Estudantes e professores gregos protestam em frente do Parlamento contra os cortes no orçamento público| Foto: Louisa Gouliamaki/AFP

Há duas semanas, as aulas recomeçaram na Grécia, depois de três meses de férias de mais um tórrido verão. Mas os alunos logo descobriram que a crise desembarcou com força. Nenhuma das escolas públicas do país recebeu os livros escolares para o ano e pelo menos metade não tinha nem sequer giz para os professores.

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O motivo foi a decisão de editoras e empresas de não mais entregar o material diante dos calotes sucessivos do Estado. A polêmica escancara uma dura realidade na Grécia: a crise da dívida chegou ao cidadão comum e, pela primeira vez desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, um país europeu promove explicitamente o desmonte do Estado de bem-estar social, que por décadas foi motivo de orgulho da Europa.

Por exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia, a Grécia precisa promover reformas, reduzir o tamanho do Estado e encontrar uma saída para uma dívida pública que muitos já consideram impagável. Sem essas medidas, a Grécia seria obrigada a decretar falência, o que teria consequências sociais e políticas devastadoras.

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Colocado contra a parede, o governo socialista de George Papandreou não teve outra opção senão a de iniciar uma onda de cortes. A reportagem percorreu o interior da Grécia, a capital Atenas e algumas das principais ilhas, apenas para constatar que a face mais dura da crise está sendo paga não por bancos ou pelo Estado, mas pela população.

O desemprego chega a 16%, o dobro em dois anos, e 15% das pequenas e médias empresas fecharam as portas. 100 mil dos 750 mil funcionários públicos serão demitidos até 2015 e dezenas de serviços sociais deixarão de ser oferecidos.

Hospitais

Se as crianças nas escolas já sofrem com a falta de livros, outro sinal do desmonte do estado de bem-estar social está na assistência médica aos mais velhos. Quem tem aposentadoria superior a 1,2 mil euros sofrerá um corte de 20%.

Um capítulo crítico da crise tem sido os hospitais. Há uma semana, a fabricante de remédios Roche anunciou que parou de entregar medicamentos aos hospitais públicos gregos. O motivo: o Ministério da Saúde não pagava suas contas há dois anos.

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Se o governo não receber a sexta parcela da ajuda da UE, de 8 bilhões de euros, os médicos não receberão os salários. A reportagem visitou o hospital da cidade turística de Fera. O contraste não poderia ser maior. No local, hotéis cinco estrelas repletos de alemães que se queixam de ter de socorrer os gregos. Dentro do hospital, a vergonha dos funcionários diante do corte de recursos. "Temos de fazer o mesmo trabalho com metade dos recursos", contou um deles, que pediu para não ser identificado.

Suicídios

Dados oficiais do Ministério da Saúde apontaram que a taxa de suicídios passou de 3 para cada 10 mil pessoas em 2008 para 6 em 2010. Segundo Aris Vio­latzis, da entidade de ajuda psicológica Klimaka, o número de pessoas que ligam para a organização pedindo socorro se multiplicou por dez em dois anos. "O perfil mais comum de pessoas pedindo ajuda é de um homem de 40 a 60 anos que deixou de ter uma renda. Na sociedade grega, é o homem que deve ter a responsabilidade de sustentar a família", disse.

Na capital de Creta, Herá­clion, o setor de frutas e legumes tem registrado uma onda de suicídios. Foram três em um mês. Outra vítima, também um dono de quitanda, foi socorrido a tempo de evitar a quarta morte, depois de jogar gasolina ao corpo e atear fogo em si mesmo, diante da porta de um banco onde tinha dívidas de mais de 600 mil euros.

O verão acabou, mas o desmonte do estado de bem-estar social ainda não. O governo já anunciou que elevará os impostos sobre a eletricidade e gás para o aquecimento das casas. Com a renda em queda, desempregados e sem futuro claro, muitos pensarão duas vezes antes de ligar o aquecedor quando o inverno gelado chegar.

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