A condenação de uma mulher budista nesta semana por acusações de blasfêmia tem alarmado muitos na Indonésia que já estavam preocupados com a erosão do pluralismo religioso no país com mais muçulmanos no mundo. Meiliana, uma budista de 44 anos da ilha de Sumatra, foi declarada culpada na terça-feira por violar a controversa lei de blasfêmia e condenada a 18 meses de prisão. O crime dela: reclamar do volume da convocação islâmica à oração por uma mesquita perto de sua casa.
No ano passado, o popular ex-governador de Jacarta, Basuki Tjahala Purnama, que é cristão, foi condenado a dois anos de prisão por supostamente desrespeitar o Alcorão, o que é considerado uma blasfemia .
Meiliana, que como muitos indonésios usa apenas um nome, pode apelar da decisão, embora condenações desse tipo raramente sejam revertidas.
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As duas maiores organizações muçulmanas do país criticaram a condenação. "Não cometeu blasfêmia. O que ela fez foi oferecer uma queixa de boa vizinhança, e isso não é um insulto ao Islã", disse Ismail Hasani, especialista em direito da Universidade Estadual Islâmica de Jacarta e diretor de pesquisa do Instituto Setara de Democracia e Paz
A Indonésia, uma democracia multiétnica formada por milhares de ilhas, reconhece oficialmente seis religiões como iguais perante a lei e durante muito tempo foi vista como uma das nações de maioria muçulmana mais tolerantes do mundo. Mas acontecimentos nos últimos anos, incluindo a condenação do ex-governador de Jacarta; uma legislação proposta para proibir atos homossexuais e o surgimento de grupos políticos islâmicos, têm preocupado os defensores da abordagem secular.
Neste mês, o presidente Joko Widodo, relativamente moderado, surpreendeu seus partidários mais liberais ao anunciar que seu companheiro de chapa na candidatura à reeleição, em 2019, será o clérigo islâmico Ma'ruf Amin. No seu papel como chefe do Conselho Ulema Indonésio, Amin foi influente para estimular a prisão do ex-governador, um ex-aliado de Widodo.
Debate
O caso de Meiliana tornou-se parte do debate maior sobre o pluralismo religioso. Na quinta-feira, dezenas de milhares assinaram uma petição on-line pedindo a Widodo para "libertar Meiliana e defenda a tolerância!"
O caso também provocou discussões sobre o chamado à oração e o volume. "Eu amo o som do azan", disse a comediante indonésia Sakdiyah Ma'ruf em sua conta no Twitter, referindo-se ao chamado para a oração. "Mas, na realidade, como uma muçulmana que acabou de ter um bebê, as altas chamadas ao amanhecer para as orações, vindas de várias mesquitas de uma só vez, podem ser perturbadoras".
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Como o ex-governador, Meiliana faz parte da minoria étnica chinesa na Indonésia, que tem sido frequentemente alvo de discriminação. A Human Rights Watch aponta que a lei da blasfêmia tem sido usada para perseguir uma ampla gama de grupos. A entidade estima que, pelo menos, 22 pessoas foram condenadas pela lei desde que Widodo assumiu o cargo em 2014. Juntamente com grupos como a Anistia Internacional e o Instituto Setara, a Human Rights Watch está ativamente em campanha para revogar a lei da blasfêmia.
"Esses casos de blasfêmia infringem os direitos das pessoas", disse Hasani. “E parece que, provavelmente, o presidente não se importa muito com esse problema".