Se a perda de credibilidade que viria na esteira de um calote na dívida com o Brasil não for motivo suficiente para tirar essa idéia da cabeça dos governantes vizinhos, a crise econômica deve dar conta do recado.
Essa é a opinião do vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, em relação à auditoria nas dívidas junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que Venezuela, Bolívia e Paraguai anunciaram nas últimas semanas.
O anúncio do bloco pró-Hugo Chávez foi um claro apoio ao processo de arbitragem que o também colega Equador abriu na Câmara de Comércio Internacional (CCI, com sede em Paris), visando ao cancelamento da dívida de US$ 242,9 milhões assumida em 2000 para financiar a Hidrelétrica San Francisco.
O pedido veio após a interrupção do funcionamento da usina e a expulsão da construtora brasileira Norberto Odebrecht, responsável pela obra, em setembro.
Apesar de outras medidas consideradas improváveis já terem surgido do bloco chavista, o momento não é o mais adequado para sujar o nome no mercado internacional. "Não existe crédito disponível e eles ficariam inviabilizados", explica Castro.
Outros fatores podem deixar o Brasil mais tranqüilo quanto a receber o dinheiro de volta, como a queda no preço internacional do petróleo, que nos últimos meses abalou a receita venezuelana. Com menos dinheiro em caixa, é improvável que o país queira secar uma fonte segura de empréstimos. Mesmo que encontrasse outros parceiros, seria difícil que eles fossem "generosos" como o Brasil, que claramente privilegiou esses mercados nos últimos anos.
Na mesma linha, o Paraguai, que produz e exporta muita soja, também saiu perdendo com a queda na cotação de commodities. "Com tudo isso, o poder de falar grosso diminuiu muito", diz Castro.
A hipótese de calote generalizado não afetaria apenas o Brasil, mas também a integração regional, e com isso concorda o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que vem colocando panos quentes na situação: a própria "integração física" dos países iria desacelerar caso os países vizinhos revejam contratos de financiamento de obras de infra-estrutura, afirmou na semana passada.
Nesse processo de integração, o BNDES é um dos instrumentos de maior relevância ao financiar obras no subcontinente. "Não pode haver integração econômica e comercial na nossa região sem avanços na integração física, com a criação de estradas, portos, hidrovias, hidrelétricas, gasodutos", escreveu na semana passada o ministro das Relações Exteriores entre 1995 e 2001, Luiz Felipe Lampreia.
A união regional daria um grande passo atrás com um calote pela perda de credibilidade do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos da Associação Latino-Americana de Integração (CCR) em cujo âmbito são assinados os acordos de financiamento, tornando dívidas irrevogáveis.
Reação
Caso o processo de calote do Equador seja levado adiante e surjam outros na esteira, é de se esperar uma reação veemente do Brasil a julgar pelo mal-estar causado pelo pedido de arbitragem sem aviso prévio do equatoriano Rafael Correa. Imediatamente, o Itamaraty chamou seu embaixador para consultas, o que, na linguagem diplomática, equivale a uma bronca.
Essa reação surpreendeu. "O governo brasileiro nos últimos anos colocou tal prioridade na integração econômica sul-americana e na solidariedade regional que aceitou subordinar tudo o mais a esse objetivo. Por isso vem tolerando atitudes negativas, expropriações e outras agressões com benevolência", avalia Lampreia.
Mas o professor do Instituto Rio Branco e doutor em Direito Internacional Jorge Fontoura vê exagero na leitura de que o Brasil está enfrentando um grave conflito comercial internacional. "O conflito demonstra amizade, porque só amigos fazem comércio. E para conflitos há a arbitragem, a negociação", diz.
Ele acrescenta que, na qualidade de aspirante a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, o Brasil deve fazer ver que há segurança jurídica na região. "É necessário que os conflitos sejam resolvidos pelas instâncias do Mercosul."