O regime norte-coreano provou mais uma vez porque responde ao título de mais imprevisível do planeta. Às vésperas do aniversário do líder Kim Jong-un, na sexta (8),o país surpreendeu o mundo ao anunciar um teste “bem sucedido” no nordeste do país com bomba de hidrogênio, ou bomba-H – um armamento nuclear milhares de vezes mais letal do que a bomba de Hiroshima. Mas, tão questionável quanto a veracidade do uso desse tipo de armamento (especialistas se mostram céticos), são as intenções por trás dessa demonstração de poder.
Não é o primeiro teste nuclear realizado pela Coreia do Norte. Os três anteriores, com bombas atômicas tradicionais – em 2006, 2009 e 2013 –, levaram a uma série de sanções econômicas impostas pela ONU. Apesar disso, potências como os Estados Unidos nunca se esforçaram para frear as ambições nucleares coreanas da forma como fizeram no Irã. Desta vez pode ser diferente.
Se de fato os asiáticos conseguiram “miniaturizar” esse tipo de armamento, significa que pela primeira vez podem estar perto de implementar um sistema de mísseis capaz de lançar uma bomba atômica intercontinental. O especialista australiano em política nuclear Crispin Rovere define que essa seria a última barreira para que o regime se transformasse em uma ameaça global, não apenas regional.
Até onde Pyongyang estaria disposta a ir intriga os analistas. Para alguns, a demonstração de poder bélico é uma forma de barganha internacional. “A dinastia que comanda o país é uma ditadura que quer exibir sua invulnerabilidade à pressão externa”, defende François Heisbourg, do Instituto de Estudos Estratégicos da França.
Para Toshimitsu Shigemura, professor da Universidade de Waseda, em Tóquio, Kim Jong-un mira o capital político interno. “Esse teste é uma preparação para um congresso de seu partido em maio. Até este momento, Jong-un não tinha grandes conquistas a exibir, mas agora pode se utilizar deste êxito [uma bomba mais ameaçadora] que seu avô e seu pai [antecessores no comando do país], Kim Il-Sung e Kim Jong-Il, não puderam reivindicar”, diz. O congresso do Partido dos Trabalhadores – legenda única na Coreia do Norte – será o primeiro em 36 anos. Na nota emitida à época do anúncio do encontro, em outubro de 2015, ficava claro a necessidade de “reforçar o partido e ampliar seu papel dirigente”.
Regionalmente, o assunto é bem mais espinhoso. A China, principal interlocutora de Pyongyang, “enfrentará uma pressão crescente, ao mesmo tempo nacional e internacional, para punir e frear Jong-un e obrigá-lo a renunciar às armas”, estima Xie Yanmei, analista do International Crisis Group. As relações com a Coreia do Sul também podem se ressentir, levando Seul, como o Japão, a reforçar seu arsenal legislativo e militar diante da ameaça representada pelo regime vizinho”, aponta Crispin Rovere.
Shigemura especula que Kim Jong-un percebeu o timing gerado pelo fato de os Estados Unidos estarem ocupados em outros lugares (Síria, Iraque, Arábia Saudita e Irã), enquanto o presidente chinês, Xi Jinping, enfrenta dificuldades econômicas.