A mídia estatal norte-coreana estava empolgada nesta segunda-feira (1º). A "reunião do século" entre o líder supremo Kim Jong-un e o presidente americano Donald Trump na fronteira sul-coreana abriu uma porta para a paz e a reconciliação depois de uma longa história de hostilidade entre as duas nações, declarou uma publicação da imprensa estatal.
Ao longo de três páginas coloridas, o jornal Rodong Sinmun, porta-voz oficial do Partido dos Trabalhadores da Coreia, comemorou com imagens dos dois líderes se encontrando na linha de demarcação militar para negociações no lado sul-coreano da fronteira.
O jornal relatou com satisfação o momento histórico – "em que um presidente americano atravessou a linha de demarcação militar e entrou em nosso território pela primeira vez".
Mas o artigo se concentrou muito mais no fato de que os líderes de três países – Coreia do Norte, Coreia do Sul e Estados Unidos – cruzaram livremente uma linha divisória que antes representava apenas hostilidade e confronto.
Essa cena histórica na vila fronteiriça de Panmunjom "chocou o mundo", disse a publicação. "Ela também mostrou que uma nova história de reconciliação e paz começou em Panmunjom, que tem uma longa história de desconfiança, incompreensão, conflito e antagonismo."
Trump passou grande parte do domingo reclamando que a mídia norte-americana não lhe deu crédito por acalmar as tensões com Pyongyang. Mas não houve críticas pela mídia estatal da Coreia do Norte, que celebrou a "decisão ousada, enorme e corajosa" dos dois líderes.
A determinação deles, disse o jornal, criou um "evento maravilhoso que gerou uma confiança sem precedentes" entre dois países rivais que sofrem com uma hostilidade profunda.
Mudança de abordagem
Nos Estados Unidos, Trump foi alvo de críticas por legitimar o líder de um Estado que possui armas nucleares e que submete seu país ao regime possivelmente mais repressivo do planeta. É provável que as repetidas descrições de Trump de seu "ótimo relacionamento" com Kim impactem as muitas pessoas desesperadas cujos entes queridos definham nos campos de prisioneiros do regime.
John Delury, estudioso da Ásia Oriental na Universidade Yonsei, em Seul, argumenta que isso ignora o fato de o regime da família Kim ter legitimado domesticamente seu regime por sete décadas sem a aprovação dos EUA – e, de fato, por meio da percepção da hostilidade americana.
O foco de Kim no desenvolvimento econômico nos últimos 18 meses já representa uma mudança fundamental, disse ele.
"Kim está mudando os fundamentos de sua legitimidade de duas maneiras", disse ele. "Em vez de dizer 'eu vou mantê-los seguros' ele está dizendo 'eu vou ajudá-los a prosperar'. Isso abre todos os tipos de possibilidades – de que a Coreia do Norte deixará de ser um estado sitiado e passará por uma trajetória mais normal como um país do Leste Asiático".
A mudança, segundo Delury, está longe da ideia de que os Estados Unidos são sempre o inimigo. Um povo que passou por uma longa lavagem cerebral sobre como os americanos são os vilões acordou nesta segunda-feira com imagens de Kim cumprimentando calorosamente e conversando com um presidente dos EUA.
Antes, Kim prometia proteger seu povo dos maus imperialistas americanos e agora passou a fazer as pazes com eles, disse Delury.
Essa é exatamente a história que os Estados Unidos deveriam querer que o regime norte-coreano contasse ao seu povo, disse Delury. "Os americanos não se sentem em guerra com a Coreia do Norte, então eles devem ficar felizes se os norte-coreanos receberem uma visão diferente dos americanos, uma visão que seja menos hostil."
O último encontro de Trump com Kim, em Hanói, em fevereiro, terminou em fracasso, com a cúpula encerrada de forma abrupta e um almoço cancelado.
Kim deixou o encontro irritado, dizem especialistas, e seu constrangimento provocou uma reação previsível nos meses seguintes, com denúncias contra os Estados Unidos – embora não contra o próprio Trump – pela mídia estatal e com testes de mísseis balísticos de curto alcance pelo regime.
A reunião de domingo na fronteira permitiu que Kim, Trump e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, saíssem declarando vitória, e os Estados Unidos e a Coreia do Norte prometessem chegar a negociações em nível de grupo de trabalho em poucas semanas.
Ainda assim, muitas pessoas estavam insatisfeitas. Thae Yong Ho, um ex-diplomata norte-coreano que desertou para a Coreia do Sul em 2016, destacou o fato de Trump ter cruzado primeiro para o território norte-coreano, antes de Kim acompanhá-lo para negociações no lado sul da fronteira.
Na cultura asiática, é o parceiro júnior em um relacionamento que deve visitar a casa do superior – assim como Kim visitou a China quatro vezes antes de o presidente chinês Xi Jinping visitar Pyongyang. Assim, ao cruzar primeiro para o norte, Trump concedeu a Kim status de igual ou superior, argumentou.
"Foi realmente uma grande vitória para a Coreia do Norte", disse ele, "realmente um evento histórico em sua luta contra os americanos".
Thae comparou a breve travessia de Trump ao solo norte-coreano com a visita de Nixon à China em 1972, ao conceder legitimidade internacional ao regime, assim como o então presidente dos EUA havia concedido legitimidade ao regime de Mao Tsé-Tung, apesar do fato de o regime ter matado dezenas de milhões de seu próprio povo.
Kim, ele disse, realizou mais de uma dúzia de encontros com grandes líderes desde que declarou a Coreia do Norte como um estado nuclear em novembro de 2017, e se tornou uma "estrela da mídia" global.
"Isso prova para a Coreia do Norte o quão fortes e valiosas são suas armas nucleares", disse ele. "Por causa dessas armas nucleares, a Coreia do Norte, o menor país da região, o país mais pobre da região, pode se tornar uma espécie de jogador importante nessa região".
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