O crânio de uma criança que viveu há 530 mil anos pode ser a primeira evidência de que os humanos ancestrais não eliminavam sua prole quando ela nascia com defeitos congênitos. O fóssil apresenta traços claros de uma doença rara chamada craniossinostose, causada pelo fechamento prematuro das suturas ósseas que envolvem o cérebro. Além da deformidade, a patologia pode causar danos psicomotores.
O achado - batizado de Crânio 14 - ocorreu no norte da Espanha, no sítio arqueológico de Sima de los Huesos, em Atapuerca. A criança pertencia a um grupo de Homo heidelbergensis - antepassados diretos dos neandertais - e tinha entre 5 e 12 anos. O sexo permanece desconhecido.
"O crânio apresentava depressões muito desenvolvidas, o que oferece indícios de pressão intracraniana elevada", afirma Ana Gracia, do Centro de Evolução Humana e Comportamento da Universidade Complutense de Madri e do Instituto de Saúde Carlos III. Principal autora do artigo publicado nesta terça-feira (31) na "Proceedings of the National Academy of Sciences" (PNAS), Ana considera provável que a criança tenha sofrido lesões no encéfalo. "E, se sofreu algum tipo de dano cognitivo ou motor, deve ter recebido cuidados especiais (dos outros membros do grupo)", aponta a pesquisadora.
Os pesquisadores opinam que a craniossinostose foi consequência de algum trauma sofrido pelo feto durante o terceiro mês de gestação, embora não se descarte uma causa genética.
Nos humanos ancestrais e atuais, a união dos ossos do crânio só ocorre quando o cérebro já alcançou seu tamanho definitivo, possibilitando assim seu desenvolvimento. Atualmente, a incidência dessa patologia é de 6 casos para cada 200 mil nascimentos no mundo.
Próximos passos
O sítio arqueológico de Sima de los Huesos foi descoberto em 1976 e contém as ossadas de, no mínimo, 28 indivíduos da espécie H. heidelbergensis, de ambos os sexos e distintas idades.
Ana afirma que pretende continuar estudando as ossadas do sítio em busca de novas patologias que ofereçam pistas sobre o comportamento dos hominídeos antigos.