaram à polícia sobre o paradeiro dele.
Luong, 52, que sofre de gota (uma forma de artrite caracterizada por dor intensa, vermelhidão e sensibilidade nas articulações), foi condenado a 20 anos de prisão por "realizar atividades com o objetivo de derrubar líderes".
Nguyen Van Dai, advogado, fundou a Irmandade pela Democracia em 2013 junto com vários ativistas, e viajou pelo país para ensinar às pessoas como defender seus direitos.
Em 5 de abril, após um julgamento com cinco outros líderes do grupo, Dai foi condenado a 15 anos de prisão. Ele e um de seus colegas foram enviados para o exílio na Alemanha - em parte, por questões de saúde e, em parte, graças à pressão internacional.
Se o governo dos EUA tivesse permanecido no TPP, "o Vietnã teria que assumir muitos compromissos para melhorar os direitos humanos, melhorar a situação dos trabalhadores. Teria sido uma chance de mudar o país", disse Dai em uma entrevista em sua modesta casa de dois cômodos.
O Vietnã ainda pretende se unir a uma versão do TPP, que avançará sem os Estados Unidos. Mas esse acordo exclui muitos dos difíceis passos com que o Vietnã se comprometeu, inclusive sobre direitos dos trabalhadores.
Dois estilos presidenciais
Com o aumento da repressão, a porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, disse várias vezes que a administração está "profundamente perturbada" pela condenação e prisão de ativistas vietnamitas. Ela conclamou o governo a permitir que indivíduos possam "expressar suas opiniões livremente e que possam se reunir pacificamente, sem medo de repressão".
O governo Trump também pressiona o Vietnã para que respeite a liberdade religiosa, disse um importante assessor da Casa Branca, falando sob condição de anonimato por não estar autorizado a comentar sobre o assunto. Mas o funcionário reconheceu que Hanói, a capital do Vietnã, ignorou a pressão externa. "A situação é ruim. Eu acho que é um impedimento para uma parceria ainda mais próxima com o Vietnã”, disse.
Adams, da Human Rights Watch, diz que as autoridades comunistas passaram a desconsiderar os apelos do Departamento de Estado. "Quando eles olham para Trump, veem um presidente que deixa claro que ele não se importa com os direitos humanos e parece gostar de homens fortes", disse.
A história por trás do impasse dos Estados Unidos em relação ao TPP revela um de dois estilos presidenciais dramaticamente diferentes.
Apesar da antiga preocupação sobre o histórico do Vietnã em relação aos direitos humanos, Obama decidiu que queria os EUA dentro do TPP para afastá-lo da China.
Em julho de 2015, Obama quebrou o precedente para se encontrar com o secretário geral do Partido Comunista Vietnamita em Washington. O ex-presidente dos EUA passou quatro horas se preparando para a reunião e para transmitir uma mensagem crítica. Os Estados Unidos, disse ele a Nguyen Phu Trong, "respeitam" diferentes sistemas políticos.
Os direitos humanos e as liberdades democráticas ainda importam, disse Obama, mas Washington não queria derrubar o Partido Comunista.
Segundo Evan Medeiros, então diretor sênior de assuntos asiáticos do Conselho de Segurança Nacional, essa reunião abriu caminho para uma série de acordos bilaterais inovadores, que incluía o levantamento de um embargo de armas em 2016 e uma carta lateral ao acordo TPP, em que Hanói prometeu alterar suas leis para permitir sindicatos independentes.
"A premissa básica sob o regime de um partido único é que o partido controla tudo. Estabelecer associações politicamente independentes do partido teria sido revolucionário”, disse Tom Malinowski, que serviu como secretário de Estado adjunto para a democracia, direitos humanos e trabalho, sob o governo de Obama.
Sinais do governo Trump
As primeiras críticas de Trump ao TPP eram de que o acordo seria um mau negócio para empresas, trabalhadores e contribuintes americanos. Em um debate presidencial republicano, em novembro de 2015, ele se queixou de que não conseguiram lidar com a manipulação da moeda chinesa, apesar de Pequim não fazer parte do acordo. Mais tarde, ele tuitou que “a China entraria pela porta dos fundos, mais tarde”.
Na época em que Trump assumiu a liderança dos EUA, a saída do acordo era uma "conclusão precipitada", disse Thomas Shannon, um diplomata que atuava como secretário de Estado.
Trump "fez uma avaliação clara de que o TPP estava morto para o Congresso”. “Por que ele iria investir seu capital político apoiando um acordo que ele não havia negociado e que tinha conseguido muito lucro político atacando, como outro exemplo de elites políticas externas que faziam negociações secretas?", disse.
A abordagem do governo Trump em relação ao Vietnã tem sido semelhante à de Obama de duas maneiras: colocou ênfase considerável no crescente relacionamento militar e na segurança, e deu aos líderes vietnamitas acesso aos níveis mais altos do governo dos EUA.
Mas, sob outros aspectos, tem sido muito diferente.
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Em maio de 2017, Trump recebeu o primeiro-ministro do Vietnã, Nguyen Xuan Phuc, na Casa Branca. O então conselheiro de segurança nacional, H.R. McMaster, teve apenas cinco minutos para deixar Trump informado. Durante parte desse momento, o líder norte-americano contou uma piada racista muito desagradável. "Era óbvio que o presidente não sabia quem estava indo para conhecê-lo, não sabia do que se tratava a reunião e não estava nem um pouco interessado”, disse Osius.
Funcionários da Casa Branca, porém, negaram que Trump estivesse despreparado. O assessor sênior da Casa Branca disse que o presidente é sempre muito bem informado sobre as reuniões com líderes estrangeiros, através de rápidas e objetivas reuniões ao longo da semana. A preparação com McMaster era apenas uma ‘revisão final’, disse o assessor.
Em novembro de 2017, Trump conheceu o então presidente do Vietnã, Tran Dai Quang, em Hanói, durante uma turnê em cinco países da Ásia. Em uma declaração, "os dois líderes reconheceram a importância de proteger e promover os direitos humanos".
Mas ficou claro que Trump estava pensando em outra coisa. Enquanto Obama, em uma viagem de 2016 ao Vietnã, se reuniu com ativistas da sociedade civil e jovens, Trump estava focado na redução do déficit comercial e a venda de equipamentos militares americanos. "Gostaríamos que o Vietnã comprasse de nós, e temos que acabar com o desequilíbrio comercial. "Fora isso, acho que vamos ter um relacionamento fantástico”, disse Trump.
'Nunca desista'
A suspeita em relação a China é alta no Vietnã, até porque os dois países disputam ferozmente ilhas no Mar do Sul da China. Não importa quem esteja no comando da Casa Branca, os líderes de Hanói continuarão a procurar os EUA para equilibrar a influência de Pequim.
No final de julho, o secretário de Estado, Mike Pompeo, visitou o Sudeste Asiático divulgando uma alternativa ao TPP. Uma "Visão Econômica Indo-Pacífica", prometendo maior envolvimento econômico baseado nos princípios de "liberdade e abertura", e liderado por empresas americanas.
Enquanto isso, no Vietnã, o porta-voz da embaixada dos Estados Unidos, Pope Thrower, disse que o governo dos EUA manteve seu "compromisso de trabalhar com parceiros oficiais e não-governamentais para promover os direitos trabalhistas no Vietnã".
Mas a ativista Minh Hanh enxerga as coisas de maneira um pouco diferente. Ela é grata pelo apoio dos EUA, que ajudou a libertá-la de uma sentença de sete anos de prisão, em 2014. Agora, porém, ela se sente mais sozinha. "O fato de os Estados Unidos darem menos atenção aos sindicatos torna minha tarefa como ativista um pouco mais difícil", disse ela. "Mas nós, ativistas, nunca recuaremos, nunca desistiremos de lutar, com ou sem o apoio americano".