As tensões aumentaram no leste da Ucrânia, com o reforço da presença militar da Rússia na fronteira entre os dois países e violações a um acordo de cessar-fogo nas últimas semanas.
A Ucrânia e países do Ocidente têm se preocupado com as provocações da Rússia e pediram que Moscou retire suas tropas da região. O governo russo alegou que tem liberdade para movimentar seus militares em seus territórios e disse que essa era uma questão interna, mas também alertou o governo ucraniano de que pode usar suas forças para proteger civis diante de ameaças no território controlado por rebeldes separatistas.
O Ministério da Defesa russo afirmou ainda que a movimentação das últimas semanas faz parte de exercício treinamento em resposta a "ameaças da Otan".
O ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, pediu nesta quinta-feira (15) por mais apoio ocidental, dizendo que "palavras de apoio não são suficientes". Nesta sexta-feira, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, terá um encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron, em Paris. A chanceler alemã Angela Merkel participará da conversa por videoconferência.
A Ucrânia não é membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas recebe apoio dos países aliados do tratado de defesa mútua, incluindo ajuda para modernização militar, com o envio de armas como lançadores de mísseis antitanques dos EUA, e treinamentos. Após as recentes ameaças russas, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu à Otan que acelere a entrada do seu país na organização.
Como foi a movimentação russa
Os Estados Unidos e a Otan descreveram a situação como a maior concentração de forças armadas russas desde 2014, quando Moscou anexou a Crimeia e passou a apoiar separatistas no leste da Ucrânia.
Desde o final de março, houve um aumento significativo na concentração de tropas russas perto da fronteira com a Ucrânia e na Crimeia.
Autoridades da Ucrânia estimam que até 40 mil militares foram enviados à cidade russa de Voronezh, perto da fronteira, que foi equipada com um hospital de campanha e um complexo de comunicações de longa distância. Outros 40 mil soldados teriam sido destacados na Crimeia.
O Ministério da Defesa da Rússia também anunciou que a Frota do Mar Negro ganharia o reforço de 15 navios, incluindo porta-aviões.
Cerca de 40 mil militares russos já estavam posicionados na região do Donbass, na chamada "linha de contato", estima um relatório do governo ucraniano do ano passado.
Raízes do conflito
A Ucrânia fazia parte da União Soviética até a dissolução do bloco, em 1991. Desde então, a Rússia busca manter o país em sua área de influência.
Em março de 2014, a Rússia enviou tropas e anexou a Península da Crimeia, pouco depois da queda do presidente ucraniano pró-Rússia Viktor Yanukovytch em meio a uma onda de protestos no país. Um referendo sobre a questão foi considerado ilegítimo por mais de cem países.
Os Estados Unidos e a União Europeia impuseram sanções contra a Rússia pela anexação da Crimeia, que foi considerada ilegal por grande parte da comunidade internacional.
Moscou também dá apoio a separatistas no leste da Ucrânia em um conflito contra as forças do governo de Kiev que já deixou mais de 13 mil mortos desde abril de 2014, segundo dados do governo ucraniano.
Os rebeldes armados tomaram prédios do governo ucraniano e proclamaram uma "república popular" nas regiões de Donetsk e Luhansk. Países do Ocidente acusam a Rússia de enviar armas em apoio aos separatistas, mas Moscou nega a acusação.
O governo russo afirmou recentemente que "não permanecerá indiferente" aos falantes de russo que vivem no leste da Ucrânia. Moscou tem facilitado a emissão de passaportes russos para habitantes dessa área; até hoje, mais de 600 mil pessoas nas regiões controladas por rebeldes receberam cidadania russa.
Em fevereiro, Zelensky impôs sanções contra um poderoso aliado do presidente russo Vladimir Putin e também baniu a transmissão de canais de televisão pró-Rússia na Ucrânia.
Acordos de cessar-fogo
Rússia, Ucrânia e separatistas ucranianos assinaram, em fevereiro de 2015, a segunda parte do chamado Acordo de Minsk, do qual a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa também é signatária. França e Alemanha ajudaram a negociar o acordo de paz assinado na capital de Belarus, que estipulava que a Ucrânia deveria conceder autonomia às regiões rebeldes até que novas eleições locais fossem feitas.
Após o pacto, confrontos de maior escala se encerraram, mas escaramuças continuaram a ocorrer. Além disso, ainda não há arranjos para eleições independentes nas regiões separatistas.
Outra tentativa de resolver o conflito é o Formato Normandia, grupo formado por Rússia, Ucrânia, França e Alemanha, que se encontraram informalmente durante o aniversário de 70 anos do Dia D, em 2014.
No final de 2019, os líderes desses quatro países reafirmaram o seu comprometimento com o acordo de paz, mas não houve progresso na resolução do conflito e as negociações do grupo de contato estão paradas desde então.
Por que a Rússia está fazendo ameaças agora? Há risco de invasão?
A Ucrânia acusa a Rússia de violações do cessar-fogo frequentes nas últimas semanas. Segundo autoridades ucranianas, cerca de 30 dos seus militares foram mortos neste ano no conflito, enquanto 50 morreram durante todo o ano anterior.
O principal general dos EUA na Europa, Tod Wolters, disse a parlamentares americanos nesta quinta-feira que existe um risco "baixo a moderado" de que a Rússia invada a Ucrânia nas próximas semanas e indicou que esse risco deve começar a diminuir.
Analistas dizem que a movimentação russa pode ser um teste ao novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que tem sido um apoiador da Ucrânia desde que era vice-presidente americano, e mantém uma postura menos amigável à Rússia do que o seu antecessor, Donald Trump.
A Rússia terá eleições parlamentares em setembro, em meio ao movimento de oposição a Putin em apoio a Navalny. Analistas dizem que a "defesa" do Kremlin a russos na Ucrânia pode render pontos positivos a Putin com os eleitores.
Enquanto não é possível determinar se a movimentação russa é apenas um teste e demonstração de força ou o início de uma escalada militar mais ampla, analistas notam que a Rússia sinalizou que, se uma guerra maior ocorrer, está preparada para confrontar o seu vizinho.
"Toda a sinalização do lado russo é de que a próxima guerra com a Ucrânia será uma guerra muito maior, que resultará em uma derrota muito maior à força ucraniana. Pelo menos é isso o que a postura deles indica", disse Michael Kofman, pesquisador do CNA, ao jornal britânico The Guardian.
O governo Biden já havia imposto sanções contra a Rússia em resposta à prisão do líder opositor russo Alexey Navalny no começo do ano. Nesta quinta-feira, a administração americana expulsou diplomatas russos dos EUA e impôs novas sanções à Rússia por interferência nas eleições americanas e operações de hackers russos em agências do governo e empresas dos EUA.
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