Os fragmentos do mecanismo, recuperados por mergulhadores no começo do século 20| Foto: Divulgação

A maior revista científica do mundo entrou no espírito olímpico e acaba de revelar o lado esportivo de um misterioso "computador" da Grécia Antiga. O chamado mecanismo de Anticítera, uma engenhoca semi-automática de 150 a.C. que conseguia prever eclipses, também servia para antecipar as datas das Olimpíadas antigas. E fazia o mesmo para uma série de outras competições atléticas que movimentavam o mundo grego naquela época.

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O achado é relatado por pesquisadores do Reino Unidos, dos EUA e da Grécia na edição desta semana da revista britânica "Nature". E as surpresas vão além do lado olímpico do mecanismo. A equipe internacional também conseguiu decifrar inscrições que mostram um calendário num dos mostradores da parte de trás do aparelho -- e os nomes dos meses poderiam associar o apetrecho a ninguém menos que o filósofo Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.), famoso por criar engenhocas lendárias na Antigüidade.

Salvo das águas

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O mecanismo de Anticítera, batizado dessa maneira impronunciável por causa da ilha entre o Peloponeso (sul da Grécia) e Creta onde foi encontrado, é disparado a maior prova de que os antigos gregos tinham alcançado elevado nível científico e tecnológico. O aparato foi recuperado por mergulhadores em 1901, todo em pedacinhos, e por décadas os arqueólogos foram forçados a especular sobre sua verdadeiras funções. O certo é que havia um sistema sofisticado de encaixes entre engrenagens, que se moviam por meio de manivelas e "marchas", quase como a caixa de câmbio de um carro.

A equipe capitaneada por Tony Freeth, do Projeto de Pesquisa do Mecanismo de Anticítera (Reino Unido), já havia demonstrado, em 2006, que o mecanismo conseguia prever eclipses do Sol e da Lua com antecedência de anos. Bastava mexer os ponteiros de um dos mostradores e olhar para outro para saber a ocorrência dos eventos astronômicos. Agora, Freeth e seus colegas reexaminaram as imagens de tomografia computadorizada que haviam feito de todos os cacos do mecanismo. Com elas, é possível ter uma visão tridimensional muito clara de como todas as partes se encaixavam, e ainda ler as inscrições extremamente tênues nas peças de bronze.

E foi exatamente essa leitura a responsável por resgatar o lado olímpico do instrumento científico. Um dos mostradores do mecanismo de Anticítera é um círculo dividido em quatro fatias, como uma pizza. Nele estão escritos as palavras gregas (todas em maiúsculas): OLYMPIA, NEMEA, ISTHMIA, PYTHIA e NAA, além de uma sexta palavra que ainda não foi decifrada.

Em sentido anti-horário, as palavras designam os quatro jogos que reuniam todo o mundo grego. Além dos Olímpicos, temos os Jogos Nemeus e Ístmicos (realizados em Neméia e no istmo de Corinto, respectivamente), que aconteciam a cada dois anos; os Jogos Píticos, que aconteciam perto do grande templo do deus Apolo em Delfos; e os jogos de Naa, uma competição menos importante em Dodona, no noroeste da Grécia. Ou seja, para os pesquisadores o aparelho tinha uma utilidade prática direta na cultura grega da época, que valorizava muito os jogos. O ciclo olímpico de quatro anos também servia para marcar o tempo (dizia-se que Fulano morreu no ano 2 da Olimpíada de número 34, por exemplo).

Meses reveladores

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Para prever a ocorrência de uma competição em determinado ano, o usuário da engenhoca só precisava girar um ponteiro num ciclo de 235 meses na parte de cima do mostrador geral. Freeth e companhia agora decifraram essas meses, que levam nomes como "Foinikaios", "Kraneios" e "Apellaios". O detalhe é que as cidades-Estado gregas, que viviam brigando entre si e falavam dialetos diferentes, não usavam todas o mesmo calendário. Os nomes dos meses no mecanismo são de cidades que falavam o dialeto dório e são colônias de Corinto, como Córcira (a moderna Corfu) --ou Siracusa, na atual Sicília.

E aí vem o pulo do gato. Siracusa era justamente o lar de Arquimedes, um matemático genial e criador, segundo a lenda, de um sem-número de geringonças que pareciam mágicas na época. O mecanismo de Anticítera é "jovem" demais para ter sido criado diretamente por Arquimedes, mas não é impossível que as tradições técnicas ligadas a ele tenham desembocado no aparelho.