Quando José Moreno, um soldado basco, foi capturado em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, foi condenado à morte por um dos comandantes do Exército do General Francisco Franco, eventual vencedor do conflito.
Entretanto, por razões que nunca compreendeu, foi poupado de tal destino – e comemorou o centésimo aniversário em novembro passado.
"Eu devia ter morrido lá atrás, mas olha eu aqui, me sentindo bem a ponto de lembrar claramente tudo que passei. Nunca fiquei sabendo por que não me mataram, por que preferiram me deixar preso. É difícil acreditar que consegui viver tanto tempo", diz ele, com um sorriso largo.
Hoje, refere-se a si mesmo como "o último gudari", palavra basca para "soldado", em referência àqueles que se alistaram no exército basco, em 1936, para ajudar a defender o governo republicano espanhol contra o levante militar de Franco. Um ano depois, as tropas do general capturaram Bilbao, a maior cidade basca, com a ajuda de seus aliados fascistas, a Alemanha e a Itália.
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Moreno se rendeu aos italianos, que, por sua vez, o entregaram às forças de Franco. E conta que um comandante espanhol lhe disse que ia ser executado, mas a pena de morte foi comutada e ele ficou na cadeia durante três anos. Após o fim da guerra, em abril de 1939, ainda passou um tempo em um campo de concentração, recapeando as rodovias locais ao lado de outros sentenciados de seu batalhão derrotado.
Moreno ainda era adolescente quando a guerra civil eclodiu, mas é um capítulo de sua vida que nunca tentou – ou quem sabe, conseguiu – encerrar. Ao longo do último ano e meio, ficou grudado na TV, seguindo cada movimento da pressão pela independência da Catalunha e as mudanças políticas mais amplas da Espanha.
Ele pode até assistir às notícias em cores hoje, mas sua visão continua em preto e branco, marcada pela experiência de guerra e seu apoio incondicional ao nacionalismo basco.
Sua preocupação hoje é a ressurgência da extrema-direita. Em dezembro, o Vox, um partido nacionalista e anti-imigração, ganhou suas primeiras cadeiras parlamentares na eleição da Andaluzia, no sul da Espanha. As pesquisas de opinião pública sugerem que a facção continua tendo pouca influência em nível nacional, mas Moreno vê no fenômeno motivo de preocupação. "Se deixarmos a coisa ir mais longe, podemos acabar voltando à ditadura", alerta.
Relembrar a história
Ele costumava escrever cartas, editoriais e artigos para os jornais locais, geralmente criticando a forma como a Espanha omitia a era Franco, o capítulo mais doloroso de sua história moderna. A questão foi levantada pelo governo socialista de Pedro Sánchez, que assumiu o governo em junho.
O primeiro-ministro quer dar maior reconhecimento às vítimas do ditador, de acordo com a lei da memória histórica. A medida foi aprovada em 2007, sob o governo socialista anterior, mas foi engavetada e perdeu a verba pública de que se beneficiava sob o governo conservador de Mariano Rajoy. Um dos principais objetivos da tal legislação era facilitar a abertura de mais de duas mil valas comuns para identificar as ossadas de quem nelas se encontrava, a maioria vítimas da guerra civil.
Por enquanto, a prioridade para o premiê é retirar os restos mortais de Franco da basílica do Valle de los Caídos, que o próprio general construiu para honrar aqueles que "tombaram em nome de Deus e da Espanha" na guerra civil; acontece que o plano emperrou devido a uma disputa judicial com os parentes de Franco, que afirmam que ele só pode ser reenterrado na catedral de Madri. Há políticos também brigando para saber o que fazer com a tumba local quando seus restos mortais forem transferidos.
Para Moreno, Franco não precisa só ser fisicamente retirado do memorial, mas também reinterpretado nos livros escolares. "Ele tem de ter o mesmo tratamento que Hitler e Mussolini, os outros fascistas criminosos de guerra."
Moreno alega ter testemunhado em primeira mão a maneira como Franco se livrava dos derrotados. "Cheguei a ver gente sendo arrastada da cela para ser executada lá fora, no pátio. Que ninguém venha tentar me dizer que ele não violou as regras de combate."
Quando foi libertado do campo, tentou se realistar na Marinha Mercante, na qual tinha se inscrito aos 14 anos, antes da guerra. "Foi então, enquanto o cargueiro de carvão atracava nos portos italianos, que descobri o lado negro do fascismo."
"Mussolini prometeu engrandecer a Itália, mas percebi que o compromisso era só com aqueles que compartilhavam de seus ideais. Vi muita gente com medo, miserável, faminta. Tinha os que vinham ao barco pedir ajuda e comida, mas a polícia nos proibiu terminantemente de lhes prestar qualquer assistência."
Sem perdão e sem esquecimento
Considerado um "separatista vermelho" pelo regime franquista, Moreno viu a chance de voltar ao mar negada e teve de se contentar com um emprego nos estaleiros de Bilbao. Aposentou-se há mais de trinta anos, depois de liderar um dos sindicatos locais.
"Franco não perdoava, por isso não venham pedir que a gente não só perdoe, como também esqueça."
Todo ano, em junho, Moreno discursa em um evento no Monte Artxanda, de onde se descortina Bilbao. Ele foi um dos defensores da construção do monumento em homenagem aos soldados bascos que lutaram contra Franco, que inclui a escultura de uma impressão digital gigante.
"A peça serve para nos lembrar de que nunca podemos nos esquecer daqueles que lutaram pela democracia", disse Moreno durante uma entrevista em que usou uma boina basca e um casacão militar, uma insígnia presa à lapela.
Ele hoje mora com a filha no subúrbio de Portugalete, perto dos estaleiros onde trabalhava. O apartamento é cheio de detalhes que enaltecem o regionalismo, incluindo fotos de Moreno reunido com políticos locais e um prato de cerâmica que serve de relógio, decorado com emblemas bascos. Seu filho Ricardo vive nas redondezas.
Quando pergunto o que mantém seu pai tão saudável, Manuela brinca, começando por "seu desassossego e mau humor", mas acrescenta: "Ele gosta de comer bem e se divertir."
Até recentemente, Moreno fazia parte de uma associação de dançarinos tradicionais. Para ele, sua paixão pela dança estará sempre ligada à guerra civil. "Fiquei sabendo do golpe militar de julho de 1936 quando estava em um baile. Estava ali, me divertindo, concentrado na dança, nas moças, mas sabia que a coisa era séria e teria de me apresentar."
Atualmente, Moreno só circula dentro do próprio apartamento, mal levantando os pés do chão. Sua filha torce para que o pai consiga participar da cerimônia no monumento do Artxanda, em junho, ou seja, mais uma razão para mantê-lo em casa. "Não queremos pôr sua saúde em risco saindo com ele no meio do inverno", afirma.
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