Os principais nomes da corrida presidencial na Argentina em 2019 estão passando por um momento de provações. O presidente Mauricio Macri está sendo pressionado por uma crise econômica sem precedentes e vê suas habilidades de administrador serem questionadas, a sua opositora e ex-presidente Cristina Kirchner está no centro do maior escândalo de corrupção do país, que, segundo estimativas, pode ter desviado US$ 21,4 bilhões dos cofres públicos nos 12 anos em que o casal Kirchner ocupou a Casa Rosada.
“Um sistema político permeado por denúncias de corrupção também agrava a situação (de crise)”, diz Fábio Borges, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Uma pesquisa de intenção de voto realizada em julho, pelo Manegement & Fit em parceria com o jornal Clarín – portanto antes do caso dos “cadernos das propinas” se tornar público – mostrava que o antikirchnerismo e o antimacrismo podem ser determinantes para as eleições presidenciais de novembro do ano que vem.
A base de apoio de Kirchner aparecia maior do que a de Macri: em uma eleição para presidente, 24% seguramente votaria nela e apenas 22% apoiaria uma reeleição do presidente. Porém, a rejeição de Kirchner é mais forte: 62,5% afirmam que jamais votariam nela para presidente, enquanto que a rejeição de Macri é de 57%. A margem de erro é de 2,5%.
Outra pesquisa, realizada entre 8 e 9 de agosto pela Synopsis, uma das consultorias que fez melhor prognóstico das eleições legislativas de 2017, mostra como os dois principais nomes da política argentina atual se saíram após a revelação dos cadernos de corrupção, a Lava Jato argentina.
A situação de Macri é pior. Após o caso dos cadernos vir à tona, a corrupção passou a ser vista como algo mais preocupantes para os argentinos, mas ainda não supera a inquietação da população em relação à economia. A imagem do governo atual, de acordo com a pesquisa Synopsis, está 2,3 p.p. pior do que no mês passado: 50% tem uma imagem negativa da administração do presidente.
Situação tende a piorar para Macri
A situação para o atual presidente tende a piorar com as novas medidas adotadas pelo Banco Central nesta semana para conter a desvalorização da moeda local, como a elevação da taxa de juros de 45% para 60% ao ano, a maior do mundo, e a sensação de que o presidente não está qualificado para melhorar a economia do país, o que foi sua principal promessa de campanha. “A tendência é que a popularidade de Macri diminua diante do agravamento das situações econômicas e sociais do país”, diz Borges.
Segundo analistas do banco de investimentos Itaú BBA, a Argentina tem tomado os “remédios adequados” para lidar com a deterioração das condições financeiras para os mercados emergentes: realizou um acordo com o FMI, está cortando gastos públicos e o BC está promovendo um aperto na política monetária para conter o enfraquecimento da moeda.
Mas, a avaliação é de que a dose do remédio terá de ser acentuado, uma vez que a antecipação das parcelas do empréstimo de US$ 50 bilhões, acordado com o Fundo em junho não é suficiente para acalmar a economia. Neste cenário, segundo os analistas, o governo terá de acelerar o ajuste do déficit fiscal. Mas, eles ressaltam que a estratégia não é livre de riscos.
Apesar da imagem de Cristina Kirchner ter enfraquecido em função das recentes investigações (contra ela), ela poderá se beneficiar com o aprofundamento da crise econômica, uma possibilidade que contribui para afastar os investidores da Argentina, mesmo com os preços dos ativos estando mais atraentes e as garantias proporcionadas pelo pacote do FMI.
Mesmo tendo sido citada em delações premiadas, a opinião pública sobre Kirchner não mudou muito: 58,2% dos entrevistados disseram ter uma percepção ruim ou muito ruim a respeito da ex-presidente. Mas a variação em relação a maio é muito pequena. Na verdade, segundo a consultoria, 82% da população não mudou de opinião em relação a senadora, sendo que 50% só confirmou suas convicções de que Kirchner é corrupta e o restante continua acreditando em sua inocência.
Segundo o professor de Ciência Política da Universidade de York, Alejandro Milcíades Peña, Kirchner tem uma base de apoio que corresponde a cerca de 20 a 25% do eleitorado. “Esta base de votos é muito leal e não suscetível a qualquer escândalo de corrupção ou acusação: enquanto Cristina estiver lá, eles continuarão votando nela não importa o quê”, afirma.
Vantagem da oposição
Pesquisas de opinião apontam para uma vantagem da oposição na intenção de voto para as eleições presidenciais de 2019. 52% dos entrevistados pela consultoria Synopsis, em agosto, afirmaram que votariam na oposição e 32% na situação. Mas olhando para os números mais de perto, a coalizão Cambiemos, que integra a administração Macri demonstra um núcleo de apoio eleitoral consistente, ao passo que a oposição se dispersa em apoiadores do kirchnerismo, peronismo federal, progressistas e esquerda.
Segundo Peña, os peronistas estão divididos entre facções kirchneristas (mais esquerdistas) e não kirchneristas (mais à direita, ideologicamente mais próximas de Macri), que também estão divididas entre si. “Os não kirchneristas ainda não têm uma figura forte e visível que comande a liderança como Cristina fez ou faz”, diz o professor ao explicar o apoio do peronismo federal à kirchner no caso dos cadernos.
“Peronistas não kirchneristas estão em uma situação difícil, pois muitos gostariam de deixar o kirchnerismo para trás, mas não têm certeza se podem. Eles sabem que se competirem divididos, suas chances de ganhar as eleições serão pequenas, como aconteceu na última eleição presidencial. Eles também podem continuar a apoiar Cristina, mas isto significaria continuar à sua sombra e enfrentar o forte sentimento antikirchnerista que sua liderança produz”, avalia.
A decisão dos peronistas também influenciará o desempenho de Macri nas eleições do ano que vem. Muito do apoio ao presidente se origina no sentimento antikirchnerista, o que pode fazer com que um eleitor diante da opção Kirchner acabe votando em Macri, mas se houver outro nome do peronismo, ele pode mudar de ideia.
Reviravoltas judiciais e o andamento das investigações dos cadernos de propinas também não podem ser descartados como fatores mais influentes na eleição de 2019. O analista político da consultoria Prospectiva, Gabriel Kohlmann, lembra que, apesar de improvável no momento, a prisão da senadora não pode ser descartada. “Há algum tempo, ninguém imaginaria que Lula fosse preso”, lembrou ao fazer uma analogia com o caso brasileiro.
Acordo terá peso
Mas analisando as prospecções para a corrida eleitoral neste momento, o fator econômico desempenhará um papel mais relevante na hora da decisão do voto, de acordo com ele. O acordo com o FMI, assinado em junho, foi um impacto muito pesado para o governo Macri, que até então vinha mantendo o favoritismo nas intenções de voto.
“O argentino tem uma ligação carnal negativa com o FMI muito mais aflorada do que o brasileiro”. Segundo o Banco Central da República Argentina, entre 1958 e 2003, foram firmados 26 acordos nesse período. E, por mais de uma década, a Argentina ficou fora do mercado financeiro internacional por causa da moratória de dezembro de 2001.
Depois de mais de dez anos de kirchnerismo, o cenário começou a mudar em 2015, com a eleição de Maurício Macri. O ponto de vista dos investidores mudou, diante das promessas de fortalecimento da economia e da redução dos déficits fiscal, comercial e da inflação para níveis administráveis.
Mas, diante dos fracos resultados da economia - o PIB alterna altas e baixas há seis anos - e da falta de reformas, a confiança em relação a Macri caiu. Um dos reflexos foi a perda de valor do peso argentino frente ao dólar. Nos últimos 12 meses, segundo a Bloomberg, a queda foi superior a 50%.
“A credibilidade e reputação tanto em nível individual como governamental levam tempo para se construírem e basta um deslize para elas serem deterioradas. A reconstrução da confiança é muito custosa e leva tempo, por isso a atual situação da Argentina ainda tem relação com a moratória de 2001”, disse Borges, pesquisador da PUC-Rio.
Outros fatores
Outros dois fatores que podem influenciar na situação econômica argentina e ter impacto no cenário político são as eleições presidenciais no Brasil e a evolução da economia chinesa. “O ainda turbulento cenário externo, incluindo a incerteza política no Brasil, é, também, um fator chave para a estabilização”, apontam os especialistas do Itaú BBA.
“Uma vitória da centro-esquerda no Brasil pode ampliar o apoio regional às demandas sociais internas argentinas”, afirma Borges, da PUC-Rio. Ele também sinaliza que um crescimento menor da China pode impor mais desafios para uma economia dependente de exportações de matérias-primas e agravar o desemprego e os problemas sociais. A previsão do FMI é de que a segunda maior economia global cresça 6,4% neste ano, a menor taxa desde 1990.