A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, costuma dizer que governa “o país da América Latina que mais classe média gerou na última década”. Sua afirmação foi correta até 2012, ano em que, segundo especialistas, a classe média argentina voltou a mergulhar numa crise econômica que não só impediu seu crescimento e fortalecimento, como também provocou retração.
Hoje, de acordo com dados da empresa de consultoria CCR, especializada em análise de mercado, em torno de 47% dos argentinos pertencem à classe média, abaixo dos cerca de 50% alcançados na primeira etapa do governo kirchnerista.
No primeiro turno presidencial, em 25 de outubro passado, a classe média que a chefe de Estado tanto elogia votou, em sua grande maioria, no candidato da aliança opositora Mudemos, o prefeito portenho Mauricio Macri — um claro sinal do clima de insatisfação que predomina neste setor da sociedade.
Em municípios da Grande Buenos Aires onde tradicionalmente o peronismo dominava, os candidatos da Mudemos ganharam as eleições regionais. Um dos vencedores foi Néstor Grindetti, prefeito eleito de Lanús, um dos municípios mais próximos da capital argentina e onde vivem milhares de famílias de classe média, como a formada por Pablo Moróz, sua mulher, Laura, e sua única filha, Mara.
Os três votaram em Macri e nos candidatos da oposição para governador da província e prefeito.
“Sou peronista, já votei em Carlos Menem (1989-1999), mas nunca gostei dos Kirchner, eles não são peronistas”, comenta Pablo, que trabalha numa casa de câmbio portenha.
A família Moróz, que mora numa casa própria comprada com muito esforço, vive preocupada com a crescente insegurança que assola o país, hoje uma das principais preocupações dos argentinos. Mara evita sair sozinha de noite, e os três admitem que tiveram de modificar alguns hábitos nos últimos anos, “porque a violência aumentou muito”.
Classe baixa aumentou em 2014
Como muitos outros integrantes da classe média, Pablo e Laura também se queixam da “forte pressão tributária sobre os que têm menos, a deterioração dos serviços de saúde e da educação, e do estilo autoritário e soberbo dos kirchneristas”.
“Estamos esgotados com este governo. Ninguém aguenta mais os pronunciamentos em cadeia de Cristina, os ataques constantes, a utilização dos meios de comunicação para fazer campanha. Queremos uma mudança, outro partido deve ter a oportunidade de governar”, enfatiza Laura.
Nas últimas semanas, o candidato do kirchnerismo, Daniel Scioli, atual governador da província de Buenos Aires, tentou impor uma campanha de medo no país, destinada principalmente à classe média.
“O ajuste que Macri vai aplicar começará pela classe média… Nós, pelo contrário, vamos proteger os salários e os direitos dessa classe”, declarou Scioli, tentando tirar votos da oposição.
O levantamento da CCR mostrou que outros 47,5% dos argentinos vivem com menos de 11.700 pesos mensais (US$ 1.245), piso a partir do qual a consultoria define uma família como de classe média. Deste total, 17,2% têm uma renda inferior a 4.600 pesos mensais (US$ 490) e são considerados classe baixa. Este último grupo aumentou 0,5% no último ano.
Entre 2004 e 2012, diz o estudo, a classe média chegou a representar quase metade da população argentina, graças a um crescimento de cerca de nove pontos percentuais. No entanto, nos últimos três anos “essa tendência foi revertida”, diz Patricia Sosa, diretora de negócios da CCR.
“O primeiro fator que explica a estagnação é a inflação, especialmente em 2014 (quando chegou a quase 30%)”, sentencia Patricia.
Para ela, também influiu o fato de que nos últimos quatro anos “praticamente não houve crescimento econômico, nem criação de empregos no setor privado”.
“Nós votamos na oposição porque sentimos que poderíamos viver muito melhor”, diz o contador Federico Scher, ao lado da mulher, a professora Inés Bárcia, e dos seus três filhos, no apartamento de 65 metros quadrados em que moram, no bairro de Belgrano.
O casal conseguiu fazer algumas viagens nos últimos anos, mas essa foi sua única conquista social durante o mais recente governo kirchnerista.
“Queremos mudar para um apartamento maior, mas isso é impossível. A inflação está terrível, temos de controlar muito nossas despesas e não existe um horizonte de crescimento pela frente”, lamenta Federico.
A ideia de ir para outro país começou a ser discutida na família “pela falta de oportunidades que temos na Argentina”.
“Eu me incomodo muito a corrupção, me preocupa a insegurança e me irrita não poder ter mais atividades de lazer, porque está tudo caríssimo”, diz Inés.
Já Federico questionou o excessivo controle tributário sobre a classe média, “enquanto grandes empresários sonegam impostos impunemente”. “Na verdade, não confio em político algum. Voto em Macri pela falta de opção e porque quero que nosso país mude.”