Norte-coreanos que são enviados pelo regime para trabalhar fora do país, principalmente na China e na Rússia, além de terem 90% do salário confiscado pelo Estado, são proibidos de voltar devido às fortes restrições contra a Covid-19 que persistem na Coreia do Norte.
Denúncias apontam que o trabalho exercido por esses norte-coreanos em outros países é forçado e que as condições são desumanas. Sem dinheiro e sem permissão para voltar, esses homens ficam sem saída, a não ser continuar trabalhando longe de casa.
“Se a situação pudesse ser filmada e mostrada para o mundo, seria um filme sobre direitos humanos”, contou um dos trabalhadores norte-coreanos no exterior à missão Portas Abertas, que pediu para não ser identificado.
Ele relatou também a história de um colega que trabalhava numa companhia estrangeira. Enquanto instalava estruturas de ferro, o homem sofreu uma queda de cinco metros. A coluna foi lesionada e ele precisou de cirurgia emergencial. Apesar da gravidade do caso, a companhia não queria gastar dinheiro com o tratamento na Rússia, por isso o enviou de volta à Coreia do Norte. Algumas questões burocráticas fizeram com que ele tivesse que esperar dez dias para voltar a Pyongyang com a coluna e membros inferiores gravemente lesionados.
Muitos casos semelhantes de acidentes no trabalho com atendimento médico negligenciado e envio tardio de volta à Coreia do Norte acontecem com norte-coreanos no exterior, segundo a associação.
Fronteiras fechadas
A situação também é trágica para os que querem deixar a Coreia do Norte. As autoridades norte-coreanas impuseram medidas excessivas e pouco úteis durante a pandemia de Covid-19 desde janeiro de 2020.
Afirmando que isso era necessário para conter o coronavírus, as autoridades construíram ou modernizaram cercas, postos de guarda, estradas de patrulha e outras infraestruturas na fronteira.
O aumento da segurança parou quase inteiramente a atividade econômica transfronteiriça não autorizada, o que contribuiu para uma grave escassez de alimentos, medicamentos e outras necessidades básicas, segundo a organização Human Rights Watch (HRW). As medidas também reforçaram os obstáculos a qualquer tentativa dos norte-coreanos de pedir asilo no estrangeiro, violando o direito à liberdade de circulação.
“O governo norte-coreano usou supostas medidas contra a Covid-19 para reprimir ainda mais e colocar em perigo o povo norte-coreano”, disse Lina Yoon, pesquisadora sênior da Coreia do Norte da HRW. “Em vez disso, o governo deveria redirecionar seus esforços para melhorar o acesso a alimentos, vacinas e medicamentos, e respeitar o direito de ir e vir, entre outros”, completou.
A Human Rights Watch analisou imagens de satélite cobrindo mais de 300 quilômetros da fronteira norte, que se estende por 1,3 mil quilômetros, comparando a infraestrutura de segurança antes e depois do início da pandemia de Covid-19.
Uma análise preliminar indicou que, desde o início de 2020, o país construiu novas cercas em várias áreas e modernizou as que já existiam, estabeleceu cercas secundárias, expandiu as vias de patrulha e aumentou o número de torres de vigia e postos de guarda ao longo da fronteira.
A Coreia do Norte ratificou os principais tratados internacionais de direitos humanos, incluindo o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Em 2014, um relatório da Comissão de Inquérito da ONU sobre os Direitos Humanos na Coreia do Norte concluiu que as autoridades governamentais foram responsáveis por crimes contra a humanidade contra os norte-coreanos e por terem causado conscientemente uma fome prolongada.
Perseguição aos cristãos
Se para o cidadão comum norte-coreano a situação é deplorável, pior ainda é para aquele que ousa estudar ou falar sobre religião no país, principalmente o cristianismo, considerado uma filosofia ocidental e, portanto, uma traição ao sistema.
“O cristão norte-coreano vive sua fé em segredo. Quando descoberto, é preso ou morto. Não existe cristianismo na Coreia do Norte. E os deportados são presos e mortos”, revelou o diretor-geral da Portas Abertas, Marco Cruz.
Nenhum país ousa interferir nessa realidade. “A questão armamentista da Coreia do Norte e sua ligação com a China assustam o resto do mundo”, explicou Cruz. Além disso, organizações precisam agir em segredo, com redes de ajuda secreta e a partir de outros países da Ásia.
Segundo relatórios da Portas Abertas, um terço dos prisioneiros da Coreia do Norte são cristãos. O Comitê de Direitos Humanos do país e a Associação Internacional de advogados (IBA, na sigla em inglês) afirmou em um relatório recém-publicado que “há indícios suficientes para concluir que crimes contra a humanidade foram e continuam sendo cometidos em larga escala” nos centros de detenção da Coreia do Norte. O relatório descreveu como as prisões norte-coreanas apoiam o Estado na tentativa de eliminar qualquer ameaça à liderança ou à ideologia do país.
Em 2022, a Coreia do Norte deixou de ser o país número um da Lista Mundial da Perseguição a Cristãos, não porque a situação tenha melhorado no país, mas porque a pressão no Afeganistão foi maior ainda. “Desde 2021, as leis antirrevolucionárias aumentaram o número de cristãos presos e de igrejas domésticas fechadas, mantendo a pressão aos cristãos”, revelou Cruz.
“O Estado considera o aumento do cristianismo no país uma séria ameaça, já que os cristãos não prestam culto às autoridades e também por causa dos trabalhos de organizações sociais e políticas cristãs que não seguem a ideologia do governo”, indicou o relatório das Nações Unidas sobre Direitos Humanos na Coreia do Norte em 2014.
Devido à perseguição, alguns cristãos fogem para a China, onde também não existe receptividade à religião, mas ainda assim há um contexto menos violento do que o existente no país comandado por Kim Jong-un.
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