Após mais de dois anos ocupando o campo de Lützerath, à beira de uma mina de carvão a céu aberto no oeste da Alemanha, ambientalistas locais convocaram manifestantes da Europa para uma procissão no último fim de semana. O setor energético se tornou ainda mais crítico no país desde a Guerra na Ucrânia, que agravou a crise e culminou na reabertura de usinas no país que é altamente dependente do gás russo.
As autoridades anunciaram que cerca de 70 policiais ficaram feridos, 150 manifestantes estão sendo investigados e 12 foram presos depois das mobilizações do fim de semana.
Com jaquetas coloridas e capas de chuva para se protegerem de uma chuva torrencial, milhares de pessoas (35 mil, de acordo com as organizações, e 15 mil, segundo autoridades alemãs) seguravam cartazes com os dizeres "Parem com o carvão", "Lützerath vive", sob comando da ativista climática sueca Greta Thunberg, conhecida por se ausentar da escola para protestar no parlamento sueco, exigindo ações para mitigar mudanças climáticas.
Os manifestantes que se opõem à expansão da mina de carvão a céu aberto acusaram a polícia de reprimir “violentamente” os protestos. Indigo Drau, porta-voz dos organizadores da manifestação, denunciou a "violência pura" demonstrada pela polícia alemã no sábado. Ele alegou que os policiais “espancaram os ativistas climáticos, acertando vários deles na cabeça”.
O coletivo Lützerath lebt! (Lützerath vive!) relatou ferimentos em dezenas de ativistas, alguns deles graves. Cerca de 20 foram hospitalizados, de acordo com Birte Schramm, uma enfermeira do grupo.
Por outro lado, a polícia anunciou que 70 agentes ficaram feridos no sábado e que processos judiciais foram instaurados contra cerca de 150 pessoas por resistirem aos policiais, danificarem propriedades ou perturbarem a ordem.
"Fomos alvo de projéteis, com pedras, lama e fogos de artifício", disse o porta-voz da polícia, Andreas Müller, à agência France-Presse. De acordo com a polícia, várias viaturas policiais foram também danificadas com o arremesso de pedras ou furos nos pneus.
Políticos dos Verdes considerados traidores
Os ativistas também definiram outros destinos para as manifestações. “Acabamos de ocupar o escritório regional de Habeck, que também é o escritório do partido dos Verdes de Flensburg, na região de Schleswig-Holstein", anunciaram membros do movimento ambientalista Ende Gelände (Fim do terreno), no Twitter, na sexta-feira (13). Esse escritório pertence a Robert Habeck, vice-chanceler e ministro da Economia e Clima do governo de Olaf Scholz.
Na fachada do prédio, uma faixa declarava "solidariedade a Lützerath". Para os participantes do grupo, Robert Habeck é "o grande responsável pela evacuação violenta da região para a ampliação da mina”.
Habeck declarou “compreender todos aqueles que saem às ruas para defender o clima”. Ele, no entanto, fez questão de dizer que "cumprir os prazos de desativação nuclear" e, portanto, reabrir as usinas movidas a carvão, foi "um grande sucesso para o movimento climático".
O partido político faz parte da coligação governamental do social-democrata Olaf Scholz. Os manifestantes apontam para uma traição da bancada governista ao assinar com a RWE, uma empresa alemã que atua na distribuição de gás natural e na geração e distribuição de energia elétrica, “permitindo a destruição de Lützerath, cujos habitantes foram expropriados há anos”.
O governo considera a extensão da mina necessária para a segurança energética da Alemanha, que busca compensar a interrupção do fornecimento de gás russo.
Histórico energético
Quando a Alemanha decidiu trocar a matriz energética para opções menos poluidoras do que as centrais de carvão, investiu nas energias eólica e solar em primeiro lugar, e no gás como segunda opção.
“Foi um fiasco. A Alemanha instalou uma capacidade gigante onde a área de insolação era baixíssima e com pouco vento. Além disso, essas instalações concorreram com áreas agrícolas”, explica Ricardo Fernandes, analista de riscos e internacionalista.
Outro problema nessa transição energética foi a dependência que o país criou na importação de gás estrangeiro, especialmente o russo.
No final de junho de 2022, devido ao corte de gás russo da Gazprom, como forma de Vladimir Putin pressionar os europeus, o Ministério da Economia alemão anunciou que a saída seriam as usinas de carvão. O país decidiu reativar 15 delas para a produção de energia.
“É ruim dizer isso, mas é indispensável para reduzir o consumo de gás”, informou o ministro Robert Habeck, em meados de 2022.
Ao contrário de países vizinhos como a França, que investem na energia nuclear como alternativa aos combustíveis fósseis, a Alemanha, quando estava sob a liderança de Angela Merkel, decidiu desativar usinas nucleares, pelos possíveis riscos de vazamento. Uma opção aparentemente sustentável, mas, na prática, não é nada ecológica e ainda prejudicou a economia do país, com a energia mais cara do continente.
Dependência do combustível fóssil
Mesmo antes da guerra na Ucrânia, diante da queda de 15% na produção eólica, a Alemanha aumentou, desde 2021, a produção das centrais elétricas movidas a carvão em 22%.
O gás, o petróleo e o carvão representam 66% do consumo de energia alemã. Além disso, cerca de 47% da eletricidade produzida no país em 2021 veio de combustíveis fósseis. “A economia alemã é totalmente dependente do fóssil poluente e se encontra especialmente vulnerável diante da guerra na Ucrânia”, disse Fabien Bouglé, especialista em política energética, ao jornal francês Le Figaro.
Além do desmatamento de vilarejos para a construção de minas, as centrais elétricas movidas a carvão geram uma poluição de 1.000 g de CO2 / kWh. Centrais nucleares, que foram uma alternativa recusada pelos ecologistas alemães, produzem muito menos: cerca de 6 g de CO2 / kWh.
“A Alemanha será um dos principais atores da degradação do clima e continuará sendo o patinho feio da União Europeia e do mundo. São os pretensos ecologistas que sustentam esse modelo desastroso para o planeta”, concluiu Bouglé.