A pandemia do novo coronavírus está se mostrando um desafio para o mundo todo. Mesmo os países desenvolvidos estão com dificuldades para conter o contágio. Muitos tiveram de colocar em prática planos emergenciais, tanto sanitários como econômicos, a fim de conseguir vencer esse “inimigo invisível”.
Mas se em países como França, Itália, China, EUA, que vivem em relativa paz e prosperidade, os problemas causados pela Covid-19 estão afetando a vida e causando mortes de muitas pessoas, como ficam os países que já estavam em guerra ou em caos social antes da pandemia aparecer? Venezuela, Iêmen, Síria, Líbia: como eles estão lidando com a pandemia?
Venezuela
Com dois mandatários brigando por legitimidade, escassez de itens básicos de higiene e alimentação e a economia em frangalhos, a última coisa que a Venezuela precisava era de uma epidemia para lidar. O país foi o último da América Latina a ser atingido pelo coronavírus. No início desta semana, contava com 2 casos confirmados, na sexta-feira (20) já eram 65 os infectados.
O ditador Nicolás Maduro implementou uma série de medidas como exame de temperatura em todas as pessoas que chegam ao país e declarou o sistema de saúde em “emergência permanente”. O governo afirmou que há 46 hospitais que estariam equipados para tratar os pacientes com Covid-19.
Contudo, é difícil imaginar que o país esteja tão tranquilo para enfrentar a pandemia. Uma medida básica de higiene como lavar as mãos é algo muito difícil em algumas comunidades, porque não há acesso à água corrente. Com um terço de sua população em situação de insegurança alimentar, o vírus deve atingir duramente a população.
Maduro chegou a solicitar ao Fundo Monetário Internacional (FMI), no início desta semana, US$ 5 bilhões de ajuda financeira para lidar com a crise. O FMI não atendeu à solicitação devido à falta reconhecimento internacional de Nicolás Maduro como presidente oficial da Venezuela.
Diante de um quadro social bastante degradado e com hospitais em níveis precários, se a Covid-19 se espalhar rapidamente pela Venezuela, é bem possível que haja um número relevante de mortos decorrentes da baixa imunidade da população ou de atendimento médico adequado.
Iêmen
No oriente médio, a guerra civil do Iêmen, já dura quatro anos e produziu o pior desastre humanitário do mundo. O conflito entre uma coalizão liderada pela Arábia Saudita que apoia o governo do Iêmen e rebeldes alinhados ao Irã já matou pelo menos 10 mil pessoas e deixou pelo menos 14 milhões castigados pela fome.
O país ainda não registrou nenhum caso da Covid-19 e tampouco tomou medidas drásticas para prevenir a propagação do novo coronavírus. Por conta da guerra, várias regiões do país já estão fechadas e os contatos aéreos com o exterior já são drasticamente limitados.
O Iêmen sofre com várias doenças oriundas de higiene precária, como cólera e difteria. O medo da população é que ela se torne uma vítima fácil do coronavírus, porque não há um bom sistema de saúde ou um liderança clara que possa organizar e atender a população.
Síria
Não muito longe dali, a interminável guerra da Síria continua deixando milhares de mortos e desabrigados. A Rússia apoia o regime de Bashar al-Assad e a Turquia, os rebeldes sírios, tornando o conflito ainda mais arrastado.
Na província de Idlib, principal ponto de conflito, pelo menos 1 milhão de pessoas vivem em estado de desespero humanitário, nos mais de 200 campos de refugiados que existem na região. Ademais a infraestrutura hospitalar de todo país está muito prejudicada por 10 anos de guerra.
Os dados oficiais informam que não há nenhum caso de Covid-19 no país, contudo o país tem tomado uma série de medidas restritivas, da mesma forma que outros países mais atingidos, como forma de “precaução”. Espectáculos desportivos, culturais e eventos científicos e sociais foram cancelados e muitas instituições públicas foram restringidas.
Nesta sexta-feira (20) o país anunciou que proibiu a entrada de estrangeiros vindos de vários países atingidos pelo coronavírus, como parte de medidas ampliadas para combater a epidemia.
Isso levantou dúvidas sobre se o governo de Bashar al-Assad não estaria ocultando informações do real avanço da pandemia no país.
Uma farmacêutica relatou, sob anonimato, à Al Jazeera que houve uma corrida às farmácias, porque a população teme que o governo esteja escondendo os dados reais. “O governo não tem a capacidade, nem o conhecimento, nem a infraestrutura para lidar com qualquer doença deste tipo”, disse.
O Ministério da Saúde da Síria, no entanto, reitera que irá afirmar se algum caso de Covid-19 for identificado.
O país é visto como de alto risco para o vírus, e se a pandemia se espalhar por lá, muito provavelmente não conseguirá dar uma resposta adequada a crise por conta dos inúmeros problemas internos.
Líbia
Desde a intervenção ocidental em 2011 que derrubou o ditador Muammar Khaddafi, a Líbia está sem um governo bem definido e em guerra civil. Duas facções disputam o poder atualmente, uma baseada em Tobruk, apoiada pelos países árabes africanos, cuja ala militar é liderada pelo general Khalifa Haftar; a outra, baseada em Benghazi, é liderada por Fayez Sarraj, e conta com apoio do Qatar, Turquia e a Irmandade Muçulmana.
As instituições do país estão em frangalhos. Ainda não houve relatos oficiais do novo coronavírus, entretanto, o país já adotou o fechamento das fronteiras e a suspensão de voos. Aglomerações públicas, como eventos esportivos, casamentos, escolas e cafeterias estão vetadas por pelo menos duas semanas.
As autoridades também suspenderam as orações nas mesquitas.
Nesta terça-feira (17), os países árabes e ocidentais pediram às facções em guerra que deixassem de lutar, para que as autoridades pudessem responder ao coronavírus. Apesar do apelo, nesta sexta-feira ainda havia relatos de conflitos no país.
O representante da Organização Mundial da Saúde em Trípoli alertou para os grandes riscos que o país corre, se o vírus se espalhar por lá.
No começo do mês, o embaixador italiano na Líbia afirmou que a Itália estaria pronta para ajudar a Líbia a combater o novo coronavírus. Contudo, é difícil imaginar que o país europeu seja capaz de cumprir o prometido, já que hoje é um dos mais afetados do mundo e sofre para gerenciar a pandemia localmente.
Afeganistão
O sistema de saúde do Afeganistão, após quase 20 anos de guerra, não está preparado para lidar com uma possível epidemia de coronavírus. Até agora o país registrou 22 casos da Covid-19 e 4 mortes, mas há temores de que esse número esteja subnotificado, principalmente porque o país faz fronteira com o Irã, onde já morreram quase 1.500 pessoas por causa da doença. Outro vizinho importante, o Paquistão, também tem registrado um avanço considerável de casos nos últimos dias.
Como medida preventiva, o governo afegão fechou a fronteira com o Irã e proibiu temporariamente as viagens por terra ou ar de e para o país vizinho.
Apenas 264 casos suspeitos foram testados desde o primeiro caso positivo registrado três semanas atrás.
Nas atuais circunstâncias, as instalações de saúde do país já enfrentam superlotação para tratar o crescente número de civis afetados pela guerra em andamento. Segundo reportagem da Al Jazeera, atualmente existe apenas um hospital na capital que pode diagnosticar adequadamente pacientes com o coronavírus, localizado em Cabul Ocidental, que pode atender apenas 150 pacientes por vez. Além disso, alguns hospitais da capital sequer possuem água tratada.
Para piorar a situação, pacientes em quarentena fugiram na cidade de Herat, na fronteira com o Irã. Conforme reportou o Washington Post, 37 pessoas suspeitas de estarem infectadas pelo coronavírus escaparam de um centro de isolamento do governo, quebrando janelas e espancando médicos. Nesta cidade não há laboratórios e existem poucas instalações médicas que podem abrigar pacientes infectados em quarentena.
No Afeganistão há também um agravante político que torna ainda mais perigosa uma pandemia no país pela falta de uma mensagem centralizada sobre a crise: os dois candidatos que disputaram as eleições no ano passado, presidente afegão Ashraf Ghani e seu rival, Abdullah Abdullah, se declararam vencedores e tomaram posse. Enquanto isso o Talibã, que controla parte do território afegão e prometeu cooperar com trabalhadores humanitários, não reconhece nenhum dos dois. Uma situação assim é terreno fértil para a desinformação.
Ações internacionais
A organização internacional Médicos Sem Fronteiras está de olho nos países mais críticos e já se mobilizou para ajudar as regiões de maior risco. A primeira a ser ajudada foi a região norte da Itália. Agora a MSF está montando um projeto no Irã e também em Herat, uma cidade próxima a fronteira com o Irã, no Afeganistão.
De acordo com a assessoria de imprensa da MSF do Brasil, a organização está se “mobilizando para colaborar da melhor forma possível, em conjunto com as autoridades locais, tanto no Brasil como no mundo inteiro”.
Hoje, a MSF "já tem trabalhando em locais de risco como no Irã e no Iêmen, mas as restrições de viagens tem impedido que outras equipes cheguem aos locais, ou que haja troca de turnos. Por sorte, cerca de 90% do pessoal é contratado nos próprios países de atuação".
Uma das principais preocupações da MSF são os campos de refugiados pelo mundo. “No campo de Moria [na Grécia] existe uma torneira, 1.300 pessoas e dormem cerca de 6 pessoas por barraca. É muito difícil fazer isolamento ou manter bons hábitos de higiene num lugar como esse”.
O OMS também está procurando agir em coordenação com os governos locais para fornecer água e suprimentos para populações vulneráveis.
A organização também pede que os países que estão recebendo refugiados, mantenha-os em quarentena para administrar o contágio, mas não deixe de prestar atendimento adequado.