A Europa e a Ásia estão retornando aos piores dias da pandemia de Covid-19. Países como França, Espanha e Itália já anunciam uma segunda onda da doença. Com o aumento no número de casos, vários países começam a adotar medidas como o lockdown parcial, em uma tentativa de frear a contaminação. Ao mesmo tempo, empresas farmacêuticas estão correndo para trazer um imunizante viável ao mercado: testes com vacinas avançam na Europa, Estados Unidos e China.
Nos Estados Unidos, a farmacêutica Pfizer busca aprovação dos órgãos reguladores para uso emergencial da vacina contra a Covid-19, desenvolvida em parceria com a BioNTech. Na União Europeia, um contrato assinado com a Moderna deverá garantir o fornecimento de até 160 milhões de doses da vacina contra o novo coronavírus desenvolvida pela farmacêutica americana. Alguns europeus podem até mesmo ter acesso à vacina antes do fim deste ano, segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen.
Apesar do aumento dos casos na Europa, o continente não concentra o maior volume de mortes por Covid-19. Mais da metade do total de mortes por Covid-19 no mundo (1,3 milhão) foi registrado em quatro países, sendo três de média e baixa renda: Estados Unidos, Brasil, México e Índia. Por outro lado, as vacinas estão mais concentradas em países de alta renda.
A maioria dos compromissos antecipados de compra foram fechados por países ricos, segundo dados coletados por pesquisadores do Global Health Innovation Center, da Duke University. A pesquisa estima que 6,4 bilhões de doses de vacinas potenciais já foram compradas e outras 3,2 bilhões estão em negociação ou reservadas para expansões opcionais de acordos existentes.
O levantamento mostra que os países de alta renda respondem por mais da metade de todas as compras confirmadas. O grupo de países ricos já fechou acordos para comprar cerca de 600 milhões de doses do imunizante da Pfizer-BioNTech, quase metade da capacidade produtiva total da farmacêutica até o final de 2021.
O Canadá tem o maior volume de doses de vacina em relação à população: são mais de nove doses confirmadas por habitante. A Austrália fica em segundo lugar, com cinco doses, juntamente com a Grã Bretanha. Depois, vêm os Estados Unidos, com três doses de vacina por pessoa, e a União Europeia, com mais de duas doses e meia por habitante do bloco. O Brasil ocupa a décima posição, com uma dose de vacina por habitante. Cada paciente deve tomar duas doses da vacina para ter imunidade contra a Covid-19.
Com países mais ricos reservando mais doses, países de média e baixa renda deverão ter menos acesso aos imunizantes. Como o suprimento é limitado, uma combinação de acordos de compra antecipada e limites sobre o número de doses que podem ser fabricadas nos próximos anos significa que o mundo está caminhando para um cenário em que os países ricos terão vacinas e os países mais pobres dificilmente terão acesso, segundo Andrea Taylor, pesquisadora à frente do estudo da Duke University.
O levantamento da instituição mostra que os países ricos já compraram ou estão em processo de compra de mais de 5 bilhões de doses de vacinas potenciais. A Índia já reservou mais 1,6 bilhão de doses e o Brasil, 200 milhões. Menos de 800 milhões de doses foram reservadas para os países mais pobres do mundo.
“Podemos acabar esperando de dois a quatro anos até que a população em geral em países de baixa renda realmente tenha um imunizante disponível”, afirma a doutora Krishna Udayakumar, da Duke.
Uma iniciativa de imunização global já busca remediar essa desigualdade. A iniciativa Covax, liderada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias e a GAVI Alliance, reúne recursos para a compra dos imunizantes.
“O objetivo é permitir que todos os países do mundo tenham acesso à vacina mais ou menos ao mesmo tempo”, diz o CEO da farmacêutica AstraZeneca, Pascal Soriot.
O programa é projetado para que os países mais ricos que compram vacinas concordem em ajudar a financiar o acesso das nações mais pobres, que pagarão um preço subsidiado de até US$ 4 por vacina de duas doses. Pelo menos 186 economias estão envolvidas no projeto, arrecadando US$ 2 bilhões. Para comprar e distribuir imunizantes entre os 92 países contemplados, a iniciativa precisa arrecadar mais US$ 5 bilhões em 2021.
“É compreensível que os líderes queiram proteger primeiro seu próprio povo – eles são responsáveis perante seus cidadãos – mas a resposta a esta pandemia global deve ser coletiva”, disse a OMS à BBC.
Países de renda média conseguiram negociar acordos de compra como condição para ceder sua infraestrutura para a produção de imunizantes. É o caso do Brasil, com o acordo com a Universidade de Oxford para testes da vacina, e Índia, onde o Serum Institute se comprometeu a manter metade de todas as doses que produz para distribuição no país.
“Há muito pouca probabilidade de que [a vacina] chegue aos países de baixa e média renda até o final do ano que vem, pelo menos em números significativos para imunização em massa”, diz Rachel Silverman, analista de políticas do Center for Global Development, centro de estudos nos EUA. “No entanto, o grande asterisco é que, se houver muitas vacinas bem sucedidas, haverá oferta geral suficiente para que os países ricos não utilizem todas as suas opções”, completa.
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