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O governo de Alberto Fernández está acusando a gestão de Maurício Macri de ter contrabandeado munições antimotim à Bolívia em novembro de 2019 para “apoiar o golpe de Estado” contra Evo Morales. Macri e três de seus ex-funcionários estão sendo investigados na justiça. Entenda o caso.
A carta
A denúncia surgiu depois que o ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Rogelio Mayta, divulgou, no início de julho, uma carta supostamente escrita em 13 de novembro pelo general boliviano Jorge Terceros, na época comandante da Força Aérea da Bolívia, ao então embaixador argentino em La Paz, Normando Álvarez. Nela, Terceros agradecia o embaixador pela “colaboração prestada à esta instituição armada” e citava o recebimento de cartuchos antimotim, gás lacrimogêneo e granadas de gás.
Junto com a imagem da carta, Mayta publicou em seu Twitter: “O governo de Maurício Macri forneceu ‘material bélico’ ao regime de fato de Jeanine Áñez em 2019 para reprimir os protestos sociais e para [ela] se consolidar no governo pela força. Os massacres de Sacaba e Senkata não podem ficar impunes”. De acordo com organizações de direitos humanos, 20 pessoas morreram nestas localidades durante protestos, nos dias em que Áñez assumiu o governo da Bolívia.
Álvarez disse que não havia recebido carta de agradecimento de nenhum comandante boliviano. Terceros, que está preso na Bolívia, negou que a carta seja autêntica. Porém, um adido militar na embaixada argentina constatou a autenticidade de sua assinatura na cópia apresentada pelo ministro boliviano, o que indica que ele recebeu a carta.
Alberto Fernández aceitou a acusação contra o seu rival político e disse que investigaria o caso.
"Descobriu-se que uma remessa de material foi enviada de nosso país que só pode ser interpretada como um reforço da capacidade de ação das forças sediciosas contra a população boliviana naqueles dias", escreveu o chefe de governo da Argentina. "Foi uma colaboração decidida pelo governo do então presidente Mauricio Macri com a repressão militar e policial sofrida por aqueles que defendiam a ordem institucional em seu país", acrescentou.
Macri assegurou que a denúncia é parte de uma operação política e disse que naquele período a embaixada argentina em La Paz deu asilo a funcionários de Evo Morales.
Denúncia na justiça
Dias depois, o ministro da Justiça da Argentina, Martín Soria, anunciou que o governo levaria o caso à justiça, após ter encontrado, em investigações internas, inconsistências nos registros de envio de munições e outros materiais antimotim não letais à Bolívia.
Em 16 de julho, o Ministério Público levou adiante a denúncia de “contrrabando agravado”, abrindo uma investigação contra Mauricio Macri; a ex-ministra de Segurança Pública, Patricia Bullrich; o ex-ministro da Defesa Oscar Aguad; o então embaixador argentino Normando Álvarez; o ex-diretor da Gendarmaria Nacional Argentina Gerardo José Otero; o ex-diretor de logística da instituição Rubén Carlos Yavorski; e Carlos Miguel Recalde, ex-diretor da Direção de Operações da Gendarmaria.
O que se sabe até agora
Um avião da Força Aérea da Argentina aterrissou em La Paz em 13 de novembro, um dia depois de Áñez ter assumido a presidência do país, levando guardas da Gendarmaria Nacional Argentina, munições e material antimotim para resguardar a embaixada do país na capital boliviana em meio aos protestos violentos.
Em um primeiro momento, previa-se o envio de 3.600 balas de borracha, mas posteriormente Yavorski aumentou o pedido de autorização à Agência Nacional de Materiais Controlados (Anmac) para levar à Bolívia mais 70 mil munições.
Esse material não voltou à Argentina. Foi usado na Bolívia em “exercícios de treinamento e práticas de tiro”, segundo informou a Gendarmaria da Argentina em um informe do ano passado. O governo Fernández acredita ser “impossível” que tenham usado tantas balas de borracha em treinamentos.
O governo de Luis Arce, por sua vez, afirmou que parte do material ainda está com a polícia boliviana e que não há documento sobre sua entrada na Bolívia.
O processo está em fase inicial. O juiz Javier López Biscayart, que analisa a denúncia, fez uma série de solicitações às instituições do governo, inclusive pediu ao Ministério das Relações Exteriores que a carta original de Terceros a Álvarez seja apresentada no processo.