Mais da metade dos refugiados rohingyas que fugiram de Mianmar nas últimas semanas são crianças, e entre elas estão centenas que viajaram sem familiares, o que aumenta o risco que correm nos campos lotados e enlameados de Bangladesh, segundo trabalhadores de instituições humanitárias.
As Nações Unidas dizem que, desde 25 de agosto, cerca de 400 mil rohingyas fugiram do estado de Rakhine, no oeste de Mianmar, e estão encontrando dificuldades para conseguir alimentos, abrigo e água potável em Bangladesh.
"Os campos estão totalmente superlotados. Tem muita lama e chove todos os dias", conta Christophe Boulierac, porta-voz da UNICEF.
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Daqueles que conseguiram alcançar Bangladesh desde 25 de agosto, cerca da metade chegou na semana de três de setembro, diz Boulierac, aumentando ainda mais a pressão sobre as já complicadas operações de ajuda. "Falando muito francamente, estamos ampliando o serviço, mas é um fluxo sem qualquer precedente", explicou ele.
A partir de 15 de setembro, a UNICEF contou no campo 1.267 crianças que haviam sido separadas de suas famílias.
Perigos
Em meio à desordem dos assentamentos que crescem rapidamente em Bangladesh, as crianças sozinhas correm um risco grande de ser vítimas de tráfico humano, abuso sexual, trabalho infantil e casamento forçado, afirma Boulierac.
A UNICEF criou 41 espaços para as crianças relaxarem e brincarem, sendo que alguns mudam de lugar no campo. Para os trabalhadores humanitários, os espaços facilitam a identificação de quais crianças viajaram sozinhas e quais foram separadas de suas famílias.
Entre as necessidades infantis estão a alimentação e o apoio nutricional, os cuidados básicos de saúde e o aconselhamento psicológico. Mais de 18 mil crianças receberam ajuda nos espaços amigáveis desde 25 de agosto.
Mas, com a estimativa de que mais de 230 mil crianças tenham chegado a Bangladesh, mais delas precisarão de apoio, explica Boulierac.
O Fundo de População das Nações Unidas estima que dois terços dos refugiados sejam mulheres e crianças, das quais 13% estão grávidas ou amamentando. A instituição enviou dezenas de parteiras para suprir as necessidades dos campos.
E esses números devem crescer, diz Boulierac. "A notícia preocupante é que não vemos qualquer indicação de que esse fluxo esteja diminuindo."
Conflitos
Os rohingyas, grupo ético muçulmano de Mianmar, nação de maioria budista, têm sido expulsos do oeste do país há décadas. Eles foram privados de seus direitos de cidadania e em geral estão confinados a vilas com pouca liberdade para viajar e trabalhar.
Os rohingyas em Rakhine já viviam sob uma dura campanha de segurança lançada depois de ataques de militantes em outubro passado. Um novo ataque, em 25 de agosto, feito por um grupo de militantes rohingyas, conhecidos como Exército da Salvação Rohingya de Arakan, a postos policiais e a uma base militar em Rakhine, renovaram a repressão militar que levou ao êxodo em massa.
Justiceiros militares e budistas queimaram vilas e massacraram civis, segundo grupos de direitos humanos e refugiados. Bangladesh também reclamou com Mianmar por causa dos relatos de minas terrestres colocadas ao longo da fronteira dos dois países, que feriram e mataram civis nas últimas semanas.
Zeid Ra’ad al-Hussein, alto comissário das Nações Unidas pelos direitos humanos, chamou a campanha militar de "um manual de limpeza étnica" e uma clara violação das leis internacionais. Os ganhadores do Prêmio Nobel da Paz Malala Yousufzai, do Paquistão, e o bispo Desmond Tutu, da África do Sul, desafiaram Aung San Suu Kyi, líder de fato de Mianmar, a reconhecer o sofrimento dos rohingyas. Suu Kyi ganhou um Nobel da Paz em 1991 por liderar uma longa campanha contra o governo militar em seu país.
Crise humanitária
Suu Kyi, que cancelou os planos de participar da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York na semana de 17 de setembro, acredita que os rohingyas vieram de Bangladesh e estão no país ilegalmente. Apesar de estarem em Mianmar há gerações, a crença de que são estrangeiros é amplamente difundida no país.
Muhammad Yunnus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, mandou uma carta com a assinatura de 12 vencedores e de outras pessoas pedindo que o Conselho de Segurança da ONU aja imediatamente para parar com os ataques militares aos civis. "Os argumentos que o governo de Mianmar está usando para negar aos rohingyas sua cidadania são absurdos", diz a carta.
Apesar da condenação internacional de Mianmar, os esforços para punir o governo por causa da crise dos rohingyas têm sido limitados.
Esta semana, o senador republicano do Arizona John McCain, que também é presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, disse que acabaria com os fundos para expandir a cooperação entre os exércitos dos Estados Unidos e de Mianmar "por causa da piora da crise humanitária e da repressão aos direitos humanos contra o povo rohingya".
Ataques com fogo
Jornalistas e investigadores de direitos humanos estão sendo barrados em Rakhine. Um grupo de jornalistas foi levado em uma viagem supervisionada na semana passada, e alguns relataram ter visto budistas deixando uma vila rohingya que haviam acabado de pegar fogo.
A falta de acesso tem forçado os grupos de direitos humanos a confiar em dados de satélite e no testemunho de pessoas que fugiram para documentar a extensão da destruição em Rakhine. A Anistia Internacional disse que registrou 80 incêndios de larga escala no estado desde 25 de agosto, enquanto o mesmo período dos últimos quatro anos não apresentou nenhum foco de incêndio desse tamanho.
Em 15 de setembro, a Human Right Watch disse que 62 vilas em Rakhine haviam sido alvo de ataques com fogo desde 25 de agosto. "Nossa pesquisa de campo reforça o que as imagens de satélite indicaram, que o exército birmanês é diretamente responsável pela queima em massa de cidades dos rohingyas no norte do estado de Rakhine", afirmou Phil Robertson, vice-diretor da Ásia da Human Right Watch, em uma declaração em 15 de setembro.
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â Ideias (@ideias_gp) October 27, 2017