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Na Argentina, como no Brasil, a Copa do Mundo desperta uma febre que é quase tão apaixonante quanto acompanhar os jogos do Mundial: completar o álbum de figurinhas oficial do evento.
Entretanto, com a inflação sem freio e as dificuldades econômicas que a Argentina enfrenta, a atividade prazerosa para os aficionados por futebol se transformou em pesadelo.
Com escassez no fornecimento de álbuns e das próprias figurinhas nas bancas de jornal, ninguém mais respeita os preços sugeridos e os interessados em completar seus álbuns antes que a bola role no Catar, a partir de 20 de novembro, estão tendo que pagar muito mais caro do que os valores de referência.
O dono de uma banca em Buenos Aires, Ernesto Acuña, disse numa entrevista este mês ao New York Times que a falta do produto o obriga a adotar um método para vender as figurinhas nos dias em que consegue obtê-las para oferecer à freguesia: às 6 horas, ele calcula quantas pessoas estão na fila para comprar e determina um limite de quantos pacotes (de cinco figurinhas cada) cada cliente pode adquirir. Em alguns dias, a venda fica restrita a apenas dois por pessoa.
A Panini, empresa italiana que tem os direitos do álbum da Copa na região, diz que não há escassez de figurinhas na Argentina, mas que neste ano houve um grande aumento na procura em relação a Mundiais anteriores.
A imprensa argentina especula que há dois motivos para isso: as chances reais da Argentina vencer o torneio (otimismo alimentado pela Copa América conquistada sobre o Brasil, outro favorito, em pleno Maracanã, no ano passado) e o fato desta provavelmente ser a última Copa disputada pelo craque Lionel Messi.
Numa imagem que já se tornou folclore na trágica histórica econômica argentina, no final de setembro a Secretaria de Comércio da presidência mediou uma reunião entre os representantes das bancas e a Panini para equilibrar oferta e demanda.
Em 29 de agosto, mais de 150 proprietários de bancas de jornal haviam realizado um protesto em frente à sede local da empresa italiana, no qual alegaram que a Panini estava dando prioridade a outros estabelecimentos, como supermercados, postos de gasolina e lojas virtuais.
A empresa se comprometeu a exercer maior controle sobre seus 60 distribuidores oficiais, para que álbuns e figurinhas chegassem em maior quantidade às bancas de jornal, mas os comerciantes do setor dizem que isso não tem acontecido.
“A cada semana que passa, o pacote de figurinhas custa mais na banca de jornal, nas ruas, na internet”, disse Acuña. Ele mostrou à reportagem do New York Times conversas em grupos no WhatsApp, em que distribuidores ofereciam às bancas pacotes a mais de 200 pesos cada (quase R$ 7), enquanto o preço final ao consumidor sugerido pela fabricante era de 150 pesos (cerca de R$ 5 – no Brasil, é R$ 4).
A maioria das bancas já vende o pacote por pelo menos o dobro do valor de referência na Grande Buenos Aires, o que transformou a Argentina no país latino-americano com os maiores preços pelas figurinhas do Mundial. No mercado paralelo, a figurinha especial de Messi já é colocada à venda a 120 mil pesos (mais de R$ 4 mil).
Um vídeo que viralizou nas redes sociais mostrou a reação furiosa de um menino argentino, que abriu um cofrinho onde guardava dinheiro há anos e percebeu que suas economias só seriam suficientes para comprar 12 pacotes de figurinhas (a Argentina acumula em 12 meses uma inflação de 83%).
Irritado, ele joga as cédulas e moedas de peso argentino com raiva na mesa e recusa o abraço do pai, que tenta consolá-lo. Um usuário do Twitter, bem-humorado, sugeriu que o menino deveria ter guardado dólares no cofrinho. Com a situação da economia na Argentina, nem álbum de figurinhas é brincadeira de criança.
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