Em uma nação atingida pela pobreza generalizada, os meios de comunicação estatais norte-coreanos usaram toda a sua máquina propaganda nesta semana para marcar a conclusão de uma cidade em grande parte nova: Samjiyon - a "utopia socialista" do país, como disse a agência de notícias estatal.
Com pistas de esqui, instalações comerciais e casas para milhares de famílias, de acordo com a propaganda da mídia estatal, a cidade parece concebida para projetar uma imagem muito diferente da Coreia do Norte do que a imagem brutal relatada por sobreviventes que escaparam da tortura promovida pelo regime.
Mas a cerca de 8 mil quilômetros de distância, em uma cidade perto da capital alemã Berlim, o "epítome da civilização moderna" da Coreia do Norte provavelmente soou especialmente falso.
A cidade de Eisenhüttenstadt, no leste da Alemanha, também já foi chamada de utopia socialista - projetada por arquitetos como o modelo ideal para trabalhadores leais.
"Do ponto de vista de um arquiteto, o desenvolvimento dessas cidades era uma situação ideal", disse o arquiteto e editor Philipp Meuser, que começou a se concentrar em projetos de construção socialista depois de uma passagem em Eisenhüttenstadt na década de 1990 - muito depois da cidade ter visto seu apogeu. Ela foi originalmente concebida na década de 1950 como um centro industrial, onde o Estado organizava a vida dos moradores, para que eles pudessem se concentrar no trabalho. Havia amplas ruas, edifícios simétricos e escolas que atendiam toda a população. No começo, funcionou: viver lá era um sonho para muitos cidadãos leais.
Entre as muitas pessoas que foram para lá estava o então ditador norte-coreano Kim Il Sung, que visitou a cidade em maio de 1984.
Cinco anos após a visita do norte-coreano, no entanto, o Muro de Berlim desmoronou, assim como os sonhos da Europa socialista sobre a perfeita cidade modelo. Enquanto a Coreia do Norte sustentava sua autoridade por meio de um reinado brutal, o comunismo e o planejamento urbano utópico que o país amava definharam em todo o mundo.
Em 2000 - apenas uma década após a reunificação alemã - Eisenhüttenstadt estava começando a ganhar manchetes como uma cidade que havia se transformado de "modelo socialista em problema". As forças históricas e a incapacidade da cidade de se adaptar ao capitalismo resultaram em alto desemprego, aumento do apoio ao extremismo e um envelhecimento da população que continuam afundando o antigo centro da modernidade da Alemanha Oriental.
Na Alemanha, a trajetória de Eisenhüttenstadt hoje representa a lacuna histórica entre os grandes sonhos socialistas do Oriente e a realidade sombria de um estado paranoico e falido que espionava seus cidadãos empobrecidos. Em toda a Europa anteriormente comunista, cidades ou distritos semelhantes que antes eram anunciados como modelos se tornaram histórias que hoje servem de advertência política.
Na vizinha Polônia, o paraíso futurista dos trabalhadores socialistas de Nowa Huta, fundado em 1949, é hoje conhecido principalmente como um subúrbio economicamente conturbado de Cracóvia. Na Hungria, a cidade de Dunaújváros sofreu um destino semelhante.
A degradação de projetos modelos não se limitou ao socialismo. Na Suécia, uma grave crise imobiliária desencadeou um dos projetos habitacionais mais ambiciosos da Europa na década de 1970 - chamado "Programa Milhão". Na época, o governo sueco esperava que os novos municípios ao redor de cidades maiores abrigassem a classe trabalhadora e criassem "bons cidadãos".
O objetivo declarado de separar a classe trabalhadora do resto da sociedade inicialmente se tornou uma ideia popular - os trabalhadores se mudaram em massa. Mas isso mudou durante uma crise financeira nos anos 1990. Em alguns distritos do Programa Milhão, o emprego subitamente caiu 50%. As taxas de criminalidade aumentaram. Como resultado, trabalhadores nativos foram embora e migrantes chegaram.
Hoje, os projetos habitacionais separam os migrantes do resto da sociedade sueca - uma divisão que está alimentando a ascensão da extrema direita, segundo pesquisadores.
Enquanto muitas cidades utópicas da Europa foram construídas do zero, Samjiyon, da Coreia do Norte, não é inteiramente nova, segundo a BBC. Para construí-la, as autoridades norte-coreanas remodelaram e expandiram um assentamento já existente.
Os críticos acreditam que a Coreia do Norte tenha usado trabalho forçado para prosseguir com o projeto.
Algumas instalações parecem ainda não estar concluídas, informou a BBC, e os esforços de construção dentro e fora da cidade devem continuar mesmo após as cerimônias desta semana.
Embora a mídia estatal norte-coreana tenha descrito a cidade como um modelo para outras comunidades no país, analistas disseram que seu objetivo mais provável era diferente de suas precursoras europeias. Enquanto antigas utopias socialistas como Eisenhüttenstadt ou Nowa Huta foram planejadas em conjunto com uma fábrica ou indústria próxima e desapareceram quando essas indústrias entraram em declínio, Samjiyon tem semelhanças com as cidades utópicas construídas como uma celebração de líderes políticos.
Alguns exemplos incluem a russa Yoshkar-Ola, onde o ex-governador regional Leonid Markelov ergueu prédios pomposos - inspirados no Kremlin e na Praça San Marco de Veneza - ao lado de prédios de concreto em ruínas. Enquanto isso, no Cazaquistão, o líder de longa data Nursultan Nazarbayev - que renunciou no início deste ano - renomeou a capital Astana em homenagem a si mesmo neste ano. A cidade futurista agora se chama Nur-Sultan.
"O legado de muitos líderes se manifesta na arquitetura e nas cidades", disse Meuser. "Através de uma nova cidade, eles comemoram seu poder."
A construção de Samjiyon pela Coreia do Norte corresponde a esse padrão, como foi executada pelo líder norte-coreano Kim Jong-un, apesar das duras sanções. A cidade parece estar deliberadamente localizada perto do Monte Paektu, considerado o local de nascimento do pai de Kim Jong-un.
"A construção desta cidade visa elevar o significado deste lugar sagrado", disse Meuser.
Apesar de sua celebração como modelo para outras cidades mais comuns - assim como foram anunciadas outras utopias socialistas na Europa pelos líderes da União Soviética ou da Alemanha Oriental - "essa não é uma cidade operária", disse Meuser. "É uma vila de férias", disse ele.