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cenário político

Corrupção e problemas econômicos tiram a esquerda do poder na América do Sul

Ivan Duque, presidente eleito da Colômbia, durante discurso. Sua eleição reforça a tendência de guinada à direita na América do Sul | Mauricio Palos/Bloomberg
Ivan Duque, presidente eleito da Colômbia, durante discurso. Sua eleição reforça a tendência de guinada à direita na América do Sul (Foto: Mauricio Palos/Bloomberg)

A esquerda está perdendo força na América do Sul. Há cinco anos, dos 12 países da região, só três estavam sendo governados por políticos de centro ou mais à direita: o Chile, de Sebastián Piñera, o Paraguai, de Federico Franco, e a Colômbia, de Juan Manuel Santos. Quando os novos presidentes da Colômbia, Ivan Duque, e do Paraguai, Mário Abdo Benitez, tomarem posse em agosto, metade dos países da região será governados por políticos de centro ou mais à direita. Esse grupo responde por quase dois terços do produto interno bruto (PIB) regional e por 69% da população, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Um dos principais fatores que explicam a guinada à direita na região são os escândalos de corrupção que a atingiram nos últimos anos. Segundo o professor Amadeu Luiz Cervo, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a esquerda falhou moral e eticamente. “A opinião pública percebeu isso.” 

Mas não é só isto que explica esta tendência. Outros fatores que, segundo especialistas, podem ter influenciado para que menos países fossem governados pela esquerda são a má gestão, principalmente na área econômica, e o avanço da direita em âmbito mundial. 

“Não há uma resposta única (para este fenômeno); por um lado, para cada país há fatores domésticos, questões políticas, econômicas ou sociais que podem ser muito específicas, tais como as negociações de paz no caso da Colômbia. Por outro lado, existem questões estruturais, do contexto internacional, que podem provocar tendências parecidas em todos os países da América Latina”, explica a professora Andréa Hoffmann, do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

Corrupção 

“A esquerda se envolveu em muitos escândalos de corrupção”, diz o professor Luis Gómez Romero, especialista em Direitos Humanos e Direito Constitucional da Universidade de Wollongong (Austrália). Um dos principais casos investigados, a Operação Lava Jato, culminou, no Brasil, na prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011). 

As ramificações da Lava Jato se estenderam para outros países da região, entre eles alguns governados pela esquerda. Ollanta Humala, que foi presidente do Peru entre 2011 e 2016, ficou preso por nove meses, até abril, acusado de receber recursos ilícitos da construtora Odebrecht para financiar sua campanha eleitoral em 2011. Outros ex-presidentes, de outros espectros políticos, também estão sendo investigados pela Justiça peruana. 

Outra importante figura da cena política da América do Sul e que está envolvida em escândalos de corrupção é a ex-presidente argentina, Cristina Kirchner (2007-2015). Ela foi indiciada em maio por lavagem de dinheiro. Hotéis pertencentes à família na Patagônia (Sul do país) foram usados para repassar divisas ilícitas provenientes de desvios de verbas destinadas a obras públicas. 

A Odebrecht confirmou, em acordo de colaboração premiada fechada com autoridades do Brasil, Suíça e Estados Unidos, que teria pagado US$ 35 milhões em propinas na Argentina entre 2007 e 2014. Um dos homens-forte de Cristina, o ex-ministro do Planejamento, Júlio de Vido, acabou sendo indiciado no caso. 

E no Equador, o ex-vice-presidente Jorge Glas – um dos braços direitos de Rafael Correa, outro líder da esquerda sul-americana e que governou o país entre 2007 e 2017 – foi condenado, em dezembro, a seis anos por participação no esquema de corrupção. 

Questões econômicas 

Outro fator que ajuda a explicar o desencanto com os governos mais à esquerda é o econômico. As duas maiores economias da região – a Argentina e o Brasil – enfrentaram problemas nos últimos anos dos governos mais à esquerda. 

No final do governo de Cristina Kirchner, a inflação superou os dois dígitos, atingindo 23,9% em 2014, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O órgão, inclusive questionou a qualidade das estatísticas argentinas. Economistas acusaram Cristina de manipulá-las em seu proveito. 

E os problemas continuam por lá, mesmo no governo de Maurício Macri, de centro-direita. A desconfiança dos argentinos em relação ao peso estimulou uma corrida ao dólar. A moeda local perdeu boa parte de seu valor. Há um ano, segundo a agência de informações financeiras Bloomberg, eram precisos 16,90 pesos para comprar um dólar. Hoje, aproximadamente 28. Para tentar resolver seus problemas, mais uma vez, o país foi obrigado a apelar ao FMI. Um empréstimo de US$ 50 bilhões foi concedido. 

No Brasil, uma série de erros na política econômica levou o país à mais grave crise econômica da história. Em 2015, a inflação atingiu dois dígitos, uma situação que não se via desde 2002. E, entre 2015 e 2016, a economia encolheu cerca de 7%. E o desemprego passou de 7,9%, no primeiro trimestre de 2015, para 13,7%, dois anos depois, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O exemplo da Venezuela na má condução da política econômica é evidente na região. Dona de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o país passa por uma severa crise econômica e social, motivada pela intervenção do Estado na economia, em um primeiro momento, por Hugo Chávez e, desde 2013, com o ditador Nicolás Maduro. A economia não cresce desde esse ano. E até o final de 2018, a retração acumulada do PIB deverá chegar a 45%, segundo cálculos do FMI. 

A hiperinflação não dá trégua. Estimativas divulgadas pelo FMI em abril apontavam para uma alta de 13.000% nos preços neste ano. Mas as expectativas são mais pessimistas. Estimativas feitas pela Ecoanalítica, uma consultoria venezuelana, apontam que, nos 12 meses encerrados em junho, a inflação atingiu 64.886,5%. 

Mas não são só questões conjunturais que modificaram o cenário da política sul-americana, apontam os especialistas. Os governos de esquerda não aproveitaram a oportunidade para tentar resolver questões estruturais, como a baixa produtividade da economia regional. 

“E também não estimularam o aumento na produção”, diz Cervo, da UnB. A América do Sul cresce a um ritmo menor do que o mundo. Dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) mostra que a economia regional se expandiu 60,6% entre 2001 e 2014. O mundo, quase 70%, conforme o FMI. 

O problema, segundo ele, é o baixo dinamismo da economia regional. “Falta desenvolver a ciência e a tecnologia nestes países. Uma das raras exceções é a Embraer.” 

Tendências internacionais 

Fatores internacionais também contribuíram para a expansão dos governos mais à direita na América do Sul, diz Andréa Hoffman, professora da PUC-Rio. “O sucesso eleitoral de partidos e lideranças conservadoras em países centrais também pode influenciar as preferências dos eleitores.” Ela cita os casos da chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, e a ascensão dos partidos de extrema-direita na Europa. 

Um dos movimentos mais recentes da direita no mundo aconteceu na Itália, a sétima maior economia global. Os partidos Liga, anti-imigração, e Movimento Cinco Estrelas, anti-establishment, chegaram ao poder no mês passado. 

Cervo, da UnB, e Andréa avaliam que a perda de espaço da esquerda nos governos da América do Sul faz parte de um movimento cíclico, de alternância de poder. E agora, o momento é da direita. 

“Quando uma proposta não funciona, o eleitor busca alternativas. A alternância de espectro ideológico faz parte da política e é saudável em regimes democráticos, desde que não se radicalize em extremismos e em falta de tolerância”, diz ela. 

Alento? México faz caminho inverso 

Apesar do cenário, a esquerda sul-americana vê um alento mais ao Norte. A motivação é a eleição no México, o segundo país mais populoso da América Latina e a segunda maior economia da região, do primeiro presidente esquerdista na história do país: Andrés Manuel López Obrador, ex-prefeito da Cidade do México entre 2000 e 2005. 

Mas analistas apontam que a vitória dele foi mais em função do fracasso do atual presidente, Enrique Peña Nieto, em lidar com os pesados problemas enfrentados pelo segundo país mais populoso da América Latina: a corrupção crescente, a grande violência gerada pelo combate ao narcotráfico e, mais recentemente, as ameaças de Donald Trump em retirar os Estados Unidos do NAFTA, a área de livre comércio que reúne os três países da América do Norte. 

Mesmo tendo sido eleito com mais da metade dos votos, López Obrador aparenta ser um enigma. “Ele fez promessas vagas, genéricas durante a campanha eleitoral”, diz Gomez Romero, professor da Universidade de Wollongong. 

O Centro de Assuntos Internacionais de Barcelona (Cidob), um think-tank espanhol dedicado às relações internacionais, apontou que não é exato dizer que no México tenha ganhado a esquerda. Jordi Bacaria, diretor da instituição, disse em uma rede social que “sem dúvida ganhou um candidato e um partido, com um eleitorado que não suporta mais a corrupção política e a violência, que chegou ao assassinato de candidatos e jornalistas, permeada nas próprias instituições e na polícia. Ganhou um eleitorado que deseja mudança, que se uniu em um projeto com eleitores de diferentes perfis econômicos e sociais.”

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