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Já são mais de 700 casos de coronavírus confirmados nos Estados Unidos. A doença já chegou a 36 dos 50 estados do país e causou 27 mortes. Califórnia, Nova York e Oregon estão em estado de emergência. Ainda que a situação seja calamitosa, o presidente norte-americano, Donald Trump, pode fazer do limão uma limonada e transformar a epidemia em uma importante arma política em ano de eleições presidenciais. Os democratas tentarão fazer o mesmo.
O surto da doença permitiu a Trump e sua equipe discutir diversos pontos que são de extremo interesse do governo, promessas antigas que podem, finalmente, ser colocadas em prática: a imposição de uma segurança mais rigorosa nas fronteiras do país e uma menor dependência da manufatura chinesa.
Recentemente, Trump afirmou, na Carolina do Sul, que “a política democrática de fronteiras abertas é uma ameaça direta à saúde e ao bem-estar de todos os americanos”, independentemente de se tratar do coronavírus ou de outras ameaças à saúde pública. “Quando se tem esse vírus ou qualquer outro problema, não será a única coisa que vai entrar pela fronteira”.
Ainda, um aliado próximo de Trump, o republicano Newt Gingrich, que foi presidente da Câmara dos Deputados dos EUA na segunda metade da década de 1990, trabalha para que a Casa Branca pense em um crédito fiscal específico para empresas que transfiram a manufatura chinesa de volta aos Estados Unidos.
Além disso, o governo poderá definir benefícios fiscais que atinjam principalmente a classe média. Nesta segunda-feira (9), o presidente disse, em coletiva de imprensa, que o governo está analisando com membros do Congresso medidas de alívio econômico, como o corte de impostos sobre a folha de pagamento, para apoiar os norte-americanos afetados pelo surto do coronavírus. Segundo o presidente, a ideia também é oferecer “alívio substancial”, especialmente, ao mercado de aviação, turismo marítimo e hotelaria além de ajudar pessoas que trabalham por hora e pequenos empresários.
O posicionamento de Trump foi reforçado pelo secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, que afirmou que a economia dos EUA é “a mais resiliente no mundo” e que o governo ajudará “pequenas empresas que precisem de liquidez”. Mnuchin também disse que tem conversado diariamente com o presidente do banco central americano, o Federal Reserve, Jerome Powell, sobre a crise causada pela doença. Segundo Mnuchin, Trump está “100% comprometido em apoiar a economia”.
Foco nas eleições
Obviamente, o ato de fechar fronteiras e reduzir impostos não tem o condão de, por si só, impedir que o coronavírus se propague pelos EUA, ainda mais porque o vírus já está sendo transmitido dentro do próprio país, mas as medidas podem ajudar na popularidade de Trump na busca pela reeleição, no pleito que acontece em novembro.
Vale lembrar que Trump teve um resultado bastante satisfatório na Superterça, espécie de primária nacional realizada em 3 de fevereiro. Apesar de o voto não ser obrigatório no país, os eleitores republicanos compareceram em peso às urnas, o que demonstra o apoio popular ao atual presidente.
Até mesmo os votos democratas demonstraram que a ocasião foi muito mais sobre Trump do que sobre Joe Biden e Bernie Sanders, principais nomes do partido adversário na disputa. Grande parte dos eleitores democratas responderam, por exemplo, que escolheram o candidato que acreditavam ter maiores chances de derrotar Trump em novembro, e não necessariamente aquele que compactuava com suas convicções.
Problemas
Para que consiga usar as políticas decorrentes do surto de coronavírus a seu favor, entretanto, Trump precisa tomar cuidado com a forma com que tem comunicado a situação à população dos EUA, com a confiança que lhe é característica e com a mensagem de que “tudo vai ficar bem”. Isso é perigoso porque ainda não estão esclarecidos todos os pontos a respeito do vírus, como ele vai se comportar quando chegarem as temperaturas mais quentes no Hemisfério Norte, por exemplo. Ainda, na China, pacientes considerados curados da doença voltaram a testar positivo para o Covid-19 um tempo depois.
Trump também nomeou seu próprio vice-presidente, Mark Pence, para liderar a força-tarefa de combate à doença no país. Se os esforços falharem de alguma forma, será um peso político muito grande para Trump retirar seu próprio vice da chefia da força-tarefa. Como salientou o consultor político Neil Patel, o ideal é que o presidente demonstre ao povo americano que a situação é tratada e gerenciada com a maior seriedade possível, mas sem o pedantismo de que o governo está “se saindo incrivelmente bem”.
Pauta democrata
O coronavírus também está funcionando como uma arma política para alguns democratas. O pré-candidato Bernie Sanders, que se autodeclara um socialista democrata, aproveitou a propagação do coronavírus para defender a sua proposta de um sistema nacional de saúde controlado totalmente pelo estado como a melhor maneira de combater a propagação do coronavírus no território americano.
O Medicare for All é uma das principais - se não a principal - proposta presente na agenda de campanha do senador de Vermont. Com o aumento dos casos de Covid-19 nos Estados Unidos, Sanders disse que não há um momento mais fatídico para que seu plano seja colocado em prática. Ele também prometeu vacinas para todos, quando houver uma contra o novo coronavírus. "Uma vez que a vacina contra o coronavírus seja desenvolvida, ela deve ser gratuita", tuitou o candidato presidencial do Partido Democrata no domingo (8).
Quando ainda estava concorrendo às prévias democratas, a senadora Elizabeth Warren chegou a propor que fundos usados para a construção de muros ao longo da fronteira sul dos Estados Unidos fossem realocados para o combate do coronavírus no país. "Em vez de usar o dinheiro dos contribuintes para pagar por um monumento ao ódio e à divisão, meu projeto de lei ajudará a garantir que o governo federal tenha os recursos necessários para responder adequadamente a essa emergência [do coronavírus]", disse Warren em 27 de fevereiro, cinco dias antes de desistir da corrida democrata pela presidência.
No Congresso, a aprovação de uma lei bipartidária para responder ao coronavírus mostrou que democratas e republicanos podem trabalhar lado a lado para conter a propagação da Covid-19, mas a diferença sobre como isso será feito promete muitas brigas entre os dois lados do corredor. Neste domingo (8), os líderes democratas na Câmara e no Senado, Nancy Pelosi e Chuck Schumer, respectivamente, divulgaram uma declaração conjunta na qual defendem que o presidente Donald Trump está criando caos desnecessário na administração e dificultando a resposta do governo à crise.
"À luz dos relatórios de que o governo Trump está considerando novos cortes de impostos para as grandes empresas afetadas pelo coronavírus, exigimos que o governo priorize a saúde e a segurança dos trabalhadores americanos e de suas famílias em detrimento dos interesses corporativos", escreveram os dois líderes democratas, em uma demostração de que o coronavírus será mais uma batalha entre democratas e republicanos no Congresso. Os efeitos disso, dependendo do que acontecer daqui para frente, poderão ser usados por ambos os lados quando a campanha eleitoral estiver entrando em sua reta final.