Para se precaver de uma nova onda de gripe suína, países do Hemisfério Norte iniciaram no último trimestre do ano passado uma compra massiva de vacinas contra o vírus H1N1. O principal temor era que a chegada do inverno em dezembro causasse uma nova leva de vítimas e transtornos. Chegando agora ao período mais rigoroso da estação, esses países enfrentam dois problemas controversos: a pouca adesão da população, desmotivada pelas notícias de baixa letalidade do vírus; e os grandes estoques ociosos, que provocam desgaste político.
O bate-cabeça do governo francês é ilustrativo. Na semana passada, partidos da oposição pediram a abertura de uma investigação para apurar as compras excessivas de vacina. A França, um país com 63 milhões de habitantes, havia encomendado 94 milhões de doses, a um custo total de US$ 1,25 bilhão. O volume da compra representa 10% do estoque mundial.
Segundo o governo francês, a compra foi embasada em análises iniciais que afirmavam ser necessário duas doses por pessoa. Estudos posteriores apontaram o erro. Além disso, a diminuição no relato de casos fatais desmotivou a população francesa a enfrentar as baixas temperaturas em busca de imunização. Até a semana passada, 5 milhões de pessoas haviam se vacinado. Para evitar acúmulo de estoque e desperdício do remédio, a França cancelou o pedido de 50 milhões de doses que ainda não haviam sido entregues.
O mesmo roteiro se repete em outros países da Europa, e também nos Estados Unidos. Na Espanha, o ministério da saúde divulgou a informação de que está conversando com os laboratórios para devolver a medicação não utilizada. O pequeno grão-ducado de Luxemburgo, que tem uma população de 450 mil habitantes, encomendou 700 mil doses. Após a campanha de vacinação estacionar em 50 mil pessoas, o país pretende doar o excedente a outras nações, pois o contrato firmado com as indústrias farmacêuticas não permite a devolução.
Liberação
Os Estados Unidos, com o estoque atual de 100 milhões de doses, cancelaram a restrição da aplicação aos grupos de risco (grávidas, jovens) e autorizaram a distribuição geral. Mesmo assim, a percepção de que o surto de gripe A está diminuindo afastou os receptores, e levou a Casa Branca a destinar 10% do estoque para doação.
A Alemanha cancelou metade do seu pedido de 50 milhões de doses. O governo acredita que 25 milhões de doses são o suficiente para proteger os seus 80 milhões de habitantes, dos quais 6 milhões já foram vacinados. No país também há baixa procura por imunização.
Outros cuidados
Na avaliação de Enrique Gil, representante em exercício da Organização Pan-Americana de Saúde no Brasil (braço da Organização Mundial da Saúde, OMS), uma campanha de vacinação global precisa estar atrelada a outros cuidados. "A população deve continuar reforçando os hábitos de higiene pessoal e, caso apresente sintomas da doença, permanecendo distante do contato público e procurar ajuda médica. E os governos devem preparar seus sistemas de saúde para receber os pacientes. Somente um trabalho integrado entre população, serviços de saúde e governo pode deter a gripe suína", ressalta.
Para evitar o conflito moral que a geopolítica da vacina pode causar, a OMS iniciou um programa global de relocação do estoque mundial do medicamento contra a gripe suína. O estoque, doado pelas nações mais ricas, deverá ser repassado a 95 países, que serão beneficiados de acordo com o risco em relação a uma nova pandemia.
Beneficiados
Os primeiros destinatários serão países pobres do Hemisfério Norte, por estarem atualmente no "grupo de risco" do inverno. Afeganistão, Azerbaijão e Mongólia estão no topo da lista, e a estimativa da OMS é que estes países possam contar com a ajuda até o fim desta semana.
Enrique Gil acredita que o órgão internacional precisará vencer alguns obstáculos para ser bem-sucedido na distribuição das vacinas. "É uma corrida contra o tempo. A produção atual não é suficiente para cobrir toda a população mundial. Além disso, os países que vão receber grandes quantidades da vacina precisam ter certeza de que terão capacidade de armazenamento em refrigeradores", prevê.
Brasil
O Brasil prescinde da ajuda internacional. Na semana passada, o governo anunciou a compra de 83 milhões de doses, ao custo de R$ 1 bilhão. Se o cenário europeu se repetir no inverno brasileiro, a quantidade adquirida deverá ser o suficiente para atender toda a demanda. "O Hemisfério Norte está saindo da segunda onda de gripe A e os países do Hemisfério Sul, como o Brasil, precisam se preparar com antecedência para o mesmo, no inverno deste ano", afirma Gil.