Nesta inquieta cidade no meio da rodovia da heroína no México, cidadãos com armas enferrujadas revistam carros que passam como uma contribuição à defesa pública. A polícia foi dispensada há anos. Recentemente, o prefeito recebeu uma ameaça de morte e fugiu com o helicóptero do governador.
Mas quando a rodovia 51 desce das montanhas e vai para o oeste, o perigo começa a envenenar a vida das pessoas. Os chefes da droga conhecidos como El Tequilero e El Pez comandam a região como senhores feudais, em guerra entre si e com os grupos de vigilância que surgiram contra eles. Moradores são sequestrados em grupos. Corpos torturados são jogados no vale, deixados para queimar no pavimento quente.
A epidemia opiácea que causou tanta dor nos EUA também está devastando o México, contribuindo para a quebra da ordem nas áreas rurais. A heroína é como um esteroide para as gangues de drogas, bombardeando dinheiro e músculo para a luta por controle de território e rotas de transporte de drogas para os EUA. 90% da heroína consumida nos EUA vem do México, número que era 10% em 2003, quando o grande exportador era a Colômbia. A produção de papoula já mostrou um aumento de 800% durante a última década. Guerreiro, um estado do oeste, é o centro do negócio, produzindo mais da metade das papoulas, o ingrediente base da heroína, do México. Guerrero também se tornou o estado mais violento do país, com mais de 2.200 mortes no último ano.
"Esses grupos se transformaram em um poder supercriminoso", explica Ricardo Mejia Berdeja, chefe do comitê de segurança do congresso estadual de Guerrero.
"A âncora do crime organizado é a papoula para heroína".
Guerrero produz maconha e heroína há décadas. Mas o crime organizado era mais organizado, com um dos principais cartéis do estado pagando propinas e movimentando drogas quietamente. O crescimento do negócio encorajou o aumento de transporte de balas e cartuchos de armamento, o que engatilhou o crescimento de milícias.
Ao longo de 180 quilômetros da Rodovia 51, na região conhecida como Tierra Caliente, logo abaixo dos declives com plantações de papoula, o colapso social é perceptível. Mais de 200 escolas fecharam periodicamente nos últimos meses, com professores em greve protestando contra o aumento da violência. O exército mexicano foi para uma das cidades esse mês para controlar uma milícia civil que ameaçava um vilarejo vizinho.
"É uma terra sem lei", disse um empresário que trabalha na região.
Economia asfixiada
Nicolas Bartolo saiu da Rodovia 51 em uma cidade chamada Tlapehuala e se dirigiu para o sul em uma estrada de terra através de campos e plantações mortas de milho. É o período de seca, e a fumaça manchava o céu enquanto fazendeiros queimam seus terrenos para o plantio. Bartolo fez o sinal da cruz e continuou dirigindo. "Costumávamos ser livres aqui", disse.
Bartolo trabalha com construção e toca guitarra em uma banda chamada La Leyenda (A Lenda), que faz turnê nas cidades da Tierra Caliente. Quase todos da região são forçados a lidar com as quadrilhas das drogas, seja por extorsões, sequestros ou assaltos. Nos locais onde Bartolo trabalha, homens armados roubaram caminhões e um gerador de energia solar - para serem usados nas plantações de papoula. O chefe de Bartolo paga pelo menos US$ 300 por mês para um dos cartéis por cada máquina pesada - como escavadeiras e retroescavadeiras - usada no projeto. Se a empresa não pagar, corre riscos de ser roubada ou atacada.
Lentamente, a economia do local está sendo asfixiada pelos grupos criminosos. Empresários dizem que vendedores de manga, pepino e outros produtos devem pagar para os cartéis um peso mexicano - equivalente a 20 centavos de real - a cada quilo que vendem. Restaurantes que precisam de carne de frango são obrigados a comprar de fornecedores especificados pelas quadrilhas.
Uma das maiores empregadoras da região, a mina de zinco de Campo Morado, gerenciada pela empresa belga Nyrstar, fechou em 2015 por "questões recorrentes associadas à segurança", disse um dos funcionários. Moradores locais disseram que a extorsão foi muito pesada.
Mais lucrativa que cocaína
Há uma década, um dos cartéis de droga dominava Guerrero - a organização Beltrán Leyva. Agora, existem pelo menos uma dúzia de quadrilhas competindo por terrenos no estado. Isso acontece em parte porque as autoridades mexicanas focam na captura dos líderes dos cartéis e em desmanchar as organizações. Mas é também uma das características do mercado de heroína.
A heroína é mais lucrativa que a cocaína e muito mais fácil de transportar para os EUA. Ao contrário da cocaína, que é produzida na América do Sul e apenas transportada pelas quadrilhas mexicanas, a heroína é produzida no México. Pequenas quadrilhas, algumas vezes formadas por amigos e familiares, surgiram para competir pelo lucro. Enquanto a demanda por maconha está caindo, já que os EUA permitem cada vez mais a produção local, a heroína se torna ainda mais importante.
Um dos cartéis mais fortes da Tierra Caliente é a Família Michoacana, formada por descendentes de uma organização criminosa que se anunciou há mais de uma década decapitando várias pessoas em uma boate. O líder é Johnny Hurtado Olascoaga, conhecido como "El Pez" (O Peixe), e sua base de atuação é Arcelia, uma das cidades cortadas pela Rodovia 51. Em 2012, um de seus melhores atiradores, um homem de bigode chamado Raybel Jocobo de Almonte, conhecido como "El Tequilero" (O Tequileiro), saiu do grupo e montou sua própria quadrilha, baseada em San Miguel Totolapan, que fica a cerca de 24 km de distância.
O cartel de Beltrán Layva exercia controle sob os criminosos da região. Desde seu declínio, quadrilhas se sentiram cada vez mais livres para diversificar para outros crimes, como extorsão e sequestro. "Eles tentam uma vez e, se conseguirem escapar e ganhar dinheiro, eles fazem outras vezes", disse Chris Kyle, um antropólogo especializado em Guerrero da Universidade do Alabama.
As quadrilhas já sequestraram convidados de um casamento, professores das suas salas de aula e até enfermeiras. Eles já levaram também um amigo de Bartolo. Ele atuou como o mensageiro da troca, levando uma soma de 200 mil pesos mexicanos (cerca de R$35 mil) para as montanhas, onde encontrou seu amigo amarrado com arame farpado e sangue escorrendo pelas mãos, junto de outras vítimas.
"Eu queria chorar quando vi todas aquelas pessoas", ele conta.
Produção crescente
Perto de Tierra Caliente, o Tenente-Coronel Cesar Belliizia Aboaf liderou um comboio montanha acima, seguindo quilômetros de mangueiras de borracha pretas. Na estação seca, fazendeiros precisam irrigar suas mudas de papoula com água bombeada de riachos e nascentes, e as mangueiras são uma dica para os soldados encontrarem as plantações.
Bellizia parou em uma cordilheira e olhou para um campo de flores rosas. Seus soldados acharam o lote alguns dias antes - uma entre as 15 plantações descobertas naquele dia. Bellizia ordenou que o campo fosse queimado.
Apesar dessa erradicação regular feita pelo exército e dedetização aérea, a produção de papoulas está crescendo, alimentada pela demanda dos EUA. O número de americanos que reportam uso de heroína quase triplicou entre 2007 e 2014, chegando a 435 mil pessoas, de acordo com um relatório da Administração de Fiscalização de Drogas. Isso é só parte de uma epidemia que inclui também o uso abusivo de drogas prescritas.
Em 2005, fazendeiros mexicanos plantaram cerca de oito mil acres de papoulas; uma década depois, esse número atingiu 69 mil acres, de acordo com a pesquisa mais recente das Nações Unidas. Fazendeiros das montanhas de Guerrero plantam durante o ano inteiro. Quando as plantas florescem, eles as cortam ao redor do bulbo e recolhem em latas de refrigerante a goma grudenta e com cor de cobre. Um quilo dessa substância pode render R$2,5 mil para o fazendeiro. Depois de ser processada em galpões nas montanhas e se tornar heroína de alta qualidade, uma grama pode ser vendida por R$160 mil nas ruas de Chicago, de acordo com funcionários de segurança americanos.
Para proteger as mudas e os laboratórios, as quadrilhas de Guerrero contratam olheiros para identificar visitantes desconhecidos na área e erguer locais de fiscalização nas estradas. Os grupos criminosos tentam controlar as cidades ao longo da Rodovia 51 por serem depósitos cruciais de suplementos para a produção da papoula, com os últimos postos de gasolina e lojas antes da rodovia se tornar estrada de chão na montanha.
O policiamento local é fraco e muitas vezes inexistente. Em 2014, um escândalo tomou conta da nação, quando 43 alunos e professores universitários desapareceram em Iguala, uma cidade ao leste da Rodovia 51, depois de terem sido detidos pela polícia. O governo então demitiu um terço dos policiais municipais do estado, alegando uma coalizão com os traficantes. Mas policiais sabem que podem ser mortos ou sequestrados se não aceitarem as demandas das quadrilhas.
"Há uma década, os cartéis davam dinheiro para o governo local para operar. Agora não. O governo tem que dar dinheiro para os cartéis para poder governar", disse um empresário da região da Tierra Caliente, que só aceitou a entrevista sob a condição de anonimato por temer represálias das quadrilhas.
"Construir o terror traz bons resultados".
Soldados mexicanos fazem patrulhas e locais de revista, mas os moradores sentem que eles estão em menor número do que os criminosos. Fatores como as montanhas, a falta de rodovias e soldados corruptos fazem o trabalho ainda mais difícil. "Não há um exército do mundo que conseguiria operar com sucesso nessa área", disse o Tenente-Coronel Juan José Moreno Orzua.
Surgimento de milícias
O último homem sequestrado em San Miguel Totolapan - de um total estimado de 200 vítimas - foi Isauro de Paz Duque, de 37 anos, dono de uma empresa de construção. Ele foi pego na rua por homens armados em meados de dezembro.
O empresário foi levado pelos homens de El Tequilero, que amedrontam a cidade de cerca de três mil habitantes há anos com sequestros e assassinatos. Muitos moradores fugiram e outros se escondem atrás de portas e janelas trancadas, com medo de sair.
Enfurecidos com o ocorrido, moradores formaram uma milícia, o Movimento pela Paz. Cidadãos de outras cidades controladas por traficantes fizeram o mesmo. Mas, ao invés de trazer ordem, esses grupos se tornaram mais um elemento de instabilidade em áreas rurais. Kyle, o professor que estuda Guerrero, conta que houve um aumento de tiroteios entre essas milícias a partir de 2015.
Membros da milícia de San Miguel Totolapan fizeram 20 pessoas de reféns, incluindo a mãe de El Tequilero. Em poucos dias, conseguiram trocá-los por De Paz e outros prisioneiros.
Vigilantes então tomaram conta da segurança pública, elevando pontos de revista nas entradas da cidade e forçando os moradores para suas casas. Mas alguns afirmaram que El Pez, o traficante rival, ajudou a pagar as armas da milícia.
Com o passar dos meses, a milícia ficava inquieta com a liberdade de El Tequilero. Membros acreditavam que ele se escondia na cidade vizinha, La Gavia.
"Se o governo não consegue encontrar uma solução, teremos que encontrar uma nós mesmos", disse Silvino Bernabé, de 32 anos, no final de abril.
No começo de maio, membros da milícia foram para La Gavia e exigiram que os moradores entregassem El Tequilero. Os homens de El Pez, possíveis aliados da milícia, foram para lá na manhã seguinte, de acordo com autoridades de Guerrero. Um tiroteio entre os cartéis durou horas, deixando oito mortos.
Três dias depois, centenas de soldados e policiais chegaram em San Miguel Totolapan para desarmar a milícia. Mas moradores já não confiam no governo. Eles se juntaram nas ruas, colocando fogo em caminhões e pneus e apedrejando os funcionários, que responderam com bombas de gás lacrimogêneo.
O exército conseguiu por fim manter o controle da cidade. Mas El Pez e El Tequilero ainda estão soltos. E a heroína que alimenta a violência continua indo para o norte pela Rodovia 51.
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