Líderes dos Estados Unidos e da Coréia do Norte devem se encontrar em junho| Foto: Pixabay

A recente aproximação entre as duas Coreias já pode ser considerada como o mais importante acontecimento geopolítico de 2018. Tudo indica que este relaxamento nas tensões entre os dois países levará, em breve, ao término de um conflito que se estende por quase sete décadas.

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O prospecto de paz foi anunciado durante a abertura dos recentes Jogos Olímpicos de Inverno, quando as delegações norte e sul-coreanas se apresentaram juntas, trajando cores e símbolos de paz.

A partir de então, o processo de aproximação desenvolveu-se rapidamente e em nítido contraste com o clima de tensão do ano passado: foi estabelecida uma linha de comunicação telefônica entre os líderes das duas Coreias; Kim Jong-un decretou, em 21 de abril, a suspensão de todos os testes nucleares e balísticos norte-coreanos; e, poucos dias depois, seria realizada uma reunião de cúpula entre ambos os países, na qual reforçariam seu comprometimento com o clima de harmonia e entendimento. 

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Tais eventos geraram uma onda de otimismo em todo o mundo. Até os EUA, que, até então, via com desconfiança os esforços de paz norte-coreanos, passou a afirmar que a mudança de mentalidade em Pyongyang era resultado de sua ‘diplomacia’ coercitiva, caracterizada não pela prática de gestos conciliatórios, mas por promessas de “fogo e fúria”.

Em Washington, o prospecto de paz na península coreana foi imediatamente associado à desnuclearização daquela região. Tal perspectiva pode ser apontada como o fator decisivo para que o governo Trump aceitasse o convite para se reunir com o líder norte-coreano no próximo mês de junho. 

Neste sentido, a já mencionada decisão norte-coreana de suspender testes balísticos e nucleares, vem sendo apontada pela mídia internacional e pelo próprio Presidente Trump, como um indicador de que os esforços nucleares em Pyongyang estão perto do fim. Este entendimento, contudo, não poderia estar mais distante da realidade. 

Testes nucleares atendem a duas finalidades. A primeira, de ordem técnica, serve para confirmar que o dispositivo nuclear explosivo desenvolvido funciona. É normal que um determinado país, após gastar milhões de dólares no desenvolvimento de uma ogiva nuclear, queira se certificar de que sua nova arma funciona. Obtida esta confirmação, a ogiva está pronta para ser produzido em escala industrial, sendo dispensado novos testes para aquele modelo. 

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A segunda razão para a realização destes testes apresenta natureza política. Uma explosão nuclear é, antes de tudo, declaração de significado político. Testes servem para anunciar ao mundo o surgimento da nova potência nuclear.

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A análise mais cuidadosa das declarações norte-coreanas neste sentido revela que a suspensão dos experimentos nucleares resulta não de uma propensão a abrir mão dessas armas, mas da desnecessidade técnica e política de novos testes.  Ninguém duvida que a Coréia do Norte possui as armas e os meios de lançamento necessários para causar dano inaceitável a qualquer força estrangeira com propósitos agressivos. 

O armamento atômico é geralmente descrito na literatura especializada como o “grande equalizador” entre as nações. Por esta perspectiva, tais armas colocam em situação de paridade o menor dos países e o maior dos impérios. A reunião de junho não marca a vitória dos EUA - e da comunidade internacional - sobre o projeto nuclear norte-coreano.

Ela marca o sucesso deste projeto e a percepção de que uma solução militar já não é possível. Claro é que Kim Jong-un não pode mais ser tratado como um “homem-foguete” irracional ou imprevisível. Em junho, ele negociará com o presidente do país mais poderoso do mundo em posição de igualdade e equivalência.

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*Vladmir Pires Ferreira é Doutor em Direito Internacional e membro do THD-ULisboa (Teoria e História do Direito - Centro de Investigação da Universidade de Lisboa).