O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont,  ao lado de seus aliados, Oriol Junqueras, Jordi Turull e Raul Romeva, após a aprovação da resolução sobre a independência| Foto: LLUIS GENE/AFP

O Parlamento regional aprovou nesta sexta-feira (27) a independência da Catalunha, em desafio ao governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy. Antes da votação em Barcelona, os congressistas contrários à secessão da Espanha abandonaram o plenário. Depois disso, os políticos partidários da separação decidiram realizar um votação secreta, na qual a vitória da separação ocorreu com grande margem. Em um colégio de 135 deputados, foram 70 votos a favor, 10 contra e 2 em branco. 

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Minutos mais tarde, o Senado da Espanha também autorizou a proposta do primeiro-ministro Mariano Rajoy para assumir o controle da região. "Peço tranquilidade a todos os espanhóis. O Estado de Direito restaurará a legalidade na Catalunha", disse Rajoy em sua conta no Twitter.

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As propostas elaboradas pela administração espanhola incluem a remoção dos líderes regionais do governo catalão e a restrição da autoridade do Parlamento da região. A comissão aceitou uma emenda da oposição para aplicar as medidas de forma gradual e proporcional, dependendo da evolução na Catalunha.

O governo Rajoy e a Justiça espanhola não reconheceram a votação popular no referendo realizado no começo de outubro. Na ocasião, 90,09% da população da região votou favorável à medida. Durante o período do referendo, correram confrontos entre civis e a polícia. Cerca de 800 pessoas ficaram feridas.

No dia 10 de outubro, Puigdemont já havia declarado autônoma a região, mas logo em seguida propôs a suspensão dos efeitos da declaração. A ideia era abrir diálogo para negociações com o governo espanhol, que descartou, no entanto, essa possibilidade. 

Por que independência agora? 

Uma das regiões mais ricas e industrializadas da Espanha, a Catalunha se orgulha de possuir uma cultura, linguagem e história distintas. Historicamente, a região tem sido governada com grande autonomia em relação a Madrid, mas a ditadura de Francisco Franco (1939-1975) deixou marcas profundas entre os catalães. Além de perseguir brutalmente os nacionalistas catalães, o regime franquista proibiu o uso do idioma local, baniu eventos culturais típicos da região e forçou os habitantes da região a adotar a versão castelhana de seus nomes (por exemplo, o catalão Lluís virou Luis).  

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Após o fim da ditadura, a Espanha se reorganizou politicamente e regiões com tradição separatista como a Catalunha e o País Basco ganharam status de comunidades autônomas, com grande liberdade de decisão em relação a Madrid. O furor pela independência voltou com força após a crise de 2008, que teve na Espanha uma das suas maiores vítimas.

Em Barcelona, prevalece um sentimento de que os erros do governo central em Madrid enterraram o país em um ciclo de dívidas e desemprego, e que agora a Catalunha precisava pagar a conta – a região paga em torno de 12 bilhões de euros a mais em impostos do que recebe de volta. Por outro lado, o investimento público da Espanha na área se reduziu: chegou a ser próximo de 16% do orçamento nacional em 2003, e em 2015 não passava de 9,5%.  

Qual o peso econômico de uma eventual secessão Catalã? 

Com 7,5 milhões de habitantes, a Catalunha corresponde a 16% da população espanhola, produzindo o equivalente a 19% do PIB do país. Cerca de um quarto das exportações espanholas vêm da Catalunha. A importância da região para a economia da Espanha é inegável, mas a recíproca é verdadeira: cerca de 35% do comércio catalão é realizado com o restante do país, e o governo espanhol detém quase dois terços da dívida da região, estimada em 64,5 bilhões de euros. 

Os economistas divergem sobre qual lado sofreria mais em caso de independência, mas é certo que, em um primeiro momento, tanto a Espanha quanto a Catalunha sofreriam um agravamento de suas crises econômicas. A tendência, no entanto, é que a situação catalã seja muito mais grave no longo prazo: mesmo na hipótese de ser reconhecida enquanto nação independente pela comunidade internacional, o efeito imediato da separação seria sua alienação em relação à União Europeia (UE), encontrando mercados mais fechados e precisando lidar com a condição de pária. Um novo membro da UE precisa ser aceito de forma unânime pelos países que já estão lá, e o veto da Espanha e seus aliados tornaria inviável a integração catalã com a região. 

A Catalunha também precisaria arcar com os custos imediatos da criação de uma estrutura de governo nacional: a abertura de embaixadas em outras nações, o estabelecimento de um banco central e de uma casa da moeda, já que deixaria a zona do euro, etc. 

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A Espanha pode virar a nova Iugoslávia? 

O grande temor do governo espanhol é que o processo em andamento na Catalunha possa inspirar outras regiões com argumentos semelhantes a buscar a independência, como o País Basco e a Galícia. Atualmente, essas duas regiões não possuem um movimento forte no sentido de buscar a separação, mas o sucesso da empreitada catalã pode representar um precedente com peso europeu, incentivando outras áreas atualmente tranquilas a perseguir uma autonomia no futuro. Áreas como a Escócia (Reino Unido), Bretanha (França), Frísia (Holanda), Flandres e Valônia (Bélgica) mantêm movimentos nacionalistas que já cogitaram a independência no passado. 

Embora os catalães sejam atualmente a região mais organizada no sentido de buscar a secessão na Espanha, os bascos foram os responsáveis pela maior violência na luta por independência: desde 1968, o grupo ETA (sigla em basco para “Pátria Basca e Liberdade”) foi considerado responsável por 829 mortes em diferentes atentados terroristas. O ETA mantém um cessar-fogo desde 2010, e em abril deste ano anunciou que havia entregado todos os armamentos ao governo espanhol, mas segue ativo como instrumento de pressão política. A eventual separação do País Basco levaria a crise política definitivamente para além das fronteiras espanholas, já que parte do território está na França. 

Em um cenário no qual Catalunha, Galícia e País Basco se separassem, a Espanha perderia o equivalente a cerca de 14% de seu território, 25% do seu PIB e 27% da população atuais.  

Os catalães realmente querem independência? 

Apesar do discurso do governo catalão, a resposta a essa questão é muito menos óbvia do que pode parecer a princípio: ninguém tem certeza. Segundo uma enquete realizada entre os catalães pelo jornal local El Periodico de Catalunya, 85% deles são favoráveis à realização do referendo. Mas, quando perguntados sobre a separação propriamente dita, os habitantes da região são muito mais divididos: uma enquete realizada pelo governo catalão em junho mostrava que 41% dos cidadãos pretendiam votar “sim”, enquanto 49% tinham planos de votar contra a secessão. 

Diante dos resultados desfavoráveis, o governo não divulgou novas consultas oficiais desde então. Apesar disso, analistas estimam que a repressão do governo espanhol na tentativa de impedir o referendo tende a ajudar a causa independentista, que pode ter ganhado adeptos desde a última enquete oficial do governo. A pesquisa mais recente realizada por um instituto catalão, divulgada no dia 16 de setembro, indicava 44% de votos favoráveis à independência e 38% contrários, além de um número substancial de indecisos (14%). 

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Em 2014, uma consulta popular atraiu 2,3 milhões de eleitores (37% de comparecimento) e apontou que quase 81% apoiavam a independência da Catalunha. Aquele processo, porém, não tinha a promessa atual de redundar em uma separação de fato – e foi amplamente boicotado por grupos contrários à independência, o que gerou críticas quanto à pouca representatividade do resultado. 

 Para 2017, em tese, o governo catalão pode declarar a independência com qualquer número de participantes, desde que o “sim” receba a maioria simples dos votos. No entanto, grupos ligados ao presidente Carles Puigdemont indicam que a declaração unilateral de independência – como desejam os nacionalistas mais ferrenhos – é improvável.

A tendência é que a Catalunha use os resultados para pressionar o governo espanhol a rever sua Constituição, concedendo ainda mais autonomia às regiões e tornando legal a possibilidade de secessão em pleitos futuros. 

Como fica o futebol? 

Curiosamente, entre os pontos mais discutidos durante todo o processo que levou ao referendo foi a situação do futebol. Principal clube catalão, o Barcelona é também uma das maiores atrações do Campeonato Espanhol – seu rival local, o Espanyol, é outra figura constante na primeira divisão. Ligado historicamente ao movimento nacionalista da região, o Barça já se manifestou a favor da realização do referendo. Pep Guardiola, ex-técnico do clube e atualmente no Manchester City da Inglaterra, participou de comícios favoráveis à independência e chegou a declarar: “vamos votar, mesmo que o estado espanhol não queira”. 

Somando-se à pressão contra o separatismo, a Liga Espanhola declarou no passado que os clubes catalães não poderiam mais disputar o campeonato do país em caso de secessão. Já foi especulado, inclusive, que o Barcelona poderia ser aceito no Campeonato Francês. O fato é que um hipotético Campeonato Catalão seria pouco competitivo, prejudicando as finanças dos clubes locais: nos últimos vinte anos, Barcelona e Espanyol se enfrentaram 41 vezes pelo Campeonato Espanhol – e o Barça foi derrotado em apenas três ocasiões. O terceiro maior clube da região, o Girona, foi fundado há 87 anos e só chegou à primeira divisão nesta temporada. 

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Uma eventual separação também teria grande peso sobre a Seleção Espanhola: no título da Copa do Mundo de 2010, por exemplo, cinco dos onze titulares que disputaram a final eram nascidos na Catalunha.

“Madri subestimou poder do nacionalismo" 

Um dos defensores mais enérgicos de que a Espanha destitua o governo regional da Catalunha em resposta aos anseios separatistas é justamente um catalão: Albert Rivera, 37, líder do influente partido de centro-direita Cidadãos. Peça fundamental na formação do governo atual do Partido Popular, do premiê Mariano Rajoy, ele critica a condução das negociações com a Catalunha pelo governo central. "Perdemos muito tempo com cartas, enviando fax", afirma, em referência à longa troca de missivas públicas entre Rajoy e Puigdemont. 

"O governo atual e o de José Luis Zapatero [2004-2011] foram os que mais subestimaram o poder do nacionalismo, de propaganda e de comunicação. Não deram importância enquanto crescia o nacionalismo catalão." O fato de Rivera ter nascido em Barcelona torna sua crítica ainda mais incômoda aos ouvidos dos partidários da secessão. 

A família dele ainda vive no entorno da cidade. Em setembro, a loja de quitutes de sua mãe foi pichada com a mensagem "Cidadãos, esta não é a sua terra nem a sua luta". "Eu sei o que é ser um catalão que quer ser espanhol na Catalunha. Sei o que é ser ameaçado de morte, ter a família ameaçada, ter que andar com segurança", afirma à Folha no Congresso dos Deputados, em Madri. 

"O nacionalismo está gerando uma ruptura da convivência. Essa é uma ideologia que evidencia o distinto, o diferente. O paradoxo é que, na Catalunha, os dissidentes, os que não apoiam o independentismo, são maioria. Somos dissidentes em nossa própria terra", diz Rivera. 

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Rivera foi um dos primeiros políticos a exigir que o governo de Rajoy freasse os independentistas. Quando ainda se falava em convencer o presidente regional Puigdemont a voltar atrás na separação, o Cidadãos fazia campanha pela ativação do Artigo 155. Esse artigo da Constituição prevê intervenções pontuais na autonomia de uma região para forçá-la a abandonar um curso considerado ilegal pelo governo central. 

 "Esse processo não terá fim até que haja um 'reset' institucional", diz Rivera. "Mas o objetivo não é a suspensão sem prazo, para sempre. É para recompor a democracia. Temos que devolver a voz ao povo catalão para que escolha suas instituições. Acreditamos que em janeiro vamos às urnas."

Com informações de Folhapress, Maurício Brum e outras agências