Os dois lados que participam da guerra civil no Iêmen concordaram, nesta quinta-feira (6), em realizar uma troca de prisioneiros, no primeiro avanço concreto das conversas para um acordo de paz realizadas na Suécia.
"Estou feliz em anunciar a assinatura de um acordo para a troce de prisioneiros", disse o enviado da ONU para o Iêmen, Martin Griffiths, logo no início da negociação. Segundo ele, com a decisão, milhares de famílias vão poder se reunir.
Segundo a Cruz Vermelha, ao menos 5.000 pessoas devem ser liberadas com o acordo.
O representante da ONU e a ministra de Relações Exteriores da Suécia, Margot Wallstrom, são os responsáveis por mediar o diálogo entre o governo iemenita apoiado pela coalizão liderada pela Arábia Saudita e os rebeldes houthi, apoiados pelo Irã.
Um castelo na cidade de Rimbo, ao norte de Estocolmo, foi o local escolhido para sediar as conversas. Esta é a primeira vez desde 2016 que os dois lados do conflito enviam representantes para o diálogo, aumentando assim a possibilidade de algum tipo de acordo.
Milhares de pessoas já morreram no conflito desde 2015, que deixou cerca de 14 milhões de pessoas sob risco de passar fome. A ONU já classificou a situação no país como a maior crise humanitária da atualidade.
A pressão por uma resolução aumentou após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, morto no consulado saudita em Istambul, na Turquia.
O caso fez diminuir o apoio ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, principal idealizador e defensor do apoio de Riad ao governo iemenita. O líder saudita é suspeito de ter ordenado a morte do jornalista, um antigo crítico seu.
Apesar dos apoios de países da região, nenhum dos lados consegue avançar e o conflito segue em um impasse.
O que está em jogo?
Os houthis controlam a capital, Sanaa, e a maior parte das áreas mais populosas, enquanto o governo segue sendo reconhecido pela maior parte da comunidade internacional, embora tenha sido obrigado a se deslocar para a cidade de Aden, no sul.
Griffiths, da ONU, disse que a retomada do diálogo é um marco e disse que vai buscar um acordo que envolva a reabertura do aeroporto de Sanaa, o respeito ao Banco Central e a implementação de um cessar-fogo em Hodeidah, o principal porto do país. O local está sob poder dos houthis, mas a coalizão do governo lançou uma campanha para retomá-lo.
Um acordo que envolva estes três pontos poderia ainda ser ampliado para incluir o fim dos ataques aéreos realizados pela coalizão, que já mataram milhares de civis, e dos lançamentos de mísseis dos houthis contra cidades sauditas.
Uma fonte da ONU disse à agência de notícias Reuters que os dois lados ainda estavam longe de concordar com as três questões, especialmente sobre quem deveria administrar o porto de Hodeidah e se os houthis deveriam abandonar inteiramente a cidade.
A ONU está tentando evitar um ataque em larga escala ao local, o ponto de entrada para a maioria dos bens e ajuda comercial do Iêmen.
A outra rota principal dentro e fora do território houthi é o aeroporto de Sanaa, mas o acesso é restrito pela coalizão liderada pela Arábia Saudita que controla o espaço aéreo.
O chefe do Supremo Comitê Revolucionário dos houthis, Mohammed Ali al-Houthi, disse nas redes sociais que se nenhum acordo for fechado para reabrir o aeroporto, seu grupo irá bloquear todos os acessos ao local, incluindo veículos da ONU e de ajuda humanitária.
Como começou a guerra civil no Iêmen?
O Iêmen vive uma persistente instabilidade política. O então presidente Ali Abdullah Saleh foi derrubado em 2011, dentro dos movimentos que marcaram a Primavera Árabe. Chegou-se a formar um movimento para conduzir a transição, incluindo todos os partidos políticos que forneceriam sugestões para reformas. Também seriam realizadas eleições e, eventualmente, seria escrita uma nova constituição. Mas as iniciativas fracassaram.
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“O movimento houthi inicialmente participou, mas acabou se desiludindo”, diz Kelly McFarland, diretor de programas e pesquisa do Institute for the Study of Diplomacy da Georgetown University (EUA).
Concentrados no Norte, os rebeldes começaram, a partir de 2014, ocupar partes do país. “E aproveitando a instabilidade da região, eles tomaram a capital Sanaa”, diz o professor Márcio Scalércio, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Não foi a primeira rebelião dos houthis contra o governo iemenita. Segundo McFarland, entre 2004 e 2010 houve seis conflitos, o último deles com intervenção da Arábia Saudita.
Quem são os houthis?
De um lado do conflito estão os houthis, um movimento político e religioso formado por muçulmanos xiitas que seguem a linha zaidi, e do outro, o governo do Iêmen. Segundo a ONG Minority Rights Group International, que defende os interesses de minorias no mundo, os zaidistas correspondem a aproximadamente 40% dos 28 milhões de habitantes.
“É uma minoria extremamente empobrecida”, diz Scalércio. Eles tiveram um papel ativo na política do país do Oriente Médio até 1962, quando foi derrubada a monarquia iemenita. “Desde então, o governo vem reprimindo econômica e culturalmente a sua região. Mais recentemente, o governo acusou os zaidis de serem aliados do Irã e uma ameaça existencial”, diz McFarland.
Que países estão envolvidos no conflito?
A guerra civil do Iêmen é o retrato da disputa geopolítica entre a Arábia Saudita e o Irã. Os sauditas veem os houthis como aliados dos iranianos e temem que estes se fortaleçam na Península Arábica. Segundo McFarland, o Irã fornece ajuda há tempo para o movimento houthi e vem equipando e treinando o grupo desde 2011.
O Soufan Center destaca que a Árabia Saudita vê o Iêmen como área de importância crítica, exercendo controle sobre áreas estratégicas e fornecendo apoio para várias tribos.
Na batalha pela influência na região, o Irã tornou-se um participante relevante no conflito. A atuação, segundo o think tank, é uma forma de “sangrar e humilhar a Arábia Saudita no contexto de sua guerra regional existencial contra os sauditas”.
O Irã está fornecendo ao movimento Houthi armas, incluindo mísseis balísticos de curto alcance, que teriam sido usados para atingir alvos na Arábia Saudita, inclusive na periferia da capital Riad.
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Já os Emirados Árabes Unidos – um dos principais aliados dos sauditas - vêm afirmando agressivamente seu interesse pelo Iêmen, especialmente no sul, solidificando sua base de poder nas cidades estratégicas de Aden e Hadramaut. “Agora são vistos por alguns – iemenitas e parceiros de coalizão – como uma força de ocupação no país”, ressalta o think tank.
Mas o interesse no conflito não se restringe a esses países, lembra Scalércio, da PUC-Rio. Outros que estão apoiando a Arábia Saudita são o Bahrein, o Egito, o Marrocos e o Sudão. Estados Unidos e o Reino Unido estão fornecendo apoio militar aos sauditas e seus parceiros de aliança. Bombas fabricadas pelos Estados Unidos foram usadas em ataques à população civil iemenita, segundo informações da CNN.
Segundo o Soufan Center, isto precisa ser revisto. “Objetivos como desestruturar a Al-Qaeda na Península Arábica precisam ser consideradas diante dos efeitos devastadores da guerra na população iemenita.”
Por que a região é importante?
A localização geográfica do Iêmen contribui para a sua importância estratégica. Pelo Mar Vermelho passa um terço do petróleo mundial. Segundo o Soufan Center, think tank especializado em questões de segurança baseado em Nova York, qualquer negociação para um acordo de paz precisa levar em consideração a importância geográfica do país, as influências regionais e os interesses globais no Iêmen.
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