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Existe uma crise em ebulição no cosmos ou, talvez, na comunidade cosmológica. Para alguns astrônomos, o universo estaria se expandindo rápido demais. Medições recentes das distâncias e velocidades de galáxias longínquas não concordam com o “modelo padrão” do cosmo, conquistado a duras penas e prevalente nas últimas duas décadas.

O resultado mais recente mostra uma discrepância de 9% no valor da constante de Hubble, um número muito procurado que descreve a velocidade de expansão do universo. Só que em uma demonstração de quão exata os cosmólogos pensam que sua ciência se tornou, essa pequena disparidade estimulou um debate sobre o quanto conhecemos acerca do cosmos.

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“Se for real, vamos aprender uma física nova”, diz Wendy Freedman, da Universidade de Chicago, que passou a maior parte da carreira mapeando o tamanho e o crescimento do universo.

A constante de Hubble, que leva esse nome por causa de Edwin Hubble, astrônomo dos observatórios de Mount Wilson e Carnegie que descobriu que o universo está em expansão, sempre animou os astrônomos. Num universo em expansão, quanto mais longe algo está de você, mais rápido ele se afasta. A constante de Hubble diz o quanto.

Porém, efetuar essa medição exige adivinhar as distâncias das luzes no céu – estrelas e galáxias inteiras que nunca poderemos visitar nem recriar em laboratório. Desde a época de Hubble, a estratégia tem sido achar as “velas padrão”, estrelas ou galáxias cujas distâncias podem ser calculadas pela intensidade de seu brilho em relação ao planeta Terra.

Só que essas referências em si precisam ser calibradas, o que levou a uma cadeia frágil de hipóteses e medições na qual pequenos erros e discordâncias – por exemplo, sobre quanta poeira interfere na observação – podem tomar proporções cósmicas. Há apenas três décadas, astrônomos renomados não chegavam a um consenso se o universo tinha dez bilhões ou 20 bilhões de anos. Agora, todos concordam que sua idade é de cerca de 13,8 bilhões de anos.

Usando uma nova geração de instrumentos como o Telescópio Espacial Hubble, os astrônomos têm diminuído continuamente a incerteza da constante de Hubble.

ESA/ATG MEDIALAB; BACKGROUND: ESO/NYT

Chegando perto

Em 2001, uma equipe liberada por Freedman informou um valor de 72 quilômetros por segundo por megaparsec (perto de 3,3 milhões de anos-luz), nas unidades mastodônticas que os astrônomos preferem. O dado significava que a cada 3,3 milhões de anos-luz que uma galáxia se afastava de nós, ela se movia 72 quilômetros por segundo mais rapidamente. A estimativa original de Hubble era muito mais alta – 500 nas mesmas unidades de medição.

O resultado de Freedman tinha uma margem de erro que o deixava alegremente constante com outros cálculos mais indiretos, que obtiveram um valor levemente menor de 67 para a constante de Hubble. Esses outros cálculos derivam de estudos das micro-ondas emitidas e ainda vibrando no céu desde a primeira bola de fogo do Big Bang.

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Por causa disso, nos últimos anos, os astrônomos criaram uma receita para o universo que é tão negro e decadente quanto um pedaço de bolo de chocolate meio amargo. O universo é composto de aproximadamente 5% de matéria atômica por peso, 27% da misteriosa matéria escura e 68% da ainda mais misteriosa energia escura que acelera a expansão cósmica. Não faz mal que não saibamos exatamente o que é essa coisa escura. Os astrônomos têm uma boa teoria sobre como o universo se comporta, o que lhes permitiu contar uma história plausível sobre como o universo evoluiu desde quanto tinha um trilionésimo de segundo de idade até agora.

Mas agora a precisão do Hubble ficou aparentemente melhor, e o universo pode novamente ter problemas.

Em meados do ano passado, uma equipe chefiada por Adam Riess, da Universidade Johns Hopkins, e o Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, usando o Telescópio Espacial Hubble e o gigantesco Telescópio Keck, em Mauna Kea, Havaí, e as explosões de supernovas como marcadores definitivos de distâncias, chegaram a um valor de 73, mais ou menos 2,4%, para aquela constante evasiva.

Isso teve efeitos porque, se fosse verdade, a constante de Hubble como observada hoje era claramente incompatível com o resultado do valor menor e mais baixo de 67, calculado a partir de dados obtidos, em 2013, pela sonda europeia Planck a partir da radiação cósmica de fundo do Big Bang. As observações da missão Planck que mostram o universo quando ele tinha somente 380 mil anos são consideradas o padrão de excelência da cosmologia.

O fato de a receita cósmica padrão poder agora ser modificada – por exemplo, para levar em conta uma nova espécie de partículas subatômicas circulando pelo espaço por causa do Big Bang – depende da pessoa com quem se fala. Há quem diga ser cedo demais para se animar com a nova física esgueirando-se por uma discrepância tão pequena em um campo famoso pela controvérsia. Com mais dados e melhor compreensão das incertezas estatísticas, há quem diga que a discrepância pode desaparecer.

“Nenhuma explicação que eu conheça é menos feia do que o problema”, afirma Lawrence M. Krauss, teórico da Universidade Estadual do Arizona.

NASA/NYT

Para outros, este pode ser o começo de algo grande. David Spergel, cosmólogo da Universidade Princeton e da Fundação Simons, chamou a discrepância de “muito intrigante”, mas não se disse convencido de que esse seria o sinal de uma física nova. Para Michael S. Turner, da Universidade de Chicago, “se a discrepância for real, este pode ser o rompimento do atual modelo padrão altamente bem-sucedido da cosmologia e justamente o que a geração mais jovem deseja – uma chance para grandes descobertas, novos insights e revoluções”.

Riess e o colega Stefano Casertano conseguiram praticamente a mesma resposta de 73 em meados do ano passado, fortalecendo a afirmativa de incompatibilidade das constantes de Hubble. Eles utilizaram dados anteriores da sonda europeia Gaia, que está medindo as distâncias de mais de um bilhão de estrelas por triangulação, permitindo assim aos astrônomos saltar alguns dos patamares inferiores da escala de distância.

Eles calcularam que a probabilidade de essa discrepância ser um acaso estatístico era inferior a uma parte em cem – o que pode ser bom no pôquer, mas não na física, que exige probabilidades de menos de um em um milhão para fundamentar a afirmativa de uma descoberta.

“Acho que isso tem o potencial de ser um tema sério. Nessa linha de pesquisa, o diabo está nos detalhes. E depois que os detalhes são corrigidos, ficamos com um grande quebra-cabeça”, afirma Alex Filippenko, astrônomo da Universidade da Califórnia que faz parte da equipe.

George Efstathiou, da Universidade de Cambridge, e um dos líderes da missão Planck responsável pela análise cosmológica, acredita que Riess e equipe subestimaram os erros em sua medição.

“Assim, em resumo, eu acho que os resultados da Planck são seguros”, ele afirma. Referindo-se aos outros astrônomos, “eles podem estar certos e nós temos de modificar o modelo padrão, mas a prova me parece fraca”.

Riess e colegas, entretanto, defendem seu trabalho, e a coisa se complicou ainda mais em dezembro, quando o grupo H0LiCOW (não pergunte por que) do Instituto Max Planck para Astrofísica, em Garching, Alemanha, anunciou um valor de 72 para a constante de Hubble, também inconsistente com a análise da missão espacial Planck.

Chefiados por Sherry Suyu, do Max Planck, o grupo mensurou os raios de luz de cinco quasares cintilantes enquanto seguiam diferentes caminhos ao redor de galáxias maciças lá do espaço sideral até nós. Segundo eles, a técnica depende somente da geometria e da teoria da gravidade de Einstein, da relatividade geral, tornando-a independente de outras suposições a respeito de poeira ou da composição dos astros.

No ano passado, o Levantamento Espectroscópico da Oscilação dos Bárions (Boss, na sigla em inglês), definiu a constante de Hubble em 68, baseado em como 1,5 milhão de galáxias estavam aglomeradas no espaço e no tempo, mas ele empregou dados das micro-ondas cósmicas de fundo para calibrar.

NASA/NYT

E agora?

Para Riess, existe espaço para interpretações, e tanto os resultados modernos quanto os antigos podem estar corretos, pois o Planck mede a constante de Hubble de forma indireta como um dos vários parâmetros no modelo padrão do universo. Outros parâmetros podem ser ajustados.

É aí que a nova física pode surgir.

Segundo Riess, os candidatos mais prováveis a preencher a lacuna podem ser a nova forma das partículas fantasmas chamadas neutrinos, conhecidas por serem abundantes no cosmos. Os neutrinos são de três tipos, e podem se transformar uns nos outros enquanto viajam pelo espaço; físicos sugeriram a possibilidade de haver um quarto tipo, os neutrinos estéreis, que não interagem com nada.

A descoberta poderia abrir novos campos na física de partículas e, talvez, lançar luzes, por assim dizer, na busca pela compreensão da matéria escura que inunda o espaço e dá sustentação gravitacional às galáxias.

Outra possibilidade é que a mais popular versão da energia escura – conhecida como constante cosmológica, inventada por Einstein cem anos atrás e, depois, rejeitada como uma gafe – pode ter que ser substituída no modelo cosmológico por uma forma mais virulenta e controversa conhecida como energia fantasma, que poderia fazer o universo se expandir com tanta rapidez que até os átomos seriam rasgados em uma Grande Ruptura, daqui a bilhões de anos.

“Essa é uma tensão muito interessante”, diz Riess. “É por isso que jogamos esse jogo. Procuramos algo que não se encaixa.” Ainda segundo ele, “pistas sobre o setor escuro ou sobre a física fundamental estão em jogo”.

Esta é a era da “cosmologia da precisão” e embora todos concordem que ainda é cedo demais para saber, a avalanche de dados de Gaia e do futuro telescópio espacial James Webb só está começando, assegura Freedman. Ela espera que, nos próximos anos, a constante de Hubble possa ser medida com uma exatidão de 1%.

“É isso o que deixa tudo interessante – o fato de ser factível; e muito trabalho está sendo realizado agora que nos permitirá resolver a questão nos próximos anos. É isso que nos faz querer trabalhar novamente com a questão”, diz ela.

Segundo Freedman, a situação se parece com a do final da década de 1990, quando as distâncias discrepantes para explosões de supernovas longínquas levaram à descoberta de que a expansão do universo estava acelerando sob a influência da energia escura. Riess ganhou um Prêmio Nobel por sua participação nessa pesquisa, e a energia escura conquistou seu lugar na ortodoxia cósmica.

“Não chega a ser um ‘déjà vu’, mas é engraçado que sempre que meus colegas e eu olhamos o universo contemporâneo com nossos equipamentos para medir velocidade, ele se expande rápido demais para as expectativas contemporâneas”, afirma ele.

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