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Confrontos, mortes, deserções; o saldo dos conflitos na fronteira com a Venezuela

 | Luiz Robayo/AFP
(Foto: Luiz Robayo/AFP)

No dia em que o líder opositor venezuelano Juan Guaidó, presidente interino do país, prometeu concretizar a entrada de ajuda humanitária na Venezuela, as cenas vistas foram de confrontos nas regiões de fronteira com o Brasil e a Colômbia e caminhões retornando aos países de saída sem conseguir entregar as toneladas de alimento e remédios ao povo venezuelano.

Ao menos três pessoas morreram, sendo um adolescente de 14 anos, e 31 ficaram feridas em Santa Elena do Uairén, cidade venezuelana na fronteira com o Brasil, em conflitos com a Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Na divisa com a Colômbia, dois caminhões que transportavam ajuda foram incendiados por partidários do ditador Nicolás Maduro na ponte Francisco de Paula Santander, que liga Cúcuta (Colômbia) e Ureña (Venezuela) e ao menos 285 pessoas ficaram feridas em confrontos com militares na ponte Simón Bolívar, principal passagem entre os dois países.

Com os confrontos, os caminhões, que haviam adentrado poucos metros na Venezuela, retornaram para os territórios colombiano e brasileiro.

Na região de fronteira em Pacaraima (Roraima), venezuelanos radicados no Brasil passaram para o lado da Venezuela, queimaram carros e lançaram pedras em militares da GNB, que reagiram devolvendo pedradas, tiros de borracha e gás de pimenta. A situação ficou mais tensa conforme venezuelanos e militares chavistas se aproximaram do marco fronteiriço que divide os dois países.

Pedradas de lado a lado ficaram mais frequentes. Dois carros, entre eles o da reportagem do Estado de S. Paulo, ficaram isolados entre os dois lados do confronto e chegaram a ser alvejados por pedras. Um fotógrafo da agência Efe foi atingido por uma pedra.

Após quebrar paralelepípedos em pedaços menores para arremessar contra os guardas, os manifestantes subiram no marco fronteiriço e tentaram hastear a bandeira venezuelana, a meio mastro desde que a divisa foi fechada na quinta-feira. Sem conseguir, acabaram roubando-a.

Quando às pedras se somaram tiros e bombas de gás, houve correria e a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o 7.º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) agiram para acalmar a situação.

Dois caminhões venezuelanos, dirigidos por voluntários que vivem do lado brasileiro da fronteira, fizeram o transporte da ajuda humanitária de Boa Vista até Pacaraima e, em seguida, para o território venezuelano. Um dos motoristas, Leister Sánchez, afirmou horas antes do confronto que “não temia violência”. Após a confusão, ele apenas lamentou. “Não precisamos disso.”

Os caminhões, que cruzaram apenas 3 metros adentro a fronteira venezuelana, sem chegar ao posto de aduana, ficaram estacionados durante a tarde, mas após o começo da confusão com a GNB e manifestantes denunciando um suposto infiltrado do chavismo, voltaram para Pacaraima. Outro representante da oposição, Thomas Silva, disse ao Estado de S. Paulo que a orientação era esperar para evitar mais violência. Um representante diplomático americano lamentou à reportagem a desorganização da operação.

Ajuda queimada

Na fronteira da Venezuela com a Colômbia, dois de quatro caminhões de uma caravana também retornaram ao fim do dia. Os outros dois foram incendiados quando os militares venezuelanos bloquearam a passagem da caravana e jogaram bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes.

Guaidó, que estava na cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira com a venezuelana Ureña, culpou no Twitter o governo de Maduro. No meio dos distúrbios na ponte de Santander, em Ureña, onde 42 pessoas ficaram feridas, a deputada da oposição Gaby Arellano acusou os militares de queimarem os veículos.

“As pessoas estão salvando a carga do caminhão e cuidando da ajuda humanitária que (o presidente Nicolás) Maduro, o ditador, ordenou que queimassem”, disse aos repórteres.

Na noite de ontem, o presidente colombiano, Iván Duque, e Guaidó condenaram as ações dos militares e disseram que vão buscar novas opções diplomáticas “para encerrar a ditadura Maduro”.

Juan Guaidó

O líder oposicionista Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela, afirmou no fim da noite de ontem, em sua conta no Twitter, que é importante haver pressão dentro e fora do país para ocorrer uma troca de comando. Guaidó qualifica o presidente Nicolás Maduro um usurpador, afirmando que venceu eleições fraudadas, e disse que a comunidade internacional deve manter todas as alternativas em aberto para enfrentar a crise.

“Os acontecimentos de hoje me obrigam a tomar uma decisão: apontar à comunidade internacional de maneira formal que devemos ter todas as opções para conseguir a liberação desta pátria que luta e seguirá lutando”, afirmou Guaidó em sua conta no Twitter, no fim da noite do sábado. Ele também lembrou que se reunirá na segunda-feira com autoridades do Grupo de Lima, na Colômbia. “A pressão interna e externa são fundamentais para a liberação.”

O líder oposicionista Juan Guaidó afirmou que é importante haver pressão dentro e fora do país para ocorrer uma troca de comando

Em outras mensagens, Guaidó disse que mantinha contatos com militares venezuelanos que desertaram do regime de Maduro e passaram a apoiá-lo. “São soldados que em algum momento tiveram ilusão pela carreira militar e hoje são prisioneiros do terror”, comentou, ao falar sobre o clima de “medo, necessidade e falta de respeito” nas Forças Armadas venezuelanas.

Do lado brasileiro da fronteira, sabe-se que ao menos dois sargentos da guarda nacional Bolivariana desertaram ontem à noite em Pacaraima, segundo o coronel Georges Kanaam. Eles estavam envolvidos no conflito de ontem entre manifestantes e a GNB na fronteira. Do lado colombiano, o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia informou que um grupo de 60 militares, incluindo oficiais, pediram refúgio ao país.

Guaidó afirmou ainda duvidar que o ex-presidente Hugo Chávez (1999-2013), que morreu em 2013, apoiasse o governo Maduro. Além disso, o líder oposicionista reenviou a seus seguidores mensagem de apoio do ex-presidente americano Bill Clinton, com críticas à violência na Venezuela.

Reação brasileira e internacional

O governo brasileiro condenou na noite de sábado, de forma veemente, o que chama de “atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro”.

Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores, o governo cita os conflitos nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia que causaram mortes e deixaram dezenas de pessoas feridas.

“O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro. Trata-se de um brutal atentado aos direitos humanos, que nenhum princípio do direito internacional remotamente justifica e diante do qual nenhuma nação pode calar-se”, diz a nota. Ainda na nota, o Brasil apela à comunidade internacional, principalmente aos países que ainda não reconheceram o líder oposicionista Juan Gauidó como presidente encarregado, a somar-se aos esforços de “libertação da Venezuela”.

O governo brasileiro pede que o “governo” de Juan Gauidó seja reconhecido como legítimo e que a comunidade internacional exija o fim da violência das “forças do regime contra sua própria população”.

Na outra fronteira com a Venezuela, o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia disse que a deserção de oficiais militares venezuelanos “demonstra o descrédito do governo de Nicolás Maduro”.

A prioridade do presidente da Colômbia, Iván Duque, conforme o comunicado, é proteger a integridade de pessoas na zona fronteiriça e, por conta disso, providenciou o retorno de caminhões para proteger a ajuda humanitária.

Sabe-se que ao menos dois sargentos da guarda nacional Bolivariana desertaram ontem à noite em Pacaraima

“O mundo testemunhou que a Colômbia, Chile, Paraguai, Estados Unidos e muitos países da região estiveram em uma ação humanitária e pacífica multilateral para levar alimentos e remédios para os cidadãos venezuelanos. A Colômbia e a comunidade internacional cumpriram e receberam violência da Venezuela”, destaca o Ministério no texto, conforme informações da Agência Brasil.

O jornal venezuelano El Nacional informa que a União Europeia (UE) condenou neste domingo os atos de violências cometidos na fronteira da Venezuela com Brasil e Colômbia e pediu que os órgãos de segurança permitam a distribuição dos alimentos e medicamentos no regime bolivariano.

“Fazemos um forte apelo aos organismos de segurança e de cumprimento da lei para que mostrem moderação, evitem o uso da força e permitam a entrada de ajuda”, disse a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da UE, Federica Mongherini.

Já o secretário de Estado americano, Mike Pompeu, agradeceu sábado à noite o empenho e a postura do Brasil e da Colômbia na tentativa de entregar ajudar humanitária ao povo venezuelano.

Ação diplomática

Depois do confronto envolvendo cidadãos venezuelanos radicados no Brasil e militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) na fronteira entre os dois países ontem, o Estado de S. Paulo ouviu as primeiras impressões de oficiais do Exército envolvidos na Operação Acolhida e integrantes do pelotão de fronteira do 7.º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), responsável pela segurança na fronteira com a Venezuela.

Os militares brasileiros fizeram uma varredura em solo próximo à linha de fronteira para afastar os últimos venezuelanos que continuavam atacando bases das forças leais a Maduro. Para eles, as forças venezuelanas “agrediram o Brasil” e avançaram sobre a fronteira ao se deslocarem até o último marco físico e revidarem as pedradas, além de terem disparado bombas de gás contra o território nacional.

“Foi um episódio lamentável. Ninguém esperava que isso acontecesse no nosso território. Recebemos uma chuva de gás lacrimogêneo vindo do território venezuelano e esperamos que isso não fique assim”, disse o coronel José Jacaúna, chefe da Operação Acolhida, que, segundo ele, foi afetada e paralisada ontem. “Algo deve ser feito em termos de relações internacionais. Alguma ação diplomática em face a esse governo (Maduro) que nos atacou. Não há uma ofensa ao território nacional, mas há rusga.”

“Quem vai dizer que foi uma agressão ao País é o presidente (Jair Bolsonaro), nosso comandante. Não reconhecemos o governo Maduro. A diplomacia já disse isso e é quem deve se manifestar”, completou.

A situação foi comparada por um militar a conflitos ocorridos durante a missão de paz da ONU no Haiti, liderada pelo Brasil. Ele pediu para não ser identificado e disse que o Exército agiu apenas com alguns militares desarmados na linha de fronteira para “evitar uma escalada desnecessária da violência”.

Até o começo da noite de ontem, o governo brasileiro não havia se manifestado em relação à declaração do comandante da Operação Acolhida.

Tranquilidade

Em entrevista ao Estado de S. Paulo publicada ontem, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse que “não há possibilidade de confronto militar” entre Brasil e Venezuela apesar dos conflitos como os registrados na fronteira na sexta-feira e ontem.

“A determinação que nós recebemos do presidente Jair Bolsonaro é de que, de jeito nenhum, as Forças Armadas brasileiras atravessarão a fronteira”, disse o general. “De forma alguma nós vamos manter qualquer ingerência em relação ao território venezuelano.”

O ministro também afirmou que não houve o aumento de pessoal militar em Pacaraima e que “a posição das nossas forças no local é de completa normalidade”.

Na manhã deste domingo, 24, a fronteira entre Brasil e Venezuela em Roraima amanheceu mais tranquila. O fluxo de imigrantes vindos da Venezuela voltou à divisa, apesar do fechamento da fronteira. Venezuelanos vindos de Santa Elena do Uairen disseram que apesar do fechamento oficial da divisa, os próprios guardas da fronteira sugerem que eles atravessem para o Brasil pelas trocas – trilhas no mato ao lado da estrada. Ainda há um efetivo da GNB guardando a aduana, mas já não em formação de coluna como havia ontem.

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