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ACordo nuclear

Crise do Irã aumenta a distância entre a União Europeia e os Estados Unidos

Pedestres cruzam rua no centro de Teerã | ARASH KHAMOOSHI/NYT
Pedestres cruzam rua no centro de Teerã (Foto: ARASH KHAMOOSHI/NYT)

De todas as questões que dividem a Europa do governo Trump, o Irã se tornou a mais aguda, com os europeus trabalhando ativamente contra a política dos Estados Unidos, colocando-os em aliança com a Rússia, a China e o Irã.  Desde o início deste ano, quando se retirou do acordo nuclear com o Irã, uma peça central da diplomacia do ex-presidente Barack Obama, o governo Trump avançou com sanções punitivas contra Teerã. 

Os principais países da Europa, enquanto isso, tentando preservar o acordo nuclear, estão tentando criar um mecanismo de pagamento alternativo que contorne o sistema bancário dominado pelos Estados Unidos e as novas sanções de Washington. Enquanto isso, estão pressionando o Irã a aderir estritamente aos termos do acordo nuclear, para evitar dar aos Estados Unidos e a Israel um pretexto para iniciar uma guerra – o que tem sido uma preocupação crescente. 

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Segundo diplomatas europeus, eles estão aconselhando Teerã a manter a calma e a aguardar o fim do mandato do presidente Donald Trump, na esperança de que ele não seja reeleito. Isso, é claro, poderia ser uma ilusão, mas as políticas divergentes em relação ao Irã estão levando a tensões mais profundas entre a União Europeia e o governo Trump. 

Em setembro, o conselheiro de segurança nacional, John Bolton, ridicularizou a União Europeia por ser "forte em retórica e fraca na prática", acrescentando: "Não pretendemos permitir que nossas sanções sejam evitadas pela Europa ou por quem quer que seja". 

Brecha aberta

A decisão de Trump de se retirar do acordo nuclear do Irã "abriu uma brecha entre os EUA e seus aliados europeus que é improvável que se feche novamente enquanto ele estiver no cargo", escreveu Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança em Berlim. 

 "A Europa e os EUA não estão apenas adotando abordagens diferentes para o Irã, mas estão trabalhando ativamente um contra o outro em um campo de políticas que é de interesse estratégico e significativo para ambos os lados", disse ele. 

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A disputa sobre o acordo com o Irã, segundo ele, "é um grande impulsionador dos debates europeus sobre uma forma de 'autonomia estratégica' dos Estados Unidos e representa uma divisão mais séria na aliança ocidental do que a invasão do Iraque em 2003". 

As últimas sanções dos Estados Unidos contra o Irã, marcadas para entrar em vigor em 4 de novembro, serão as mais difíceis até agora, atingindo a indústria de petróleo e o banco central do país. A venda de petróleo e de produtos petroquímicos iranianos será restrita, e as instituições financeiras estrangeiras enfrentarão sanções para transações com o banco central iraniano ou outras instituições financeiras designadas nos termos da legislação aprovada pelo Congresso em 2012. 

Busca por alternativas

Para contornar as penalidades, os europeus esperam criar um "veículo de propósito especial" para permitir pagamentos relacionados às exportações iranianas, incluindo petróleo e importações daquele país, "para ajudar e tranquilizar os operadores econômicos que buscam negócios legítimos com o Irã", segundo a União Europeia. 

O mecanismo poderia usar uma forma de permuta, compensando valores de importações e exportações com preços em euros, evitando transações bancárias. O objetivo principal é permitir que o Irã continue vendendo seu petróleo, do qual depende grande parte de sua economia – exatamente a razão pela qual Washington está tentando restringir esse comércio. 

No entanto, ainda não está claro se os esforços europeus serão bem-sucedidos. Grandes multinacionais como Total, Peugeot, Renault, Eni, Siemens e Daimler já estão se retirando do Irã, dizendo que não podem se arriscar a ser excluídas do sistema financeiro dos Estados Unidos. 

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As exportações de petróleo do Irã diminuíram significativamente desde agosto, pressionando os defensores do acordo nuclear em Teerã e fortalecendo mais os elementos linha-dura, que querem quebrar o acordo e começar a enriquecer urânio novamente, de maior qualidade e em maior quantidade. 

"O principal objetivo da União Europeia é fornecer uma maneira de permitir que o Irã permaneça no acordo nuclear", disse Ellie Geranmayeh, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Os europeus estão tentando, com a Rússia e a China, criar um pacote econômico para o Irã, mas também estão atrás de algumas medidas políticas para manter o Irã no acordo, especialmente depois de quatro de novembro." 

A Europa também está tentando ajudar pequenas e médias empresas com pouca exposição nos Estados Unidos a continuar a negociar com o Irã. A questão é até onde o governo Trump irá para impor sanções e se isso permitirá isenções, como no passado, ao trabalho com o programa nuclear civil do Irã, disse Geranmayeh. 

Fracasso pode levar à expansão nuclear do Irã

"Mas se o acordo fracassar completamente, você pode apostar que o Irã expandirá seu programa nuclear", afirmou ela. "Isso colocaria todos de volta à condição pré-2013, e a Europa especialmente não quer estar lá".  Dadas as tensões existentes entre o Irã e os países árabes sunitas, como a Arábia Saudita e o Egito, para não falar daqueles que estão ao lado de Israel, uma guerra não seria impossível. 

Um conflito sobre a Síria, especialmente com forças iranianas e apoiadas pelo Irã perto das colinas de Golan ocupadas por Israel, poderia criar um pretexto para Israel bombardear as instalações nucleares do Irã, como queria fazer antes do acordo nuclear ser assinado. Obama conseguiu conter Israel, Trump talvez não possa. 

 Os europeus estão dizendo a Teerã que o pacto nuclear não é apenas um acordo econômico, "mas tem importantes dimensões políticas e de segurança para o Irã, e até agora o Irã vem escutando", explicou Geranmayeh. A Europa está enfatizando seus esforços para diminuir as tensões e já realizou três reuniões como parte de um novo diálogo de segurança com o Irã. 

 Washington disse que o acordo nuclear era deficiente, em parte porque não restringia as ações iranianas na região, como seu apoio a estados e grupos que os americanos consideram problemáticos: o governo sírio; o Hezbollah, o grupo xiita libanês; e o Hamas, o grupo que milita em Gaza. 

 Os governos europeus, no entanto, afirmam que os americanos fizeram pouco para reduzir a influência iraniana. São os europeus que estão tentando criar uma plataforma de diálogo com o Irã e outros atores regionais e que estão pressionando o Irã a discutir suas atividades no Iraque, na Síria e no Líbano. 

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Há outra diferença importante, de acordo com Geranmayeh. Embora Washington "não veja nenhum tom de cinza na liderança iraniana, os países da União Europeia, com suas bases no Irã, enxergam facções competitivas dentro do regime". 

 Os europeus estão tentando apoiar os que estão no Irã, como o ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, e o presidente, Hassan Rouhani, que consideram mais moderados e cuja posição política foi enfraquecida pelas ações de Trump. 

 Joseph Cirincione, especialista nuclear e presidente do Fundo Ploughshares, comprometido com a não proliferação, escreveu recentemente que o governo Trump parece estar caminhando para uma guerra no Oriente Médio. Ele acusou tanto Bolton quanto o secretário de Estado, Mike Pompeo, de "coletar informações e fazer ameaças", acrescentando: "Eles estão fazendo conexões ilusórias entre o Irã e os terroristas, incluindo a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. E estão inflando sua retórica". 

 Essas tensões estão prestes a piorar, segundo Cirincione, com a imposição das novas e rígidas sanções. "A probabilidade de que essa pressão exploda em um conflito militar está aumentando dramaticamente", afirmou ele. 

 Sua visão pessimista é precisamente o que as autoridades europeias temem e o motivo por que estão tentando persuadir o Irã a aderir ao acordo nuclear, a modificar seu comportamento na região e a esperar pelo fim da presidência de Trump. 

 

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