Recentes evidências científicas têm indicado que o novo coronavírus já estava infectando pessoas nos Estados Unidos e na Europa antes que os primeiros casos fossem registrados nesses lugares. Agora, pesquisadores no Reino Unido fizeram análises genéticas em milhares de amostras do vírus vindas de diferentes lugares, que ajudam a compreender melhor a origem do SARS-CoV-2 e como ele se espalhou pelo mundo.
Os resultados da análise indicam que o novo coronavírus começou a infectar pessoas no final de 2019 e se espalhou muito rapidamente pelo globo após a primeira infecção. Mais precisamente, os autores afirmam que a pandemia de Covid-19 teve início entre 6 de outubro e 11 de dezembro de 2019.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores do University College London Genetics Institute analisaram genomas dos vírus que infectaram mais de 7.500 pacientes em todo o mundo e em diferentes períodos. As amostras vieram de uma imensa base global de dados usada por cientistas para compartilhar informações sobre o patógeno.
Os resultados foram publicados na revista científica Infection, Genetics and Evolution na terça-feira (5).
Os pesquisadores encontraram 198 mutações genéticas do vírus, o que demonstra que ele está se adaptando e evoluindo para os seus novos hospedeiros – os humanos.
François Balloux, um dos coordenadores da pesquisa, explicou que todos os vírus sofrem mutações naturalmente. "As mutações em si não são uma coisa ruim e não há nada que indique que o SARS-CoV-2 esteja sofrendo mutações em ritmo mais rápido ou mais lento do que o esperado. Até o momento, não podemos dizer se o SARS-CoV-2 está se tornando mais ou menos letal ou contagioso", disse o pesquisador.
As descobertas se somam a outras evidências que apontam que as diferentes sequências genéticas do novo coronavírus têm um ancestral comum surgido no final de 2019, o que indica que foi nesse momento que o vírus “pulou” de um hospedeiro animal para as pessoas. Os pesquisadores concluíram também que é muito improvável que o vírus que causa Covid-19 estivesse em circulação muito antes do que quando foi detectado pela primeira vez, na cidade chinesa de Wuhan.
Um achado importante do estudo foi ver que, em todos os países mais atingidos pela pandemia no mundo, a diversidade genética do vírus é quase a mesma diversidade encontrada em todo o mundo. Isso significa que o vírus entrou na maioria dos países diversas vezes independentemente, e não via um único caso; ou seja, houve vários "pacientes zeros" em países como o Reino Unido.
O estudo oferece pistas para o desenvolvimento de vacinas ou medicamentos para o combate ao coronavírus. Isso porque foram reveladas partes do genoma do vírus que sofreram poucas mutações durante a sua evolução, que os autores dizem que podem ser alvos melhores para vacinas ou medicamentos.
"Um grande desafio para derrotar vírus é que uma vacina ou medicamento podem não ser mais eficazes se o vírus sofrer mutação. Se o foco for em partes do vírus que têm menos probabilidade de sofrer mutação, temos uma chance melhor de desenvolver medicamentos que serão eficientes no longo prazo", explicou Balloux, em comunicado.
A equipe também encontrou evidências genéticas que corroboram as suspeitas de que o vírus já estava sendo transmitido na Europa, nos EUA e em outros países semanas ou meses antes dos primeiros registros oficiais no início deste ano.
Casos anteriores aos oficiais
O primeiro alerta sobre a doença que mais tarde seria chamada de Covid-19, na China, foi recebido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 31 de dezembro. Mas observações recentes descobriram que o vírus já estava sendo transmitido em outras regiões do planeta antes do que se sabia.
Nos Estados Unidos, resultados de autópsias mostraram que duas pessoas morreram por causa do coronavírus na Califórnia no começo e no meio de fevereiro – até três semanas antes do primeiro caso confirmado no país. A descoberta foi anunciada em 21 de abril.
E um estudo divulgado nesta semana descobriu que um homem na França estava infectado pelo novo coronavírus em 27 de dezembro, quase um mês antes dos primeiros casos confirmados pelas autoridades. O homem, um pescador de 42 anos, não tinha feito viagens ao exterior em mais de um ano.
A ausência de um vínculo desse paciente com a China sugere que a doença já estava se espalhando pela população francesa no final de dezembro do ano passado, dizem os autores do estudo, publicado na plataforma ScienceDirect.
Em outro caso divulgado pela imprensa internacional nesta semana, vários atletas da delegação francesa que viajou à cidade chinesa de Wuhan para participar dos Jogos Mundiais Militares, no fim de outubro de 2019, disseram ter sentido sintomas similares aos da Covid-19 quando voltaram da China.
Um dos 281 esportistas que representaram a França em Wuhan, cidade onde surgiu a pandemia, disse anonimamente a jornais locais que, após o retorno, teve febre e dificuldades de respirar e permaneceu em repouso por três dias. Vários de seus colegas ficaram doentes com sintomas semelhantes, segundo o atleta.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que os casos dos pacientes francês e americanos não são uma surpresa e pediu que os países investigassem casos suspeitos anteriores ao início da pandemia. Isso ajudaria a entender melhor o potencial de circulação do vírus.
“Seria muito importante que todos os países com casos não especificados de pneumonia em dezembro, e até mesmo em novembro, fizessem testes. Alguns já estão fazendo”, recomendou Christian Lindmeier, porta-voz da OMS, em entrevista coletiva na terça-feira (5).
Até o momento, o novo coronavírus já infectou mais de 3,7 milhões de pessoas e matou mais de 263 mil nos poucos mais de 4 meses de pandemia, segundo o monitoramento da Universidade Johns Hopkins. Entre todos os infectados, 1,2 milhão já se recuperaram.