Pelo menos oito policiais e nove camponeses morreram nesta sexta-feira (15) no confronto durante a desapropriação de uma fazenda no nordeste do Paraguai, no pior incidente relacionado à posse de terras nas últimas duas décadas no país. O episódio forçou a saída do ministro do Interior, Carlos Filizzola, e do comandante da polícia, Paulino Rojas, que deixaram seus cargos pressionados pelo Congresso. "O ministro Carlos Filizzola colocou o seu cargo à disposição, assim como o comandante da Polícia Nacional... E o presidente aceitou", disse a jornalistas o ministro da Educação, Víctor Ríos.
Filizzola havia anunciado mais cedo que sete policiais e pelo menos nove camponeses morreram na operação. Outro agente morreu enquanto era levado à capital de helicóptero e as autoridades não descartaram um número maior de vítimas entre os camponeses, que são procurados numa área de densa floresta. O presidente do Paraguai, Fernando Lugo, leu na capital um comunicado sobre a violência. "Expresso meu grande pesar e repúdio aos fatos que conduziram à morte de pessoas", disse Lugo. "Manifesto o mais firme apoio às forças da ordem que se desempenham na defesa e preservação da lei", afirmou o mandatário.
O governo Lugo ordenou a intervenção das Forças Armadas para apoiar a polícia na região e descartou o envolvimento do grupo de extrema esquerda Exército do Povo Paraguaio (EPP) nos confrontos.
"A ação se deu com base em uma ordem judicial para a desapropriação... houve disparos por parte deles, a polícia também teve que responder a isso", disse Filizzola sobre o que aconteceu no terreno privado da colônia Ybyrá Pyta no departamento Canindeuyú, a 240 quilômetros de Assunção. O comandante do Exército disse que cerca de 150 efetivos militares serão enviados imediatamente à região localizada na fronteira com o Brasil, uma área onde coexistem lavouras de soja, criação de gado e grandes cultivos ilegais de maconha.
Linhas de ação "Todos os organismos de segurança do governo e suas áreas estratégicas estão trabalhando neste momento em linhas de ação que devolverão a calma e a tranquilidade a esta região", disse Lugo em mensagem à nação. O dirigente rural José Rodríguez afirmou a uma emissora de rádio local que os camponeses que morreram no confronto faziam parte de um grupo que resolveu resistir à desapropriação. "São camponeses humildes que decidiram tomar essa decisão lamentavelmente", afirmou. Mas a promotora Ninfa Aguilar declarou que o grupo tinha treinamento militar, armas de guerra e bombas caseiras. "Estão vestidos com roupa militar... prepararam trincheiras, bombas, tinha tudo preparado para combater. Não são simplesmente camponeses, estavam preparados para o enfrentamento", garantiu.
Grupo radical Ela não descartou a presença do EPP, um pequeno grupo radical responsável por sequestros e assassinatos durante a última década que opera no norte do país e aspira se converter em uma guerrilha. Filizzola disse que o governo não tinha elementos para vincular o grupo ao conflito. Uma fonte policial contou que todos os agentes mortos receberam impactos de bala de grosso calibre na cabeça. A fazenda de cerca de 2.000 hectares pertence a um conhecido empresário local que há 20 dias denunciou a entrada do grupo de umas 100 famílias. As organizações denunciam que são "terras ilícitas" produto da distribuição entre aliados durante a ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989). A reforma agrária era uma das prioridades do governo de Lugo, mas o mandatário teve dificuldades para aproximar posições entre as organizações camponesas e os proprietários, na medida em que buscava colocar ordem no organismo encarregado pela distribuição de terras.
Reserva florestal
A reserva florestal, de dois mil hectares, fica dentro da fazenda Morumbi, propriedade do ex-senador paraguaio Blas Riquelme, do Partido Colorado (oposição).
"Há vinte anos declaramos o bosque como reserva florestal, mas desde o ano passado os sem-terra insistem em se instalar nela. Os fiscais Miguel Rojas e Ninfa Aguilar ordenaram o despejo meses atrás, mas a polícia não cumpriu o mandado judicial porque primeiro tentou uma saída pacífica dos invasores", disse José Riquelme, filho do proprietário.
Héctor Cristaldo, presidente da Coordenação Agrícola do Paraguai entidade patronal do agronegócio, disse que o governo "foi muito brando, nos últimos três anos, com os invasores de propriedades privadas. Inclusive, quando há alguns meses os sem-terra invadiram uma fazenda de soja no departamento do Alto Paraná, o presidente Lugo os ajudou com alimentos, médicos, enfermeiras e instalou escolas móveis no local. Isso não foi correto", opinou Cristaldo.
José Rodríguez, considerado assessor dos invasores, comentou: "Lugo não pode solucionar um problema social grave, que é a recuperação das terras do Estado, adquiridas há décadas por pessoas não sujeitas à reforma agrária, como Riquelme. Vivemos uma situação séria no Paraguai e ela ficará pior porque os pobres precisam de um pedaço de terra". Ele disse que os sem-terra resistiram à polícia apenas com revólveres de calibre 22.
Lugo está a doze meses do final do seu mandato e não cumpriu uma das suas promessas, a reforma agrária para 87 mil famílias camponesas pobres. O governo não pôde comprar terras por falta de dinheiro no orçamento, ante a ausência de terras do Estado para alojar os camponeses sem-terra.
As informações são da Associated Press.
Confronto polícia x sem-terra